sexta-feira, agosto 19, 2011

BLUES, SOMENTE O BLUES, NADA MAIS QUE O BLUES (por Chico Marques)


Durante mais de 50 anos, a partir da Segunda Guerra Mundial, nove em cada dez artistas de blues viveram totalmente à margem do mercado musical -- muitos deles em situações lastimáveis de saúde física e mental.

Esses menestréis mambembes sobreviviam, muitas vezes, da generosidade e do carinho de alguns de seus admiradores.

Ganhavam muito pouco com suas atividades artísticas e sobreviviam sem perspectivas e apenas com a lembrança de tempos gloriosos que ficaram perdidos num passado bem remoto.

Acreditem, nunca foi fácil ser um artista de blues.

Por conta disso, os Rolling Stones cultivam um hábito muito interessante sempre que estão em tournée pela Europa.

Basta chegarem a alguma cidade grande e tomarem conhecimento de algum músico clássico de blues que esteja tocando por lá, que eles imediatamente o convidam para fazer uma participação especial no show da banda e o transferem do hotelzinho barato onde está hospedado para o Hotel Cinco Estrelas que está abrigando toda a entourage da banda -- com direito a champagne, belas acompanhantes, etc.

Ouvi numa conversa de mesa de bar com o blesman texano Steve James aqui em Santos, SP, alguns anos atrás, que existia em sua cidade, Austin, um médico muito rico que era fanático por blues, mas que, por razões sociais, não podia frequentar o Antone's, famosa casa de shows que trazia todos os grandes artistas de blues e rhythm & blues desde a década de 1970, e que era propriedade de seu amigo Clifford Antone-- que hoje cumpre pena por contrabando numa prisão estadual do Texas.

Pois esse médico tinha um acordo com Clifford Antone. Sempre que ele contratasse qualquer bluesman veterano, ele exigiria que o bluesman veterano em questão permanecesse na cidade uma semana depois das apresentações internado em sua clínica para um check-up completo totalmente gratuito, com direito a uma eventual desintoxicação e muitos bons tratos, só para variar...

Com essa atitude humanitária, esse médico de Austin, Texas, deve ter feito muito mais pela sobrevivência do blues do que muitos pretensos estudiosos do gênero, com suas teses acadêmicas de acesso apenas a iniciados.

Certamente, prolongou em alguns anos as vidas de alguns dos maiores mestres do blues.

Bom, mas isso tudo agora faz parte do passado.

Hoje, a cena do blues não só é próspera, como é uma das únicas em toda a Indústria Fonográfica que não está vivendo uma crise -- até porque está mais do que acostumada a viver de forma espartana, e não se assusta mais com o mercado independente.

Os artistas e bandas que ALTOeCLARO escolheu para esta semana fazem do blues sua profissão de fé.

Rod Piazza e Tracy Nelson são veteranos da década de 60 que inicaram suas carreiras na Costa Oeste sob a supervisão de vários grandes bluesmen de Chicago que haviam migrado para Los Angeles e San Francisco -- pois sofriam de reumatismo e não conseguiam mais viver naquele clima gelado de lá.

Já Watermelon Slim e Super Chikan são do sul dos Estados Unidos, e se mantém relativamente fiéis aos formatos mais tradicionais do Mississipi Blues -- o extremo oposto de Keb' Mo', que tem pinta de bluesman revisionista, mas faz possui uma musicalidade passa bem longe disso.

E, para completar, temos o Roomful Of Blues, grande big band de rhythm & blues da Nova Inglaterra, há 43 anos na ativa, produzindo música para dançar de primeiríssima grandeza.

Senhoras e Senhores.... com vocês, algumas das mais diversas e valorosas caras do blues nos dias de hoje. Vamos a elas:




















KEB’ MO’

THE REFLECTION
(Yolabelle Records)
Os puristas do blues odeiam Keb’ Mo’. Ele tem pinta de bluesman revisionista, se veste como um músico dos anos 30, sabe tudo de blues, tem uma voz marcante, mas mesmo assim prefere circular pelos campos mais melodiosos e suingados do rhythm & blues e da soul music. Tem um histórico de início de carreira semelhante ao de Robert Cray, já que os dois gravaram discos de estréia para a Tomato Records que permaneceram inéditos por muitos anos devido à falência da gravadora. Ao contrário de Cray, que não se deixou abater e deu a volta por cima com relativa rapidez, Kevin Moore (seu verdadeiro nome) deixou a idéia da carreira solo de lado e voltou a trabalhar como músico de estúdio. Parecia estar condenado a ser apenas um guitarrista competente muito solicitado para sessões de gravação quando resolveu gravar algumas demos com suas composições no início dos anos 1990. Rapidamente, foi contratado pelo selo Okeh, onde gravou um disco de estréia magnífico, virando a grande sensação musical da cena do blues crossover em 1994. Dezessete anos mais tarde, eis Keb’ Mo’ por aqui novamente, com o habitual blend de rhythm & blues e soul music totalmente repaginado em números deliciosos como “Inside Outside” e “Crush On You”. Além disso, sua releitura soul para “One Of These Nights”, de Don Henley & Glenn Frey, é simplesmente impecável, corrigindo todos as inadequações do arranjo original dos Eagles. Um conselho: e você for um purista do blues, fuja desse disco -- não tem um único número do gênero entre suas doze faixas. Agora, se não for, relaxe e divirta-se.




















