quarta-feira, abril 26, 2017

PACOTEIRA MUSICAL DE FIM DE SEMANA: GRANT-LEE PHILLIPS, PETE YORN, BOB MOULD, DWIGHT YOAKAM & THE FABULOUS THUNDERBIRDS

por Chico Marques


Dando a largada na nova fase de ALTO&CLARO, que pede desculpas a seus leitores por ter andado meio adormecido nesses últimos meses -- mas agora está de volta, repaginado e revigorado, com postagens às segundas, quartas e sextas.

Às segundas, comentaremos sempre novos relançamentos, antologias, discos tributo e(ou) boxed-sets.

Às quartas, teremos sempre um lançamento importante que esteja chegando -- ou que tenha acabado de chegar -- às lojas de discos, comentado em todos os seus detalhes.

E às sextas traremos nossa Pacoteira Musical de Fim de Semana, que estreia hoje, sempre com 5 novos cds comentados de forma uma pouco mais concisa e ligeira.

Nessa primeira Pacoteira, reunimos 5 trabalhos lançados no final do ano passado que não haviam sido comentados ainda por aqui, e que -- apesar de nossa lerdeza indesculpável -- não merecem de forma alguma passar em branco.

Sejam bem-vindos.

GRANT-LEE PHILLIPS
The Narrows
(Yep Roc US)

O Grant-Lee Buffalo foi uma das bandas mais importantes e influentes do início dos Anos 90. Sob o comando do talentosíssimo Grant-Lee Phillips, a banda emplacou na cena alternativa emergente da época e em menos de 3 anos alcançou as paradas mainstream. Poderia ter ido muito mais além, mas optou por encerrar as atividades no auge. Daí para a frente, Mr. Phillips embarcou numa carreira solo perfil baixo, trabalhando molduras musicais predominante acústicas para suas belas canções. Agora, 21 anos depois de sua estreia solo, ele decide deixar sua California natal e seguir para Nashville, que há muito deixou de ser a Mecca da country music para se transformar um dos redutos musicais mais ecléticos da América. Para surpresa geral, ele ressurge à frente de um quinteto poderoso, totalmente reciclado e repaginado em termos artísticos, nesse “The Narrows”, certamente seu disco solo mais intenso e relevante até agora, que abre perspectivas muito interessantes para sua carreira daqui nos próximos anos. Acreditem: não existe nada mais satisfatório para um comentarista musical (como eu) do que ver e ouvir um grande artista como Grant-Lee Phillips se reinventando e, de quebra, reencontrando sua essência. Um lindo disco.

PETE YORN
Arranging Time
(Capitol US)

A crítica andou torcendo o nariz para o sétimo disco deste simpático e talentoso cantor, compositor e guitarrista de 42 anos, que há sete anos não lançava disco algum. Talvez esperassem que ele fosse voltar à cena com um daqueles discos “divisores de águas”, e se decepcionaram ao vê-lo novamente ao lado do produtor R. Walt Vincent num projeto muito semelhante aos que ele gravava 15 anos atrás. “Arranging Time”, sua estreia na Capitol, é um disco nostálgico e low profile, repleto de ótimas canções que são pequenas obras-primas pop, mas que talvez não sejam suficientemente eloquentes para pegar seus fãs mais ardorosos pelo cangote. Eu, pessoalmente, gostei bastante de “Arranging Time”, acho ótimo Mr. Yorn estar de volta em tão boa forma depois desse sumiço prolongado e não compactuo com a ranhetice dos que malharam o disco. Mais do que isso: acho “Arranging Time” perfeito para apresentar a obra de Pete Yorn aos que ainda não a conhecem.

BOB MOULD
Patch The Sky
(Merge US)

Poucos guitarristas foram mais influentes para os jovens músicos surgidos nos Anos 80 e 90 do que Bob Mould. Suas guitarradas secas, barulhentas e com tonalidades saturadas marcaram a ferro e fogo as consciências dos fãs de suas lendárias bandas Husker Du e Sugar. Desde quando deu o pontapé inicial em sua carreira solo 21 anos atrás, Mr. Mould vem alternando discos eloquentes com outros nem tanto. “Patch The Sky”, seu último trabalho, não se situa em nenhum desses dois extremos. Por mais que suas novas canções sejam todas ótimas, ele peca por adotar arranjos e produção amadores demais, muito aquém da qualidade de seu repertório. Mesmo assim, “Patch The Sky” está longe de ser um fiasco artístico, e não deve desagradar seus admiradores. Só vai irritar um pouco aos que, assim como eu, não entendem essa mania de ser lo-fi sem necessidade aparente.

