quarta-feira, maio 31, 2017

DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE O ANIVERSÁRIO DE 50 ANOS DE "SGT PEPPER'S LONELY HEARTS CLUB BAND"

por Chico Marques


É uma merda não ser beatlemaníaco.

É quase como ter lepra. Seu acesso fica limitado em vários círculos de amigos, que simplesmente não se conformam com o fato de você -- eu, no caso -- nunca ter-se deixado arrebatar pelo encanto dos 4 de Liverpool.

Mas... fazer o que? Sempre gostei moderadamente dos Beatles. Nunca de forma incondicional, como os beatlemaníacos. E, francamente, jamais consegui entender como um fenômeno comportamental como a beatlemania -- que só fazia algum sentido dentro daquela vidinha besta que vivíamos nos Anos 60 -- conseguiu permanecer vivo e ativo após tantos anos.

O saco é que os beatlemaníacos insistem em idolatrar os 4 de Liverpool como um fenômeno isolado, pelo simples fato deles terem encabeçado a primeiríssima divisão da British Invasion. Já eu só consigo vê-los inseridos num "big picture" da cena musical britânica, onde eles emparelham com várias outras bandas contemporâneas igualmente vitais como The Kinks, The Animals, The Who, The Yardbirds, The Pretty Things, Cream e, claro, The Rolling Stones.

Meu problema maior com os beatlemaníacos é o sectarismo musical detestável que eles cultivam. Que é facilmente identificável nos fãs incondicionais da banda na faixa de 50, 60 e 70 anos anos de idade, mas que também aparece em muitos "fãs juniors" -- que, mesmo não tendo vivido aquela época, macaqueiam os mesmos velhos cacoetes ridículos e rançosos de certos "fãs seniors".




Pois bem: "Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band" completa 50 anos de vida nesta quinta, dia 1 de Junho.

Pipocam pela imprensa do mundo todo há vários dias aqueles indefectíveis (mas inevitáveis) textos de jornalistas-fãs exaltando o disco como "a obra máxima da banda", "a pedra fundamental do rock psicodélico", "o primeiro disco conceitual da história do rock" e "o disco que dividiu as águas no pop ocidental", entre outros lugares comuns. 
É confete que não acaba mais.

Como dizia Nelson Rodrigues, "toda unanimidade é burra". É como se qualquer pauta sobre "Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band" que não seja de natureza louvatória fosse declarada inadequada nesse "momento sagrado". Como se o disco fosse uma obra-prima intocável que não pudesse ser reavaliada de forma alguma, e nem mesmo ser submetida ao teste do tempo. Presumo que os beatlemaníacos devam ter medo que, depois de algumas revisões críticas contundentes, a "magnum opus" dos Beatles não se sustente mais em pé.

Por essas e outras, não tenho o menor receio de bancar o desagradável revisando "Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band" sem piedade. Ainda mais agora, que acaba de ser lançada uma daquelas caixas com 4 cds paquidérmicas e intermináveis, trazendo a versão stereo e a versão mono do disco original totalmente remixadas, além uma infinidade de takes e mixes alternativos das faixas do disco -- sem contar as versões iniciais de "Strawberry Fields Forever" e "Penny Lane", que acabaram ficando de fora deste LP para se transformar em Fevereiro de 1967 no single mais emblemático de toda a carreira da banda.



Para quem não sabe, "Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band" custou uma fortuna: 25 mil libras em dinheiro da época. Foram mais de 700 horas de estúdio empenhadas no disco, algo inédito até então na história da Indústria Fonográfica. Foi gravado num estúdio de 4 canais em Londres simulando os efeitos conseguidos apenas em estúdios de 8 canais que só existiam nos Estados Unidos na época. No final das contas, toda a criatividade e o primor técnico do engenheiro Geoff Emerick, somado aos arranjos ousados do produtor George Martin, serviam para dar um status grandioso a um conceito incipiente e boboca que permeia o disco do início ao fim, onde os Beatles se escondem na pele dos músicos da banda do Sargento Pepper.


