sábado, setembro 24, 2011

PRIMAVERA, TEMPO DE GUITARRAS (por Chico Marques)



Como vocês devem ter percebido, ALTOeCLARO tirou um mês de férias nesse finalzinho de Inverno.

O motivo foi estratégico: ganhar fôlego para conseguir encarar o grande volume de lançamentos musicais que chegam às lojas sempre nos meses de Setembro, Outubro e Novembro.

No Hemisfério Norte, este é, tradicionalmente, o período em que artistas bem estabelecidos, tanto da cena independente quanto da cena mainstream -- gente que não depende de tournées de Verão -- lançam seus discos.

Já por aqui, é quando aqueles discos com cara de presente de Natal começam a chegar às lojas.

De qualquer maneira, é a Estação das Guitarras.

É estranho, mas é comum guitarristas lançarem seus discos ou em Março e Abril, ou em Setembro e Outubro.

Acreditem, existe uma lógica de mercado por trás disso.

Discos lançados no Verão ou no Inverno quase sempre são produtos exageradamente sazonais, com vida curta nas prateleiras das lojas.

Já discos lançados nas meias estações perduram, e permanecem novos e atuais o ano inteiro.

E isso vale para qualquer gênero musical -- exceto canções de Natal.

Os cinco discos dessa semana em ALTOeCLARO são de guitarristas nada conservadores em termos musicais, que trabalham duro, correm riscos, e que estão de volta com trabalhos bem marcantes.

Temos o novo LP de um setentão que é um grande mestre do apogeu da soul music: Steve Cropper.

Temos também novidades sempre benvindas de dois sessentões geniais que continuam esbajando criatividade depois de mais de 4 décadas de carreira: Ry Cooder e Richard Thompson.

E temos ainda dois jovens cinquentões bem aventurescos esbanjando maturidade musical: Dave Stewart e Thurston Moore.

Vamos a eles:















STEVE CROPPER

DEDICATED: A SALUTE TO THE 5 ROYALES

(Yolabelle Records)

Steve Cropper tem sido um guitarrista muito ocupado nesses últimos 50 anos. Tanto que não teve tempo sequer de investir numa carreira solo que, certamente, teria dado muito certo. Não era a de Steve, que preferiu fazer parte de grupos clássicos de soul music como The Mar-Keys e Booker T & The MG´s e trabalhar em horário comercial nos Estúdios Stax, em Memphis, produzindo, arranjando e compondo para feras como Otis Redding, Wilson Pickett e Sam & Dave. De certa forma, o sucesso de todas essas empreitadas artísticas de todos esses craques foi o seu sucesso também. Mas então, de uns anos para cá, Steve Cropper finalmente começou a ter algum tempo sobrando. E a primeira coisa que fez foi montar uma banda em dobradinha com seu velho amigo -- e eterno comandante do grupo The Rascals -- Felix Cavaliere no piano e nos vocais. Pois agora resolveu gravar, juntamente com o produtor Joe Tiven, uma homenagem ao guitarrista Lowman Pauling, seu grande mentor musical, do grupo de doo-wop e proto-soul music The 5 Royales. E essa brincadeira deu nesse “Dedicated”, onde Cropper solta sua guitarra suingadíssima em solos melodiosos que nunca pecam pelo excesso, enquanto contracena com convidados especialíssimos como Steve Winwood, Brian May, B B King, Lucinda Williams, John Popper, Bettye Lavette, Sharon Jones, Delbert McClinton e vários outros que praticamente se convidaram para participar deste projeto. O resultado é um passeio revisto e atualizado pelo repertório que Lowman Pauling e os 5 Royales legaram aos hit parades mundiais nos anos 50 e 60. É um disco admirável, coisa de gente grande. Claro que Steve Cropper ainda está nos devendo um disco com a grandeza dos trabalhos recentes de seu velho parceiro Booker T. Jones. Mas enquanto não consegue peitar uma aventura musical dessa dimensão, aperitivos como esse “Dedicated” serão sempre bem vindos.

















RY COODER

PULL UP SOME DUST AND SIT DOWN

(Nonesuch Records)

Ao longo de mais de 40 anos de carreira, o cantor e guitarrista californiano Ry Cooder tem sido uma espécie de Indiana Jones do revisionismo musical, investigando incansavelmente as mais diversas manifestações musicais americanas com uma atitude aparentemente acadêmica, mas, na verdade, profundamente arrojada e aventuresca. De uns anos para cá, no entanto, Cooder -- que também é craque na produção de trilhas sonoras para cinema == decidiu reduzir sua produção e reinventar o formato de seus discos conceituais, inserindo neles elementos literários e, de certa forma, se reinventando como compositor. Foi assim com o vibrante “Mambo Sinuendo”, com o magnífico “Chavez Ravine”, e com os inusitados “My Name Is Buddy” e “I, Flathead” -- todos brilhantes, cada um à sua maneira. Pois bem, “Pull Up Some Dust And Sit Down”, seu novíssimo trabalho, segue na contramão disso tudo, e se apresenta como uma espécie de disco de protesto para os dias de hoje. Cooder, que já rendeu homenagens ao menestrel Woody Guthrie no passado, tenta aqui imaginá-lo vivo e compondo canções políticas sobre temas atuais, explorando uma musicalidade que escila entre o blues, o tex-mex, o hillbilly e o rock rasgado. À primeira audição, “Pull Up Some Dust And Sit Down” soa um pouco estranho. Leva algum tempo até o ouvinte encontrar o foco do disco. Mas, já na segunda audição, fica claro que Ry Cooder apostou alto e acertou grande. Difícil definir musicalmente esse disco.Aliás, quase impossível. Mais difícil ainda é não se impressionar com sua ousadia e seu brilhantismo.



