DWIGHT YOAKAM
Swimmin’ Pools Movie Stars
(Sugar Hill US)

Quando surgiu nos anos 80 ao lado de artistas como Lyle Lovett e K D Lang, Dwight Yoakam resgatou o espírito rebelde de Hank Williams e o situou no universo roqueiro, alternando uma postura revisionista com uma atitude modernoso impecável, que ajudou a forjar o termo Americana e a situar a country music dentro do universo musical pop pós-moderno. Natural de Bakersfield, California, Mr. Yoakam emplacou internacionalmente já em seus 3 primeiros LPs, em composições fantásticas como “Guitars, Cadillacs, etc” e “A Thousand Miles From Nowhere. Agora, 30 anos mais tarde e para surpresa geral, ele dá um giro de 180 graus em sua trajetória musical e apresenta nesse ótimo “Swimmin’ Pools Movie Stars” deliciosas releituras bluegrass para seu repertório mais clássico. O resultado da empreitada é surpreendente. Primeiro, por aproximá-lo ainda mais de seus heróis musicais Hank Williams e Bob Willis. E, em segundo lugar, por mostrar aos fãs mais tradicionalistas do gênero que, depois de 30 anos de excelentes serviços prestados à country music, Mr. Yoakam merece figurar entre os grandes ícones do gênero em todos os tempos. Detalhe: sua releitura bluegrass para "Purple Rain" é certamente a mais original de todas as homenagens feitas a este grande artista pop que nos deixou no ano passado.

FABULOUS THUNDERBIRDS
Strong Like That
(Severn US)

Não se iludam, The Fabulous Thunderbirds não existe mais como banda há muitos anos. Composta por músicos contratados, permanece ativo porque interessa a Kim Wilson: cantor e gaitista extraordinário e frontman dos T-Birds desde o início dos Anos 70. Quando grava um disco de blues, ele assina Kim Wilson. Já quando grava um disco mais híbrido em termos musicais, ele assina The Fabulous Thunderbirds. Em “Strong Like That”, Mr. Wilson alterna uns poucos originais assinados por ele com clássicos da Motown e da Stax, e atinge resultados que, se por um lado não chegam a ser superlativos, também não comprometem em nada sua reputação. Eu, pessoalmente, fiquei chapado com as releituras sensacionais que ele fez para “I’ve Never Found A Girl (To Love Me Like You Do)” de Eddie Floyd e “Drowning On Dry Land” de Al Jackson. Já se você for mais purista e estiver procurando pela sonoridade dos velhos discos da banda com Jimmie Vaughan -- e não for muito chegado em soul music -- prepare-se para uma possível decepção. Ou não.




CHICO MARQUES
é comentarista,
produtor musical
e radialista
há mais de 30 anos,
e edita a revista cultural
LEVA UM CASAQUINHO
e o blog musical
ALTO & CLARO 



DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE "FILLMORE: LAST 3 NITES", UMA CAIXA COM 4 CDS DELICIOSA E FUNDAMENTAL

por Chico Marques


No início do Século 20, mais precisamente a partir de 1912, o Fillmore foi inaugurado com o nome Majestic Hall na esquina das ruas Fillmore e Geary, em San Francisco, California.

Era um dos salões de dança mais frequentados da cidade, com bailes acontecendo praticamente todas as noites.

No segundo e no terceiro andares do edifício funcionava a Majestic Academy of Dancing, muito requisitada pelos dançarinos menos habilidosos que queriam poder frequentar o salão de danças do 1° andar sem fazer papelão.

Lembrem-se que, na primeira metade do Século XX, uma pessoa que não soubesse dançar estava condenada a ser um pária social, e ainda corria o risco de até não conseguir arrumar um parceiro (ou uma parceira) e jamais se casar.


Dos Anos 30 até os Anos 50, o Fillmore mudou de dono, de nome e de vocação diversas vezes.

Foi chamado Society e, Ambassador Dance Hall nos Anos 30.

Nos Anos 40, virou pista de patinação.

Mas a partir de 1952, quando o bairro ao redor se transformou no Harlem de San Francisco, alguns empresários se uniram e transformaram o Fillmore numa casa de shows para receber confortavelmente os artistas de blues e rhythm & blues de passagem pela cidade.

Gente como James Brown, 'Blue' Bobby Bland e Ike & Tina Turner fizeram grandes performances na casa, que, além do público afroamericano de praxe, atraiu os boêmios e e turma da beat generation, transformando a cidade pouco a pouco na "Comunidade Boemia #1 da América".