E é justamente isso que torna essa revisão de "Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band", uma experiência constrangedora. Difícil entender como as pessoas conseguiram passar 50 anos idolatrando uma seleção de canções tão fraca e inexpressiva sem questionar isso, e ainda saudar o produto final como o "crème de la crème" do rock anglo-americano da época. O nível qualitativo do repertório do disco é surpreendentemente baixo, ainda mais se comparado ao repertório dos dois discos anteriores "Rubber Soul " e "Revolver", ambos excelentes. A ruindade da maioria das canções do LP chega a ser gritante.

Os highlights do disco são apenas três: duas canções de Paul McCartney ("Lucy In The Sky With Diamonds" e "She's Leaving Home") e uma de John Lennon ("A Day In The Life"). George Martin sentiu esse deficiência no nível do repertório durante a concepção do disco, e insistiu para que "Strawberry Fields Forever" e "Penny Lane" fossem incluídas para dar um reforço. Mas foi voto vencido, pois Lennon e McCartney não queriam nenhum single já lançado dentro do disco. Queriam separar bem o lado "banda de singles" do lado "banda de álbuns" dos Beatles.

 Em última instância, 70% do repertório de "Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band" nunca passou de um amontoado de besteirinhas musicais, e os beatlemaníacos sempre fizeram vista grossa para esse fato. Eram canções que já despontavam para o esquecimento na época em que o disco foi lançado. E que hoje, 50 anos depois de seu lançamento, soam extremamente datadas para todos os que a escutam -- menos para os beatlemaníacos, claro.



Beatlemaníacos em geral tendem a romancear tudo o que envolve os Beatles. Já era assim quando a banda estava na ativa, e isso estranhamente persiste até hoje.

Vivem reinventando a história da banda, sempre deixando de lado o que não é conveniente. Esquecem deliberadamente que John Lennon era completamente bipolar, que a relação entre os quatro não era lá muito amistosa, que a banda tinha negócios atrapalhados, relações estranhas com sua gravadora, seus empresários e –- mais importante de tudo -– não sabia lidar com o ‘big business’ dos anos 60, tanto que acabou engolida por ele durante o processo de falência da Apple Records.

Na hora de tentar apontar as verdadeiras causas dos Beatles terem encerrado as atividades em 1970, esses beatlemaníacos sempre acabam buscando explicações em questões pessoais, colocando a culpa em Yoko Ono, Linda Eastman, Allen Klein ou em quaisquer outros que, eventualmente, fizessem parte da corte dos rapazes, quando na verdade o buraco era bem mais embaixo: trata-se de um simples caso de incompetência gerencial.

Diante de tudo isso apresentado até agora nesse desabafo, eu não deveria me espantar ao ver que, 50 anos depois do lançamento, ainda existem beatlemaníacos ávidos por adquirir uma caixa de 4 cds chata, previsível, desinteressante, e caríssima como essa. Mas me espanto, sim. Aliás, não me conformo, pois tenho certeza de que essa falta de espírito crítico dos beatlemaníacos em relação ao próprio legado dos Beatles conspira contra a importância da banda para a história do rock. Mas sei que estou falando para as paredes...

Pois comemorem bastante os 50 anos de "Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band". Só não me convidem para a festa, por favor.






CHICO MARQUES
é comentarista,
produtor musical
e radialista
há mais de 30 anos,
e edita a revista cultural
LEVA UM CASAQUINHO
e o blog musical
ALTO & CLARO 




NOSSO ANIVERSARIANTE DESTA QUARTA TEM OS DEDOS MAIS RÁPIDOS DO OESTE TANTO PARA SACAR ARMAS QUANTO PARA DESLIZAR PELAS TECLAS DE UM PIANO


CELEBRAMOS O ANIVERSÁRIO DE 87 ANOS
DO MULTI-TALENTOSO CLINT EASTWOOD
RESGATANDO O BELO DOCUMENTÁRIO
INTITULADO "PIANO BLUES"
QUE ELE ROTEIRIZOU E DIRIGIU
(E TAMBÉM TOCOU)
PARA A SÉRIE DA PBS-TV
"MARTIN SCORSESE PRESENTS THE BLUES
A MUSICAL JOURNEY" (2003)

ENJOY...