DAVE STEWART

THE BLACKBIRD DIARIES(Surfdog Records)
Desde o fim dos Eurythmics, o guitarrista inglês Dave Stewart vem trabalhando como produtor em diversos projetos bem sucedidos de artistas amigosterceiros. Mas nunca se esforçou para emplacar uma carreira solo para valer, apesar de já ter cinco discos em seu nome. Ouvindo esse recente “The Blackbird Diaries”, fica a impressão de que se dessa vez ele se empenhar, sua carreira solo finalmente decola. É que “The Blackbird Diaries” é tão denso, e tão acessível às rádios e ao público de rock and roll, que vai ser um desperdício ver um disco desse calibre fazer uma carreira tímida e terminar esquecido -- ou obscurecido pelo projeto caça-níqueis que vem desenvolvendo com Mick Jagger e Joss Stone. Gravado praticamente ao vivo nos Estúdios Blackbird, em Nashville, com uma atitude musical que oscila entre o dylanesco e rollingstoniano, este é um projeto inusitado e ao mesmo tempo adequadíssimo ao pop mainstream. As composições são grudentas, os arranjos inteligentes, o encadeamento das canções é envolvente, e até a voz de Stewart está melhor colocada do que em seus discos anteriores. Existe no trabalho de Dave Stewart uma sabedoria pop que falta à maioria dos artistas atuais. “The Blackbird Diaries” é um disco que merecia uma tournée promocional. Até porque é um dos melhores de rock lançados este ano. Por via das dúvidas, procure “The Blackbird Diaries” por aí, antes que desapareça sem deixar rastros.



















THURSTON MOORE
DEMOLISHED THOUGHTS
(Matador Records)
Se Thurston Moore é um cara estranho, seu público consegue ser mais estranho ainda. Não faz o menor sentido que seus discos à frente do Sonic Youth – muitos deles ensurdecedores – consigam ter apelo popular e atingir vendáveis bastante consideráveis, enquanto seu delicado trabalho solo, que lembra um pouco os discos clássicos de Tim Buckley e Donovan Leicht, seja solenemente ignorado pelo público há mais de 20 anos. Mas parece que esse estado de coisas está com os dias contados. Thurston Moore uniu forças ao genial Beck Hansen nesse “Demolished Thoughts”, que acentuou o lado folk psicodélico de seu trabalho, com resultados surpreendentes. A proposta de Beck é arrojada, mas, ao mesmo tempo, simples: fazer com que o trabalho solo de Thurston Moore soe como uma espécie de Sonic Youth acústico e mais melodioso. Em tese, tinha tudo para dar errado. Mas, na prática, funcionou muito bem. É tão bom que, apesar de ser o décimo-sexto disco solo de Thurston Moore, tem o frescor de um disco de estréia. E isso não é pouca coisa para um artista veterano experimentado como ele. Experimentem vocês também.



















RICHARD THOMPSON

LIVE AT THE BBC

(Hannibal Records)

Desde que completou 40 anos de carreira e reduziu sua produção de discos para se dedicar prioritariamente a compor trilhas sonoras para filmes -- de Werner Herzog, principalmente --, o grande cantor, guitarrista e compositor inglês Richard Thompson tem sido alvo de diversas antologias cobrindo tanto seu trabalho à frente do Fairport Convention nos anos 60 e 70 quanto nos tempos em que dividiu o palco com sua ex-mulher, a cantora Linda Thompson, para não falar de sua extensa discografia solo. Claro que essa antologia aqui, que reúne em 3 CDs e 1 DVD praticamente todas as suas performances para as rádios e emissoras de TV da BBC, desperta um interesse ainda mais especial. Primeiro porque boa parte das performances elétricas ao lado de Linda Thompson incluídas aqui só existiam antes como bootlegs. Segundo porque as performances acústicas que ocupam os discos 2 e 3 desta caixa eram rigorosamente inéditas até agora, e são surpreendentes. Richard Thompson é artista que dispensa apresentações em qualquer canto do mundo -- menos aqui no Brasil, onde nunca teve um disco sequer lançado. Dono de uma musicalidade intensa e de uma técnica na guitarra absolutamente única, ele nunca deixou de ser um “cult artist”, até porque nunca abriu mão de sua independência artística para se adequar aos requisitos do mercado. Graças a essa teimosia, produziu alguns dos discos mais festejados pela crítica nos últimos 40 anos, como “I Want To See The Bright Lights Tonight” e “Shoot Out The Lights” – ambos figurinhas fáceis em qualquer antologia de melhores discos desse período. “Live At The BBC” talvez seja uma coleção de canções extensa demais para servir como introdução ao trabalho desse grande artista. Mas, com certeza, vai ser um deleite para quem já está familiarizado com a obra de Richard Thompson. Taí um artista absolutamente inusitado e original.


DISCOGRAFIAS

LPs STEVE CROPPER
With A Little Help From My Friends (1971)
Playin´ My Thang (1980)
Night After Night (1982)
Jammed Together (1988)
Dedicated: A Salute To The 5 Royales (2011)
LPs RY COODER
Ry Cooder (1970)
Into The Purple Valley (1971)
Boomer´s Story (1972)
Paradise And Lunch (1974)
Chicken Skin Music (1976)
Show Time (1976)
Jazz (1978)
Borderline (1980)
The Long Riders (OST 1980)
Ry Cooder Live (1982)
The Slide Area (1982)
Streets Of Fire (OST 1984)
Alamo Bay (OST 1985)
Blue City (OST 1986)
Crossroads (OST 1986)ng
Get Rhythm (1987)
Johnny Handsome (OST 1987)
Paris, Texas (OST 1989)
Trespass (OST 1992)
A Meeting By The River (1993)
Geronimo, An American Legend (OST 1994)
Last Man Standing (OST 1996)
End Of Violence (OST 1997)
Primary Colors (OST 1998)
Mambo Sinuendo (2003)
Chavez Ravine (2005)
My Name Is Buddy (2007)
I, Flathead (2008)
Pull Up Some Dust And Sit Down (2011)
LPs DAVE STEWART
Lily Was Here (1989)
Dave Stewart & Spiritual Cowboys (1990)
Honest (1991)
Jute City (1991)
The Ref (1994)
Greetings From The Gutter (1995)
Cookie´s Fortune (OST 1998)
Alfie (OST 2004)
Blackbird Diaries (2011)
LPs THURSTON MOORE
Barefoot In The Head (1990)
Klangfarbenmelodie (1995)
Psychic Hearts (1995)
Just Leave Me (1996)
Piece For Jetsun Dolma (1996)
Lost To The City (1997)
MMMR (1998)
Root (1999)
Promise (1999)
Three Incredible Ideas (2001)
Kapoite Muziek (2004)
From The Earth To The Spheres (2004)
Trees Outside The Academy (2007)
Shoot That Thang (2006)
Suicide Notes For Acoustic Guitar (2010)
VDSQ Solo Acoustic Vol. 5 (2010)
Demolished Thoughts (2011)
LPs RICHARD THOMPSON
Henry The Human Fly (1972)
I Want To See The Bright Lights Tonight (1974)
Hokey Pokey (1975)
Por Down Like Silver (1975)
Live (More Or Less) (1975)
First Light (1978)
Sunnyvista (1979)
Strict Tempo (1981)
Shoot Out The Lights (1982)
Hand Of Kindness (1983)
Small Town Romance (1984)
Across A Crowded Room (1985)
Daring Adventures (1986)
Amnesia (1988)
Rumor & Sigh (1991)
Sweet Taker (OST 1992)
Mirror Blue (1994)
Live At Crawley (1995)
Two Letter Words (1996)
You Me Us (1996)
Industry (1997)
Mock Tudor (1999)
Semi-Detached Mock Tudor (2002)
A Thousand Years Of Popular Music (2003)
More Guitar (2003)
The Old Kit Bag (2003)
Live From Austin, Texas (2005)
Front Parlour Ballads (2005)
Grizzly Man (OST 2005)
Some Enchanated Evening (2006)
Sweet Warrior (2007)
Dream Attic (2010)
Live At BBC (2011)