E então, nos Anos 60, San Francisco se transformou na Mecca da Contracultura, virando o refúgio da turma da beat generation e o berço do movimento hippie e também do movimento yippie.

E o Fillmore, claro, seguiu em frente se adequando a todas essas mudanças.


É quando entre em cena o promotor de eventos Bill Graham, um judeu berlinense naturalizado americano com um tino comercial aguçado e um talento inegável para criar ambientes culturais diferenciados.

O que tornava Graham tão diferrente dos outros empreendedores do meio é que para ele as energias criativas que faziam seus projetos funcionar eram sempre sua prioridade número um.

A grana decorrente de seus acertos era apenas consequência de um trabalho extremamente humano e bem realizado.


Ao fundar o Fillmore Auditorium, Bill reformou o velho prédio por completo e montou um dream team de colaboradores que aos poucos se transformou numa família, tamanho o alto astral do local.

Resultado: virou o cidadão de San Francisco que melhor representava para o resto do país a força emergente da cidade nos meios artísticos e comportamentais.


O Fillmore Auditorium abriu as portas no dia 10 de dezembro de 1965, com shows de novas bandas como Jefferson Airplane, Great Society (que tinha como cantora Grace Slick) e The Warlocks (que mais adiante mudaria seu nome para The Grateful Dead), deu início ao show.

Recebeu em seu palco artistas das mais diversas vertentes, que eram recebidos calorosamente pelos frequentadores habituais da casa.

Heróis locais como Santana, Quicksilver Messenger Service, Big Brother and the Holding Company, Moby Grape e Butterfield Blues Band eram tão bem recebidos na casa quanto artistas de fora de San Francisco.

E olha que o Fillmore recebeu forasteiros do naipe de Jimi Hendrix, Otis Redding, Cream, Howlin' Wolf, Captain Beefheart, Muddy Waters e até The Who...


Em 04 de julho de 1968, logo após a explosão do Summer Of Love, Bill Graham concluiu que o velho Fillmore havia ficado pequeno demais para acomodar o público que seus shows atraíam.

Daí, decidiu reabrir o Fillmore num local maior e melhor localizado, The Caroussel Ballroom, que passou a se chamar Fillmore West.

Sim, porque, paralelo a essa expansão negocial, Graham decidiu abrir também uma casa no mesmo formato na Costa Leste, em Nova York, que ganhou o nome Fillmore East.


Entre 1968 e 1971, o Fillmore East foi a casa de shows mais emblemática de Nova York, e seu astral era tão alto que passou a ser comum qualquer artista ou banda tocar lá e imediatamente querer lançar um disco ao vivo com a gravação do show, tamanha a qualidade das performances que rolavam por lá.

Na semana em que fechou as portas em definitivo, passaram pelo palco da casa nada menos toda a nata da música anglo-americana -- o bluesman Albert King, o folkie psicodélico Country Joe McDonald, o multinstrumentista Edgar Winter, o power trio Mountain e as eletrizantes e americaníssimas Allman Brothers Band e J Geils Band.

Pois os registros desses shows históricos -- levados ao ar ao vivo na época pela WNFW-FM --permaneciam inéditos em disco até há pouco, e agora finalmente vem à tona numa caixinha espectacular com 4 cds intitulada "Fillmore - Last 3 Nites"


Desnecessário dizer que todas as performances contidas nessa caixa honram a tradição do Fillmore East de favorecer performances inesquecíveis para quaisquer bandas ou artistas que subissem em seu palco.

Desnecessário dizer também que, apesar da gravação não ser lá uma maravilha em termos técnicos -- lembrem-se que estamos falando de gravações ao vivo realizadas 45 anos atrás --, dá para sentir claramente que a banda que está no palco está se divertindo tanto quanto, ou ainda mais de quem está na platéia.

Desnecessário dizer ainda que basta fechar os olhos ao ouvir "Fillmore - Last 3 Nites" para conseguir se imaginar naquele lugar mítico na Second Avenue em Nova York naquelas 3 noites históricas.

Encerrando: a caixa de 4 cds "Fillmore - Last 3 Nites" é fundamental.

Tente viver sem ela em sua discoteca se for capaz.



Confiram um pouco do belo legado
que Bill Graham deixou
para a música popular anglo-americana
no documentário FILLMORE,
lançado nos cinemas em 1973
e disponível na íntegra logo abaixo.











CHICO MARQUES
é comentarista,
produtor musical
e radialista
há mais de 30 anos,
e edita a revista cultural
LEVA UM CASAQUINHO
e o blog musical
ALTO & CLARO