NOSSO ANIVERSARIANTE DESTA TERÇA É UMA DAS FORÇAS MOTRIZES DA CENA INDIE AMERICANA NOS ÚLTIMOS 25 ANOS


CELEBRAMOS O ANIVERSÁRIO DE 51 ANOS
DO CANTOR E GUITARRISTA DO PAVEMENT
(EM CARREIRA SOLO HÁ MAIS DE 15 ANOS
SEMPRE ACOMPANHADO PELO GRUPO THE JICKS)
RESGATANDO DUAS ÓTIMAS PERFORMANCES
GRAVADAS PARA DUAS EMISSORAS DE RÁDIO:
A KWXP FM DE SEATTLE
E A KCRW FM DE LOS ANGELES

ENJOY...







sexta-feira, maio 26, 2017

NOSSO ANIVERSARIANTE DESTE SEXTA É SIMPLESMENTE O MAIOR JAZZMAN DE TODOS OS TEMPOS NO PLANETA TERRA


CELEBRAMOS O ANIVERSÁRIO
DO MAIOR ARTISTA DE JAZZ
EM TODOS OS TEMPOS
RESGATANDO PERFORMANCES AO VIVO
DE CINCO MOMENTOS BEM DISTINTOS
DE SUA LONGA CARREIRA
GRAVADOS ENTRE 1964 E 1991

ENJOY...










quinta-feira, maio 25, 2017

NOSSO ANIVERSARIANTE DESTA QUINTA É SIMPLESMENTE O ARTISTA POP MAIS INFLUENTE DA BOA A VELHA INGLATERRA NOS ÚLTIMOS 35 ANOS


PAUL WELLER NUNCA ESCONDEU DE NINGUÉM
QUE NUNCA QUIS SER APENAS MAIS UM
NA CENA MUSICAL ANGLO-AMERICANA.

EM SEU TRABALHO À FRENTE DE GRUPOS
COMO THE JAM E STYLE COUNCIL,
E TAMBÉM AO LONGO DE SUA FÉRTIL
E MULTIFACETADA CARREIRA SOLO,
WELLER FOI O PRINCIPAL RESPONSÁVEL
PELA POPULARIZAÇÃO DE GÊNEROS
COMO O NEW-BOSSA E O BRITPOP,
MAS CURIOSAMENTE NEM SEMPRE CONSEGUIU
CONTABILIZAR ESSAS CONQUISTAS A SEU FAVOR
POR SE NEGAR A FAZER CONCESSÕES
AO MERCADÃO MUSICAL
QUE DESFIGURASSEM SEU TRABALHO.

NO ANIVERSÁRIO DE 59 ANOS
DE MR. PAUL WELLER,
TRAZEMOS TRÊS PERFORMANCES PARA VOCÊS:

A PRIMEIRA É UM POCKET SHOW DE 30 MINUTOS
PARA A RÁDIO KEXP DE SEATTLE. 

E A SEGUNDA E A TERCEIRA
SÃO PERFORMANCES AO VIVO
PARA PROGRAMAS ESPECIAIS DA BBC-TV.

ENJOY...








NOSSO ANIVERSARIANTE DESTA SEGUNDA É TIDO POR MUITOS COMO UMA VERSÃO ROQUEIRA DE NOEL COWARD


MORRISSEY COMPLETA 58 ANOS
NUM MOMENTO PECULIAR DE SUA CARREIRA.

DIZ ELE ESTAR APOSENTADO,
MAS POUCOS ACREDITAM QUE ISSO
SEJA REALMENTE PARA VALER.

ENQUANTO ELE NÃO DEFINE
O QUE SERÃO OS PRÓXIMOS ANOS
DE SUA CARREIRA,
NÓS AQUI CELEBRAMOS
REVENDO O BELÍSSIMO SHOW
QUE ELE REALIZOU NO FESTIVAL
DE VIÑA DEL MAR EM 2012.

ENJOY...









NOSSA ANIVERSARIANTE DESTA TERÇA FOI UMA DAS MAIORES DAMAS DA CANÇÃO NA AMERICA EM TODOS OS TEMPOS


NOSSA ANIVERSARIANTE DE HOJE
É A GRANDE DAMA DA CANÇÃO
QUE BRILHOU AO LADO DE
BING CROSBY E FRANK SINATRA
NOS ANOS 50 E 60

CELEBRAMOS O ANIVERSÁRIO
DE NASCIMENTO DA TIA
DE GEORGE CLOONEY
COM UM CONCERTO COMEMORATIVO
DE 50 ANOS DE CARREIRA
GRAVADO PARA A TV EM 1995