PORTA-RETRATOS

“Vivo fugindo de produtores amigos que me convidam para gravar discos solo, pois gosto mesmo é de fazer parte de bandas -- mas, dessa vez, a proposta foi irresistível, até porque Lowman Pauling é meu grande herói musical e homenageá-lo foi um grande prazer” (Steve Cropper)
“Os dias de hoje pedem por canções de protesto mais atuais e eficazes, e foi isso que tentamos fazer nesse novo disco. Por mais bonitas que sejam as canções de protesto clássicas, não dá mais para sair cantando por aí coisas como Where Have All The Flowers Gone, pois não faz mais sentido” (Ry Cooder)
“Minhas canções tem sempre um toque melancólico. Mesmo quando estou compondo com algum artista habituado a compor canções mais eloqüentes, eu sempre entro com um toque levemente melancólico. Não deveria ser, mas acabou virando minha assinatura musical” (Dave Stewart)
“Foi ótimo trabalhar com Beck Hansen nesse disco. Acabou saindo um disco totalmente diferente de todos os outros que fiz até agora.” (Thurston Moore)
“Não me sinto roubado com essa coisa de troca de arquivos pela web. Nunca fui um artista rico, e nunca tive uma situação cômoda na Indústria Fonográfica, pois meus discos nunca explodiram em vendas. Sempre trabalhei sem parar, tanto em estúdio quanto em tournées, e nunca fiquei sentado esperando que as coisas acontecessem ou reclamando caso elas não acontecessem.” (Richard Thompson)
“O maior sucesso de Booker T & The MGs, Green Onions, surgiu meio acidentalmente numa tarde de domingo de 1962, quando um cantor da Stax que iria gravar com a gente não apareceu no estúdio. Começamos a tocar para passar o tempo e, na brincadeira, ela veio naturalmente. Todos nós tínhamos uma sintonia muito fina” (Steve Cropper)
“Os tais riffs de guitarra de Honky Tonk Women, que dizem que Keith Richards roubou de mim, eu posso afirmar que roubei de John Lee Hooker. Essa intriga toda que a imprensa fomenta até hoje é uma grande bobagem. Qualquer mal estar que tenha existido entre nós ficou quarenta anos lá atrás” (Ry Cooder)
“Existem softwares por aí que misturam elementos de 25 mil músicas e afirmam que conseguem compor canções talhadas para ser sucessos. Eu até acredito que consigam fazer isso. Mas nada substitui a alma do resultado prático do encontro entre dois compositores, um sentado ao piano e outro com uma guitarra na mão.” (Dave Stewart)
“De todos os meus discos solo, esse novo é o único que tem algo a ver com o meu trabalho com o Sonic Youth. Sempre fiz questão de separar totalmente uma coisa da outra. Mas Beck quis fazer a ponte, e eu decidi experimentar. Gostei do resultado” (Thurston Moore)
“Eu virei cantor por força das circunstâncias, e não por opção. Alguém precisava gravar as canções que eu escrevia, e, na falta de alguém mais aparelhado para fazer isso, fui eu mesmo.” (Richard Thompson)

AMOSTRAS GRÁTIS
STEVE CROPPER




AMOSTRAS GRÁTIS

RY COODER




AMOSTRAS GRÁTIS
DAVE STEWART




AMOSTRAS GRÁTIS

THURSTON MOORE




AMOSTRAS GRÁTIS

RICHARD THOMPSON



sexta-feira, agosto 19, 2011

BLUES, SOMENTE O BLUES, NADA MAIS QUE O BLUES (por Chico Marques)


Durante mais de 50 anos, a partir da Segunda Guerra Mundial, nove em cada dez artistas de blues viveram totalmente à margem do mercado musical -- muitos deles em situações lastimáveis de saúde física e mental.

Esses menestréis mambembes sobreviviam, muitas vezes, da generosidade e do carinho de alguns de seus admiradores.

Ganhavam muito pouco com suas atividades artísticas e sobreviviam sem perspectivas e apenas com a lembrança de tempos gloriosos que ficaram perdidos num passado bem remoto.

Acreditem, nunca foi fácil ser um artista de blues.

Por conta disso, os Rolling Stones cultivam um hábito muito interessante sempre que estão em tournée pela Europa.

Basta chegarem a alguma cidade grande e tomarem conhecimento de algum músico clássico de blues que esteja tocando por lá, que eles imediatamente o convidam para fazer uma participação especial no show da banda e o transferem do hotelzinho barato onde está hospedado para o Hotel Cinco Estrelas que está abrigando toda a entourage da banda -- com direito a champagne, belas acompanhantes, etc.