ENJOY...










quarta-feira, maio 24, 2017

NOSSO ANIVERSARIANTE DE HOJE É O ÚNICO ARTISTA DE ROCK AND ROLL A GANHAR O PRÊMIO NOBEL


NOSSO ANIVERSARIANTE DE HOJE
CHEGA INTACTO AOS 76 ANOS
DEPOIS DE SOBREVIVER A UMA
POLÊMICA MUITO DESGASTANTE
POR CONTA DA DECISÃO
DA ACADEMIA SUECA
EM DAR A ELE O PRÊMIO NOBEL
DA LITERATURA DE 2016

CELEBRAMOS O ANIVERSÁRIO
DE BOB DYLAN, OU ZIMMIE WILBURY,
TRAZENDO A ÍNTEGRA DE UM SHOW
GRAVADO EM TOKYO NO ANO PASSADO.

ENJOY...











segunda-feira, maio 22, 2017

NOSSO ANIVERSARIANTE DESTE DE DOMINGO É O GUITARRISTA MAIS FINO E VERSÁTIL DE CHICAGO NA ATUALIDADE


ALTOeCLARO CELEBRA
O ANIVERSÁRIO DE 53 ANOS
DESSE GRANDE GUITARRISTA
DE JAZZ E BLUES DE CHICAGO
RESGATANDO UMA JAM SESSION
COM SUA BANDA EM 2010
E UMA PERFORMANCE AO VIVO
NO ARMAGH BLUES FESTIVAL
NA IRLANDA DO NORTE
EM 2014.

ENJOY...











sábado, maio 20, 2017

NOSSO ANIVERSARIANTE DESTE SÁBADO É SIMPLESMENTE O MAIOR SOULMAN INGLÊS DE TODOS OS TEMPOS


CELEBRAMOS O ANIVERSÁRIO DE NASCIMENTO
DESTE CANTOR BRANCO DE ALMA NEGRA
TRAZENDO DOIS CONCERTOS MUITO ESPECIAIS
QUE MARCARAM SUA CARREIRA.

O PRIMEIRO
FOI GRAVADO EM 1980
PARA O PROGRAMA DA TV ALEMÃ
ROCKPALAST.

E O SEGUNDO
É A ÓTIMA PERFORMANCE
QUE MR. COCKER FEZ
NO ANIVERSÁRIO DE 25 ANOS
DO LENDÁRIO WOODSTOCK FESTIVAL

ENJOY...
  










NOSSO ANIVERSARIANTE DESSA SEXTA É O MAIOR CANTOR-COMPOSITOR DE ROCK QUE A BOA E VELHA INGLATERRA JÁ PRODUZIU.


NOSSO AMIGO NARIGUDO ESTÁ COMPLETANDO
NADA MENOS QUE SETENTA E DOIS ANOS
EM PLENA FORMA
E NA ESTRADA COM THE WHO.

NÓS AQUI CELEBRAMOS A DATA
RESGATANDO DOIS SHOWS
SIMPLESMENTE ESPETACULARES.

O PRIMEIRO DELES É DE PETE TOWNSHEND
SOLO NA ACADEMY OF MUSIC
NO BROOKLYN, NY, EM 1993.

E O SEGUNDO É O ANTOLÓGICO
CONCERTO DO THE WHO
NO ROYAL ALBERT HALL
COM UMA PENCA DE CONVIDADOS
EM 2000.

ENJOY...










PACOTEIRA MUSICAL DE FIM DE SEMANA: SHERYL CROW, SARAH PARTRIDGE, JULIANA HATFIELD, RUTHIE FOSTER, LINDA GAIL LEWIS

por Chico Marques


Há muitos e muitos anos, a mulherada na cena musical reclama que, mesmo após tantas crises sequenciais, o comando das gravadoras permanece nas mãos de altos executivos do sexo masculino -- e que, consequentemente, a Indústria Fonográfica continua sendo um feudo machista.

Deixam a impressão de que existe nas gravadoras uma espécie de reserva de mercado para artistas do sexo masculino, em detrimento a artistas do sexo feminino, o que obviamente está longe de ser verdade.