Ouvi numa conversa de mesa de bar com o blesman texano Steve James aqui em Santos, SP, alguns anos atrás, que existia em sua cidade, Austin, um médico muito rico que era fanático por blues, mas que, por razões sociais, não podia frequentar o Antone's, famosa casa de shows que trazia todos os grandes artistas de blues e rhythm & blues desde a década de 1970, e que era propriedade de seu amigo Clifford Antone-- que hoje cumpre pena por contrabando numa prisão estadual do Texas.

Pois esse médico tinha um acordo com Clifford Antone. Sempre que ele contratasse qualquer bluesman veterano, ele exigiria que o bluesman veterano em questão permanecesse na cidade uma semana depois das apresentações internado em sua clínica para um check-up completo totalmente gratuito, com direito a uma eventual desintoxicação e muitos bons tratos, só para variar...

Com essa atitude humanitária, esse médico de Austin, Texas, deve ter feito muito mais pela sobrevivência do blues do que muitos pretensos estudiosos do gênero, com suas teses acadêmicas de acesso apenas a iniciados.

Certamente, prolongou em alguns anos as vidas de alguns dos maiores mestres do blues.

Bom, mas isso tudo agora faz parte do passado.

Hoje, a cena do blues não só é próspera, como é uma das únicas em toda a Indústria Fonográfica que não está vivendo uma crise -- até porque está mais do que acostumada a viver de forma espartana, e não se assusta mais com o mercado independente.

Os artistas e bandas que ALTOeCLARO escolheu para esta semana fazem do blues sua profissão de fé.

Rod Piazza e Tracy Nelson são veteranos da década de 60 que inicaram suas carreiras na Costa Oeste sob a supervisão de vários grandes bluesmen de Chicago que haviam migrado para Los Angeles e San Francisco -- pois sofriam de reumatismo e não conseguiam mais viver naquele clima gelado de lá.

Já Watermelon Slim e Super Chikan são do sul dos Estados Unidos, e se mantém relativamente fiéis aos formatos mais tradicionais do Mississipi Blues -- o extremo oposto de Keb' Mo', que tem pinta de bluesman revisionista, mas faz possui uma musicalidade passa bem longe disso.

E, para completar, temos o Roomful Of Blues, grande big band de rhythm & blues da Nova Inglaterra, há 43 anos na ativa, produzindo música para dançar de primeiríssima grandeza.

Senhoras e Senhores.... com vocês, algumas das mais diversas e valorosas caras do blues nos dias de hoje. Vamos a elas:




















KEB’ MO’

THE REFLECTION
(Yolabelle Records)
Os puristas do blues odeiam Keb’ Mo’. Ele tem pinta de bluesman revisionista, se veste como um músico dos anos 30, sabe tudo de blues, tem uma voz marcante, mas mesmo assim prefere circular pelos campos mais melodiosos e suingados do rhythm & blues e da soul music. Tem um histórico de início de carreira semelhante ao de Robert Cray, já que os dois gravaram discos de estréia para a Tomato Records que permaneceram inéditos por muitos anos devido à falência da gravadora. Ao contrário de Cray, que não se deixou abater e deu a volta por cima com relativa rapidez, Kevin Moore (seu verdadeiro nome) deixou a idéia da carreira solo de lado e voltou a trabalhar como músico de estúdio. Parecia estar condenado a ser apenas um guitarrista competente muito solicitado para sessões de gravação quando resolveu gravar algumas demos com suas composições no início dos anos 1990. Rapidamente, foi contratado pelo selo Okeh, onde gravou um disco de estréia magnífico, virando a grande sensação musical da cena do blues crossover em 1994. Dezessete anos mais tarde, eis Keb’ Mo’ por aqui novamente, com o habitual blend de rhythm & blues e soul music totalmente repaginado em números deliciosos como “Inside Outside” e “Crush On You”. Além disso, sua releitura soul para “One Of These Nights”, de Don Henley & Glenn Frey, é simplesmente impecável, corrigindo todos as inadequações do arranjo original dos Eagles. Um conselho: e você for um purista do blues, fuja desse disco -- não tem um único número do gênero entre suas doze faixas. Agora, se não for, relaxe e divirta-se.




















TRACY NELSON

VICTIM OF THE BLUES
(Delta Groove Records)
Quem lembra do grupo Mother Earth em meados dos anos 1960 na cena psicodélica de San Francisco, pode calcular o tempo de serviços prestados da cantora e pianista Tracy Nelson ao mundo do blues. Distante da cena principal desde meados dos anos 1970, Tracy seguiu tranquilamente com seu trabalho low-profile gravando para selos como a Rounder e a Flying Fish, que sempre lhe proporcionaram liberdade criativa. Mas o caso é que ele ficou tempo demais nessa toada, e agora, já sessentona e empolgada com a sucesso da amiga Márcia Ball, finalmente topou partir para um trabalho menos autoral, porém mais apelativo. Deu nesse “Victim Of The Blues”, um belo disco, que se por um lado não acrescenta muita coisa ao conjunto de obra de Tracy, por outro lado vai servir para apresentá-la a um público bem mais amplo -- e quem sabe até resgatar alguns velhos fãs desavisados do Mother Earth que talvez nem saibam que ela ainda está na ativa depois de todos esses anos. Suas releituras para “One More Mile” e “Stranger In My Own Home Town” mostram uma performer segura, que não tem o menor receio de se aventurar por um repertório tradicionalmente masculino e deixar de soar feminina. Taí: uma grande artista americana. Num disco pra lá de simpático.


















WATERMELON SLIM & SUPER CHIKAN

OKIESSIPPI BLUES

(Northern Blues Records)

Demorou, mas finalmente dois dos performers mais originais e divertidos da cena blueseira atual resolveram unir forças e brincar de Sonny Terry & Brownie McGhee num mesmo disco. Tanto Watermelon Slim quanto Super Chikan são mestres bem humorados do blues que só foram assumir suas carreiras musicais perto dos 50 anos de idade, depois de trabalharem a vida inteira como motoristas de caminhão -- e só o fizeram porque não tinham mais saúde para seguir adiante com o trabalho braçal. Seus backgrounds musicais são totalmente diferentes. Watermelon Slim nasceu em Boston, mas sua base musical é na Carolina do Norte, e seu blues costuma ser bem melodioso. Já Super Chikan é de Clarksdale, Mississipi, terra de John Lee Hooker, de quem herdou muito mais que o suingue e o gosto por blues discursivos. O resultado do encontro dos dois é tão perfeitamente integrado em termos musicais que fica a pergunta no ar: Como é que ninguém pensou em reunir esses dois antes? “Okiessippi Blues” é, antes de tudo, um LP muito engraçado, e seus 50 minutos de duração passam voando. Quem acha que blues tem que ser triste e depressivo, precisa urgentemente conhecer essa dupla debochada e genial. Blues de verdade é isso aqui, o resto é pose.


















ROD PIAZZA & THE ALL MIGHTY FLYERS

ALMIGHTY DOLLAR

(Delta Groove Records)
Rod Piazza é, há pelo menos 30 anos, uma das figuras mais vibrantes do West Coast Blues. Gaitista extraordinário, herdeiro musical do lendário George Harmonica Smith, e comandante de bandas lendárias da cena de Los Angeles como o Bacon Fat (1968-1972) e os Mighty Flyers (1990- ), ele segue, sempre acompanhado por sua louríssima senhora, a pianista Honey Piazza, e seus escudeiros suingadíssimos com o já habitual blend de Chicago blues, Memphis blues e Saint Louis blues, sempre incendiando os nightblubs da California e de vários cantos do mundo -- ano passado esteve por aqui, no Festival de Rio das Ostras. “Almighty Dollar” é seu disco desse ano. Um título irônico, considerando a atual situação das contasdo Governo Americanas. Mas, se por um lado esse novo LP não traz nenhuma surpresa, por outro funciona como um “mais do mesmo” honestíssimo, com repertório muito bem cadenciado e performances no mínimo eloqüentes. Por mais que Piazza não seja um cantor marcante, sua abordagem musical como gaistista e band-leader é tão espontânea, e seus discos tão bem gravados, que fica difícil não se deixar encantar por eles. Quem conhece Rod Piazza, com certeza vai vibrar com mais esse disco. Quem ainda não o conhece, terá em “Almighty Dollar” um excelente ponto de partida para tomar contato com uma das obras mais consistentes de um artista branco de West Coast Blues.




















ROOMFUL OF BLUES

HOOK LINE & SINKER
(Alligator Records)
O Roomful Of Blues é talvez a única banda da cena americana que vive trocando cantor, guitarrista e pianista sem jamais perder a identidade musical -- que reside justamente na sessão de metais, comandada há mais de 40 anos pelo saxofonista Rich Lataille, Com uma discografia muito extensa e ex-integrantes estelares como Duke Robillard, Ronnie Earl, Curtis Salgado e Sugar Ray Norcia, esse bravo octeto segue adiante fiel a um repertório variado que vai do rhythm & blues dos anos 50 e 60 ao jump blues mais vibrante já produzido por uma banda da Nova Inglaterra, tradicional base da banda. “Hook Line & Sinker” é o primeiro disco deles com o cantor Phil Pemberton, que se esforça para fazer jus ao posto que já pertenceu a tantos grandes cantores no passado -- e não faz feio em momento algum. Se permanecer na banda por mais um ou dois LPs, com certeza deve brilhar muito mais muito em breve. De qualquer maneira, é um dos discos mais acelerados e certeiros que o Roomful Of Blues já gravou, fulminante da primeira à última faixa, graças à produção do guitarrista extraordinário Chris Vachon. Taí uma banda que sabe tudo de música negra americana, e não cansa de nos surpreender tanto com a qualidade de seu trabalho quanto com sua vitalidade e longevidade.

DISCOGRAFIAS

LPs KEB’ MO’
Keb’ Mo’ (1994)
Just Like You (1996)
Slow Down (1998)
The Door (2000)
Big Wide Grin (2001)
Keep It Simple (2004)
Peace... Back By Popular Demand (2004)
Suitcase (2006)
Live & Mo´ (2009)
The Reflection (2011)

LPs TRACY NELSON
Deep Are The Roots (1965)
Tracy Nelson (1974)
Sweet Soul Music (1975)
Time Is On My Side (1976)
Homemade Songs (1978)
Come See About Me (1980)
Doin´ It My Way (1980)
In The Here & Now (1993)
I Feel So Good (1995)
Move On (1996)
Tracy Nelson Country (1996)
Ebony & Ivory (2001)
Live From Cell Block D (2003)
You´ll Never Be A Stranger (2007)
Victim Of The Blues (2011)

LPs WATERMELON SLIM
Merry Airbreakes (1973)
Big Shoes To Fill (2003)
Up Close & Personal (2004)
Watermelon Slim & The Workers (2006)
The Wheel Man (2007)
No Paid Holidays (2008)
Escape From the Chicken Coop (2009)
Ringers (2010)
Okiessipi Blues (com Super Chikan 2011)

LPs SUPER CHIKAN
Blues Come Home To Roost (2003)
What You See (2004)
Shoot That Thang (2006)
Chikan Supe (2008)
Sum’ Mo Chikan (2010)
Welcome To Sunny Bluesville (2011)
Okiessipi Blues (com Watermelon Slim 2011)

LPs ROD PIAZZA
Bluesman (1973)
Harpburn (1986)
So Glad To Have The Blues (1988)
Blues In the Dark (1991)
Alphabet Blues (1992)
Live At B B King´s Blues Club (1994)
California Blues (1997)
Tough & Tender (1997)
Vintage Live: 1975 (1998)
Here & Now (1999)
Beyond The Source (2001)
Keeping It Real (2004)
For The Chosen Who (2005)
Thrillville (2007)
Soul Monster (2009)
The Almighty Dollar (2011)

LPs ROOMFUL OF BLUES
Roomful Of Blues (1977)
Let´s Have A Party (1979)
Hot Little Mama (1981)
Dressed Up To Get Messed Up (1984)
Live At Lupo´s Heartbreak Hotel (1987)
Dance All Night (1994)
Turn It On! Turn It Up! (1995)
Under One Roof (1997)
Roomful Of Christmas (1997)
There Goes The Neighborhood (1998)
Watch You When You Go (2001)
That´s Right (2003)
Standing Room Only (2005)
Raisin´ A Ruckus (2008)
Hook Line & Sinker (2011)