Basta uma contabilizada rápida no volume mensal de lançamentos musicais que a Indústria coloca no mercado para perceber que isso é uma tolice. Se por um lado os homens dominam o segmento hip-hop, por outro as mulheres dominam o segmento rhythm & blues-soul. Se por um lado os homens são maioria esmagadora nas cenas jazz e blues, por outro as mulheres dominam a cena pop. E se tem mais homens na composição das bandas rock-pop, existe um número muito superior de mulheres listadas como artistas solo nos mais diversos segmentos musicais populares.

Francamente, duvido que esse cenário mude caso uma executiva chegue ao comando de algumas das majors da Indústria Fonográfica que ainda restaram -- até porque se esses artistas estão no mercado, é unicamente porque existe interesse do público neles.

Foi-se o tempo em que a relação da Indústria Fonográfica era vertical. Hoje, ela é mais horizontal do que jamais foi em sua história. Até porque ninguém tem mais milhões disponíveis para investir maciçamente na esperança de que daqui a três ou quatro discos ele seja sucesso mundial. Os parâmetros mudaram. O negócio encolheu, e as expectativas não são mais as mesmas dos Anos 80 e 90. Tudo ficou muito mais democrático e com a noção exata de onde fica o chão. 

As cinco artistas que escolhemos para comentar hoje vem de backgrounds musicais diversos, mas possuem algo em comum: não são novatas na cena musical, sabem conviver bem com as demandas de seus públicos e gravam para selos que as mantém em seus elencos porque botam fé tanto no taco delas quanto no interesse que elas despertam em seus públicos cativos.

E não existe moeda corrente mais valiosa hoje em dia na Indústria Musical do que público cativo, portanto... vamos a elas:

SHERYL CROW
Be Myself
(Warner Bros US)

Todo mundo lembra do estilo marcante e do sucesso estrondoso que Sheryl Crow ostentou em seus primeiros dez anos de carreira em discos impecáveis como "Tuesday Night Music Club" (1993), "Sheryl Crow" (1995), "The Global Sessions" (1998) e C'mon C'mon (2002). Nos últimos 15 anos, no entanto, ela sentiu o interesse do público rock-pop diminuindo, e mudou de mala e cuia para a cena country, onde imaginou que iria conseguir expandir seu público. Não foi bem isso o que aconteceu. E agora, ela retoma sua levada musical original ao lado de velhos colaboradores como Jeff Trott e Tchad Blake. Com isso, consegue resgatar muito daquele frescor musical descompromissado que a fazia soar tão genuína e tão atraente. Claro que, aos 55 anos de idade, depois de lutar um bom tempo contra um cancer de mama, Sheryl não é mais a mesma carefree girl de 15 anos atrás. Mas o importante é que sua essência permanece intacta, e ela parece feliz e satisfeita, e isso transparece nas 11 faixas de "Be Myself". Quer melhor indicação do que essa?


SARAH PARTRIDGE
Bright Lights & Promises: Redefining Janis Ian
(Origin Records US)

Várias cantoras de jazz tem buscado nos repertórios de compositoras pop como Joni Mitchell, Laura Nyro e Carole King um reforço considerável para seus repertórios, e algumas dessas canções começaram a ser gravadas por tantos artistas nesses últimos anos que estão prestes a se tornar novos standards do jazz. Pois curiosamente, ninguém até agora havia percebido que o folk-pop confessional da cantora-compositora Janis Ian poderia servir muito bem a este mesmo propósito. Sarah Partridge foi a primeira a vislumbrar isso, daí chamou o pianista e arranjador Allen Farnham para ajudá-la a achar o tom jazzístico adequado para algumas canções de Janis Ian que escolheu. Daí, nasceu esse belíssimo Bright Lights & Promises: Redefining Janis Ian, ponto mais alto até agora da carreira dessa cantora-compositora de 55 anos de idade que, mesmo com quase 10 discos gravados, ainda não recebeu o merecido reconhecimento na cena musical. Pior: muitos preferem lembrar que ela foi atriz de cinema e TV entre 1983 e 1993, e, como nunca conseguiu emplacar um papel marcante, acabou desistindo da carreira e dedicando-se à música. Muita sacanagem. Até porque Sarah Partridge está muito acima dessas biografias redux que fazem dela. Sarah é, isso sim, uma das intérpretes de jazz mais inteligentes e talentosas da atualidade. Deixar passar esse seu novo e surpreendente trabalho será, no mínimo, um desperdício.