PORTA RETRATOS

“Quando vi que não tinha outra saída senão virar um artista independente, não pensei duas vezes: montei meu próprio selo, fiz um acordo de distribuição com a Ryko New York, pedi ajuda aos amigos e meti a cara no projeto. Confesso que gostei da sensação.” (Keb’ Mo’ )

“Desde meu disco de estréia, em 1965, não gravava um repertório de blues tradicionais como o deste novo LP. Daqui por diante, só quero fazer coisas que nunca fiz, ou que não faço há muito tempo. A vida é muito curta.” (Tracy Nelson)

“É impressionante como algumas gaitas estão custando um verdadeiro absurdo hoje em dia. Sempre que tentam me empurrar uma dessas, eu digo: Cara, eu não sou da banda do Bruce Springsteen, eu toco Blues!(Rod Piazza)

“Apesar de ter estudado História e Jornalismo, e sempre ter estado envolvido com ativismo político e ambiental, nunca trabalhei com nada disso. Sempre sustentei minha família como caminhoneiro. Até que, um dia, tive um enfarto colossal e aí não deu mais. Foi aí que virei artista.” (Watermelon Slim)

“O Roomful Of Blues existe há já 43 anos. Nossa especialidade é recriar o clima festivo dos velhos 78 rotações dos anos 40 e velhos 45 rotações dos anos 50 com uma sonoridade bem atual. Fazemos música para dançar e nada além disso, mas nos orgulhamos muito disso” (Rich Lataille, Roomful Of Blues)

“Adorei participar do último disco de David Bromberg como produtor e artista convidado. É sempre um prazer poder aprender com um grande mestre como David.” (Keb’ Mo’)

“Minha casa foi destruída por um incêndio na floresta onde moro, perto de Nashville. Dois dos meus 9 cachorros morreram, minha coleção de fotos de toda a minha carreira se perdeu, mas felizmente o meu estúdio caseiro de gravação, onde estava com esse disco novo praticamente pronto, se salvou. Foi quando decidimos batizar este LP de Victim Of The Blues(Tracy Nelson)

“Uso gaitas comuns, do tipo Marine Band, nada demais. O segredo da sonoridade encorpada do meu sopro está nos cristais dos microfones que eu uso, todos muito antigos. Tenho mais de 20 guardados comigo.” (Rod Piazza)

“O apelido Super Chikan vem da minha infância. Aos 9 anos de idade, eu costumava trazer as galinhas do quintal para dentro de casa e conversava com elas horas e horas, na língua delas. (Super Chikan)

“Descobri que produzindo os discos do Roomful Of Blues consigo encaixar melhor a guitarra em meio a esses arranjos repletos de metais. E, de quebra, ainda consigo incluir no repertório da banda uns números suingados onde a guitarra vem em primeiro plano, como Gate Walks On Board, de Clarence Gatemouth Brown.” (Chris Vachon, Roomful Of Blues)


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sexta-feira, agosto 12, 2011

CINCO ADORÁVEIS DAMAS DO JAZZ QUE VIVEM SASSARICANDO POR OUTRAS VIZINHANÇAS MUSICAIS (por Chico Marques)

Há muitos e muitos anos, desde o tempo em que existia algo chamado "Indústria Fonográfica", o Universo da Música Gravada convive com o mais terrível de todos os dilemas mercadológicos: "Segmenta-te, ou te devoro".

Por mais que a opção pela segmentação parece ser sempre a opção mais lógica a se tomar, é inegável que ela limita o público de qualquer artista e reduz o alcance de seu trabalho musical.

Até por isso, optar pela segmentação nunca é uma decisão fácil.

Tanto que, de tempos em tempos, grupos de artistas se rebelam contra os excessos da segmentação de mercado na cena musical, e resolvem dar umas braçadas no sentido contrário, só para ver se chegam a algum lugar.

Nos anos 1970, cantoras de muito sucesso como Linda Ronstadt e Bonnie Raitt abriram o leque de seus repertórios de forma tão extrema que o pessoal da Billboard levava sempre uma surra a cada tentativa de definir de que gênero musical elas eram, afinal.

Mais adiante, no início dos anos 1990, todo o pessoal desalinhado da cena country e da cena roqueira americana resolveu se unir e seguir na contramão desse movimento de segmentação, fazendo valer a nova classificação "Americana" -- uma espécie de rótulo feito sob medida para driblar classificações --, que acolhia tanto gente da cena do roots rock quanto das diversas frentes da country music que não seguiam a cartilha careta de Nashville.

Com essa nova classificação, muitas rádios ampliaram seus perfis de programação, muitos artistas que não conseguiam promover seus trabalhos encontraram canais de divulgação eficazes e ninguém precisou mais perder tempo se justificando porque seu trabalho é assim e não assado naqueles press-releases que quase ninguém lê.

Então, no início dos anos 2000, um fenômeno semelhante aconteceu na cena jazzística.

Primeiro, a jovem pianista e band leader canadense Diana Krall emplacou internacionalmente o LP "When I Look In Your Eyes", onde mesclava vários estilos numa moldura musical de West Coast Jazz, que ela comandava com sua voz pequena, sensual e extremamente envolvente -- que, diga-se de passagem, acabou virando um exemplo a ser seguido por outras canoras e pianistas de jazz.

Em seguida, Norah Jones conseguiu emplacar seu álbum de estréia nos primeiros postos da Billboard, permanecendo por lá durante várias semanas de 2002. "Come Away With Me" foi saudado como o disco crossover por excelência. Muito delicado, mesclando jazz, pop, rock and roll, country e folk em doses homeopáticas, resultando numa coleção de canções sutil e muito bem integrada -- que, claro, também acabou sendo considerada um exemplo a ser seguido por muitos, da cena jazzística ou não.

As cinco artistas do nosso cardápio musical dessa semana souberam tirar proveito dessas mudanças no mercado, tanto que seus trabalhos conseguem atingir admiradores muito distantes dos jazzófilos habituais.

Madeleine Peyroux e Stacey Kent, por exemplo, surgiram e rapidamente se firmaram como estrelas ascendentes nesse mesmo cenário musical, apesar de trabalharem estilos diametralmente opostos.

Diane Schuur e Eliane Elias já eram veteranas, mas mesmo assim aproveitaram a oportunidade e se miraram no sucesso de Diana Krall para ampliar o foco musical de seus trabalhos.

E Tara O'Grady... bem, Tara O'Grady está chegando agora, acaba de lançar seu segundo disco, mas é uma novata que ainda deve dar muito o que falar.

Vamos a elas:




















MADELEINE PEYROUX
STANDING ON THE ROOFTOP
(Decca Records)
Mais cedo ou mais tarde, Madeleine Peyroux iria ter que se livrar do estigma – que lhe serviu muito bem em termos mercadológicos numa etapa inicial de sua carreira – de ser uma espécie de Billie Holiday reencarnada. Os primeiros passos nesse sentido foram dados dois anos atrás, no LP “Bare Bones”, seu primeiro só com composições próprias, produzido pelo baixista e grande arranjador Larry Klein. Agora, com esse novo “Standing On The Rooftop”, o processo de consolida. Sereno e modernoso, com o suporte luxuosíssimo de músicos como o guitarrista Marc Ribot e a baxista Me´Schell Ndegeocello, é um disco precioso, com canções muito intensas e twangs extremamente climáticos nos arranjos de guitarra. Por insistência da Decca Records, Madeleine incluiu no repertório de “Standing On The Rooftop” três covers, mas, curiosamente, nenhum deles lembra Billie Holiday. Sua releitura para “Love In Vain”, de Robert Johnson, é ousada e etérea, e deve deixar alguns puristas do blues bastante irritados. Já “I Threw It All Away”, de Bob Dylan, lembra bastante a gravação original do LP “Nashville Skyline”, só que com um arranjo de guitarras com tonalidades mais abertas. E na faixa de abertura do disco, “Martha My Dear”, de Lennon & McCartney, Madeleine canta num tom mais alto que o habitual, e numa levada mais discursiva, lembrando um pouco Rickie Lee Jones. Gostem ou não, esta é Madeleine Peyroux versão 2011. Toureando bravamente as armadilhas do mercado e se firmando a cada disco como uma artista original.




















TARA O’GRADY

GOOD THINGS COME TO THOSE WHO WAIT
(Merge Records)
Tara O’Grady parece, à primeira vista e à primeira audição, boa demais para ser verdade. Cantora, compositora, dona de uma physique-du-role que lembra Elisabeth Taylor aos vinte e cinco anos de idade, essa novaiorquina de origem irlandesa trafega com pelo jazz, pelo blues, pelo country e pelo folk irlandês com a naturalidade de quem está passeando pelos corredores de um supermercado. “Good Things Come To Those Who Wait” é seu segundo LP, e só não é uma surpresa porque a surpresa ficou a cargo de seu disco de estréia, “Black Irish”, do ano passado, premiadíssimo. Nesse novo trabalho ela arrisca mais composições próprias, que acabam compondo seqüências musicais deliciosas com alguns clássicos escolhidos a dedo, como o tradicionalíssimo spiritual “Trouble In Mind”. Todo gravado em Nashville com sua banda novaiorquina acrescida de alguns músicos locais, “Good Things Come For Those Who Wait” é um triunfo artístico que merece ter conhecido pelo grande público, apesar de vir por um selo bem independente. Imaginem Madeleine Peyroux ligada em 220 Volts e com jeitão de quem acaba de escapar de um musical de Vincent Minelli. Tara O’Grady é mais ou menos isso por aí.




















STACEY KENT

HUSHABYE MOUNTAIN
(Candid Records)
A essa altura do campeonato, todo mundo já conhece bem Stacey Kent. Desde seus primeiros LPs ao lado de seu ex-marido, o saxofonista Jim Tomlinson, vinte anos atrás em Londres, até os recentes elogios rasgados do ator e pianista da jazz Clint Eastwood, a delicadeza da voz de Stacey e seu fraseado incomparável vem ganhando adeptos pelo mundo todo. Nada mal para essa bela novaiorquina de 46 anos que pretendia estudar literatura e teatro, e acabou cursando canto apenas para aprender a modular melhor sua voz. Depois de uma sequência de discos muito bem concebidos e muito bem recebidos pelo público, Stacey traz nesse “Hushabye Mountain” um repertório de lullabyes extremamente climáticos, quase todos adaptados de baladas do Great American Songbook. “Too Darn Hot”, por exemplo, ficou com jeitão de canção infantil. “Thou Swell” virou quase blues. E “It Might As Well Be Spring” finalmente assumiu sua porção bossanovística. Cá entre nós: qual marmanjo não gostaria de dormir com a cabeça no colo de Stacey Kent enquanto ela canta suavemente “All I Do Is Dream Of You”? Desde já, o melhor disco de jazz vocal deste ano. E também o melhor disco de ninar adultos que eu já tive o prazer de escutar.




















DIANE SCHUUR

THE GATHERING
(Welk Records)
Existem cantoras que vagam anos e anos oscilando entre o jazz e o pop sem rumo e sem uma identidade musical bem definida. Diane Schuur é uma delas. Apadrinhada pelo saxofonista Stan Getz nos anos 80, que a apresentou ao mercado como "a nova Dinah Washington", Diane, que também é pianista, foi testada em vários fronts musicais, mas não conseguiu ser superlativa em nenhum deles, e acabou meio escanteada, buscando refúgio em discos mais pop. Mas então, eis que, de repente, ela decide gravar um disco de baladas country de Nashville com o sotaque soul de Memphis e descobre um novo rumo para sua carreira. Verdade seja dita: Diane Schuur pecou muito pelos excessos nos “vocaleses” em seus primeiros discos. Queria soar negra a todo custo. Era irritante. Hoje, ela sabe que menos é mais, e esse recente “The Gathering” é a prova disso. Aqui, ela segue a fórmula clássica de Ray Charles quando gravou aquela série de discos country magníficos para a ABC Paramount. As regras a ser seguidas são muito claras. Nada de excessos vocais, pois as canções já são melosas demais. Nada de exageros nos arranjos, quanto mais serena a interpretação, melhor´. A graça desse tipo de projeto musical consiste justamente em cantar essas canções sem as inflexões vocais comuns a quase todos os cantores country. Pois não é que Diane Schuur tirou tudo isso de letra? Artistas bem maiores que Diane Schuur como Etta James e Irma Thomas já gravaram discos assim, como “The Gathering”. Mas nenhuma delas fez isso de forma tão acertada quanto Diane Schuur acaba de fazer. Um disco surpreendente.




