  
JULIANA HATFIELD
Pussycat
(American Laundromat US)

É comum vermos artistas de rock tarimbados quebrarem a cara ao gravar discos focados em temas políticos que se revelam bem sucedidos como manifestos, mas desastres artísticos irremediáveis. "Sometime In New York City" de John Lennon & Yoko Ono, "Sandinista" do Clash e "Living With War" de Neil Young são exemplos perfeitos disso. Daí a surpresa ao ver como a veterana Juliana Hatfield conseguiu fazer um disco ótimo focado da primeira à última faixa no asco terrível que ela sente por Donald Trump. As 14 faixas de "Pussycat" são uma porrada atrás da outra, cada uma delas mirando (e demolindo) um aspecto diferente da "personalidade" de Trump. A faixa de abertura já é uma carta de intenções perigosíssima, intitulada "I Want To be Your Disease", e segue intensamente em números com nomes sugestivos como "Kellyanne", "Heartless", "Rhinoceros" e a divertidíssima "Short Fingered Man", onde zomba do já folclórico pinto pequeno do presidente. Detalhe: todas as canções ostentam molduras power-pop bem simpáticas em termos de harmonia musical, para que o bode dela por Trump explicitado nas letras atinja o maior público possível. É um disco urgente. E de urgência Juliana Hatfield entende bem. Figuraça!


   
RUTHIE FOSTER
Joy Comes Back
(Blue Corn USA)

Engraçado como muitos discos nascem de momentos difíceis na vida de um artista. Ruthie Foster passou boa parte do ano passado brigando com seu ex-marido pela custódia integral de sua filha de 5 anos de idade. Como está sempre em tournée, com pouco tempo para se dedicar a uma vida familiar, teve que aceitar a contragosto guarda compartilhada. Inconformada, tirou uma folga em sua agenda de shows e voltou para sua Austin, Texas onde voltou a frequentar a Igreja da qual estava afastada e procurou músicos amigos de longa data para gravar algumas canções que ela tinha acabado de compor. Mas trombou pelo caminho com o produtor e velho amigo Daniel Barrett, que se dispôs a produzi-la e a convenceu a reunir material para um disco inteiro. Que é esse "Joy Comes Back", certamente o trabalho mais gospel, mais manso e mais circunspecto de Ruthie até agora. As canções são lindas, as participações especialissimas do guitarrista Derek Trucks -- fã confesso de Ruthie -- beiram o sublime e... bem, o resto você vai ter que ouvir para entender a mágica que aconteceu aqui.


LINDA GAIL LEWIS
Heartbreak Highway
(Ball & Chain Records UK)

Que Linda Gail Lewis é da pá virada, assim como seu irmão mais velho Jerry Lee Lewis, disso todo mundo já desconfiava. Basta dizer que essa senhora quase septuagenária se casou pela primeira vez aos 14 anos de idade, pediu divórcio seis meses depois, e casou pela segunda vez aos 15 anos -- e desde então já se casou outras oito vezes, uma delas com Kenny Lovelace, guitarrista da banda de seu irmão. Sam Phillips tentou lançá-la no início dos Anos 60, mas não deu certo. Jerry Lee gravou um disco com ela e conseguiu que ela gravasse um disco solo em 1969, mas não emplacou, daí, nos 21 anos seguintes, ela se limitou a fazer parte do coro da banda de seu irmão, sempre com direito a cantar um ou dois números solo. Só gravou seu segundo disco em 1990, e ele emplacou na Europa, onde aqueles dois discos de 1969 eram cultuados. Fez uma tournée de sucesso, gravou um belo disco ao lado de Van Morrison, e finalmente engatou uma carreira mais ou menos sólida desde então. Nesse ótimo "Heartbreak Highway", Linda Gail Lewis alterna sua paixão pela herança musical de Patsy Cline com o rockabilly selvagem do irmão, com resultados brilhantes. Detalhe: "Heartbreak Highway" saiu em LP e CD só no mercado europeu; nos EUA foi lançado diretamente nas lojas virtuais.




CHICO MARQUES
é comentarista,
produtor musical
e radialista
há mais de 30 anos,
e edita a revista cultural
LEVA UM CASAQUINHO
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ALTO & CLARO