ELIANE ELIAS
LIGHT MY FIRE
(Concord Records)
Eliane Elias tem um histórico de carreira magnífico. Menina prodígio, saiu de São Paulo para Nova York aos 17 anos e logo se enturmou num time exclusivíssimo de músicos, composto pelos irmãos Michael & Randy Brecker e pelo vibrafonista Mike Mainieri, e participando do grupo instrumental Steps Ahead, que fez muito sucesso nos anos 80. Paralelo a isso, ela gravou discos magníficos, onde se alternava como pianista e cantora, sempre com um repertório cosmopolita e com um forte sotaque musical brasileiro. De uns anos para cá, no entanto, Eliane, por razões de mercado, tem insistido mais em seu trabalho vocal. “Light My Fire” é, certamente, seu melhor disco como cantora até o momento. Sua voz suave, delicada, permite scats em tom menor extremamente climáticos. Seus dois duetos com Gilberto Gil – “Aquele Abraço” e “Toda Menina Baiana” – soam perfeitos, pois equilibram bem as atuais limitações vocais de Gil com a voz smooth de Eliane. Sua versão do clássico dos Doors, “Light My Fire”, lenta e climática, soa tão original e bem resolvida que nem parece uma canção que já recebeu tantas regravações. E sua releitura bossanovística para “My Cherie Amour” revela uma delicadeza e um requinte melódico que, definitivamente, não existiam nos planos originais do autor Stevie Wonder. Além de tudas as qualidades de "Light My Fire", é uma surpresa muito agradável ver Eliane Elias, que sempre foi uma mulher muito bonita, não tendo medo de esbanjar sensualidade depois anos e anos brigando para ser levada a sério. You Go, Girl!

DISCOGRAFIAS

LPs MADELEINE PEYROUX
Dreamland (1996)
Careless Love (2004)
Half The Perfect World (2006)
Bare Bones (2009)
Standing On The Rooftop (2011)

LPs TARA O'GRADY
Black Irish (2010)
Good Things Come To Those Who Wait (2011)

LPs STACEY KENT
Love Is The Tender Trap (1999)
Let Yourself Go: Celebrating Fred Astaire (2000)
Dreamsville (2001)
In Love Again (2002)
Tender Trap (2002)
Christmas Song (2003)
The Boy Next Door (2003)
Shall We Dance (2004)
The Lyric (2006)
Breakfast On The Morning Tram (2007)
Raconte-Moi (2010)
Hushabye Mountain (2011)

LPs DIANE SCHUUR
Deedles (1985)
Schuur Thing (1985)
Timeless (1986)
Talkin' About You (1988)
Pure Schuur (1991)
In Tribute (1992)
Love Songs (1993)
Heart To Heart ('1994)
Love Walked In (1995)
Blues For Schuur (1997)
Music Is My Life (1999)
Friends For Schurr (2000)
Swingin' Schuur (2011)
Swingin' For Schuur (2001)
Midnight (2003)
Schuur Fire (2004)
Live In London (2005)
Some Other Time (2008)
The Gathering (2011)

LPs ELIANE ELIAS
Amanda (1986)
So Far So Close (188)
Crosscurrents (1989)
Eliane Elias Plays Jobim (1989)
A Long Story (1991)
Illusions (1991)
Fantasia (1992)
Paulistana (1993)
Solos & Duets (1994)
The Three Americas (1996)
Eliane Elias Sings Jobim (1998)
Everything I Love (2000)
Kissed By Nature (2002)
Winds Is Like Jobim (2004)
Dreamer (2004)
When You Wish Upon A Star (2006)
Around The City (2006)
Eliane Elias Sings & Plays Bill Evans (2008)
Bossa Nova Stories (2008)
Light My Fire (2011)

PORTA-RETRATOS

“Não acho que meu público seja conservador. Acho importante estar sempre experimentando idéias novas e trazendo novas facetas da minha personalidade musical nos discos que gravo e nos shows que faço". (Madeleine Peyroux)

“Sou fascinada por Audrey Hepburn. Adotei esse visual em homenagem a ela. Gosto de subir ao palco nesses vestidos maravilhosos, e com esses penteados de época." (Tara O'Grady)

“Resisiti muito à idéia de me tornar cidadã inglesa. Não queria ficar presa a lugar algum. Londres era minha base porque era conveniente morar lá -- além do mais, era fácil sair de lá e chegar rapidamente a qualquer ponto da Europa. Mas fui ficando na cidade e não teve jeito: acabei me apaixonando, e hoje me sinto mais londrina que novaiorquina." (Stacey Kent)

“Quando criança ouvia muito Doris Day e Nat King Cole, pois minha mãe adorava os dois. Então um dia escutei Miles Davis e John Coltrane e a partir daí tudo mudou para mim." (Diane Schuur)

“Comecei a tocar piano aos 7 anos, aos 11 já estava familiarizada com todos os standards de jazz, aos 13 fui admitida na Escola de Música mais prestigiada do Brasil, e aos 15 já estava formada e lecionando." (Eliane Elias)

“Continuo sendo a mesma cantora que eu era quando adolescente, sempre crescendo com a música, venha ela de onde vier." (Madeleine Peyroux)

“A idéia de gravar Trouble In Mind vem da minha admiração incondicional por Nina Simone. Acho que essa música, que foi gravada por tanta gente, no fundo no fundo pertence a ela". (Tara O'Grady)

“Eu me sinto tão próxima da música de James Taylor, Carole King e do Crosby Stills Nash & Young quanto de Ella Fitzgerald e Carmen McRae. Minha postura musical é absolutamente eclética" (Stacey Kent)

“Minha maior influência é Dinah Washington. Adoro aquele jeito classudo de cantar dela." (Diane Schuur)

“Me apaixonei pela música muito cedo, e o fato de vir de uma família musical facilitou bastante o meu desenvolvimento como pianista. Tudo o mais eu credito ao acaso e à sorte.” (Eliane Elias)

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