TRACY NELSON

VICTIM OF THE BLUES
(Delta Groove Records)
Quem lembra do grupo Mother Earth em meados dos anos 1960 na cena psicodélica de San Francisco, pode calcular o tempo de serviços prestados da cantora e pianista Tracy Nelson ao mundo do blues. Distante da cena principal desde meados dos anos 1970, Tracy seguiu tranquilamente com seu trabalho low-profile gravando para selos como a Rounder e a Flying Fish, que sempre lhe proporcionaram liberdade criativa. Mas o caso é que ele ficou tempo demais nessa toada, e agora, já sessentona e empolgada com a sucesso da amiga Márcia Ball, finalmente topou partir para um trabalho menos autoral, porém mais apelativo. Deu nesse “Victim Of The Blues”, um belo disco, que se por um lado não acrescenta muita coisa ao conjunto de obra de Tracy, por outro lado vai servir para apresentá-la a um público bem mais amplo -- e quem sabe até resgatar alguns velhos fãs desavisados do Mother Earth que talvez nem saibam que ela ainda está na ativa depois de todos esses anos. Suas releituras para “One More Mile” e “Stranger In My Own Home Town” mostram uma performer segura, que não tem o menor receio de se aventurar por um repertório tradicionalmente masculino e deixar de soar feminina. Taí: uma grande artista americana. Num disco pra lá de simpático.


















WATERMELON SLIM & SUPER CHIKAN

OKIESSIPPI BLUES

(Northern Blues Records)

Demorou, mas finalmente dois dos performers mais originais e divertidos da cena blueseira atual resolveram unir forças e brincar de Sonny Terry & Brownie McGhee num mesmo disco. Tanto Watermelon Slim quanto Super Chikan são mestres bem humorados do blues que só foram assumir suas carreiras musicais perto dos 50 anos de idade, depois de trabalharem a vida inteira como motoristas de caminhão -- e só o fizeram porque não tinham mais saúde para seguir adiante com o trabalho braçal. Seus backgrounds musicais são totalmente diferentes. Watermelon Slim nasceu em Boston, mas sua base musical é na Carolina do Norte, e seu blues costuma ser bem melodioso. Já Super Chikan é de Clarksdale, Mississipi, terra de John Lee Hooker, de quem herdou muito mais que o suingue e o gosto por blues discursivos. O resultado do encontro dos dois é tão perfeitamente integrado em termos musicais que fica a pergunta no ar: Como é que ninguém pensou em reunir esses dois antes? “Okiessippi Blues” é, antes de tudo, um LP muito engraçado, e seus 50 minutos de duração passam voando. Quem acha que blues tem que ser triste e depressivo, precisa urgentemente conhecer essa dupla debochada e genial. Blues de verdade é isso aqui, o resto é pose.


















ROD PIAZZA & THE ALL MIGHTY FLYERS

ALMIGHTY DOLLAR

(Delta Groove Records)
Rod Piazza é, há pelo menos 30 anos, uma das figuras mais vibrantes do West Coast Blues. Gaitista extraordinário, herdeiro musical do lendário George Harmonica Smith, e comandante de bandas lendárias da cena de Los Angeles como o Bacon Fat (1968-1972) e os Mighty Flyers (1990- ), ele segue, sempre acompanhado por sua louríssima senhora, a pianista Honey Piazza, e seus escudeiros suingadíssimos com o já habitual blend de Chicago blues, Memphis blues e Saint Louis blues, sempre incendiando os nightblubs da California e de vários cantos do mundo -- ano passado esteve por aqui, no Festival de Rio das Ostras. “Almighty Dollar” é seu disco desse ano. Um título irônico, considerando a atual situação das contasdo Governo Americanas. Mas, se por um lado esse novo LP não traz nenhuma surpresa, por outro funciona como um “mais do mesmo” honestíssimo, com repertório muito bem cadenciado e performances no mínimo eloqüentes. Por mais que Piazza não seja um cantor marcante, sua abordagem musical como gaistista e band-leader é tão espontânea, e seus discos tão bem gravados, que fica difícil não se deixar encantar por eles. Quem conhece Rod Piazza, com certeza vai vibrar com mais esse disco. Quem ainda não o conhece, terá em “Almighty Dollar” um excelente ponto de partida para tomar contato com uma das obras mais consistentes de um artista branco de West Coast Blues.




















ROOMFUL OF BLUES

HOOK LINE & SINKER
(Alligator Records)
O Roomful Of Blues é talvez a única banda da cena americana que vive trocando cantor, guitarrista e pianista sem jamais perder a identidade musical -- que reside justamente na sessão de metais, comandada há mais de 40 anos pelo saxofonista Rich Lataille, Com uma discografia muito extensa e ex-integrantes estelares como Duke Robillard, Ronnie Earl, Curtis Salgado e Sugar Ray Norcia, esse bravo octeto segue adiante fiel a um repertório variado que vai do rhythm & blues dos anos 50 e 60 ao jump blues mais vibrante já produzido por uma banda da Nova Inglaterra, tradicional base da banda. “Hook Line & Sinker” é o primeiro disco deles com o cantor Phil Pemberton, que se esforça para fazer jus ao posto que já pertenceu a tantos grandes cantores no passado -- e não faz feio em momento algum. Se permanecer na banda por mais um ou dois LPs, com certeza deve brilhar muito mais muito em breve. De qualquer maneira, é um dos discos mais acelerados e certeiros que o Roomful Of Blues já gravou, fulminante da primeira à última faixa, graças à produção do guitarrista extraordinário Chris Vachon. Taí uma banda que sabe tudo de música negra americana, e não cansa de nos surpreender tanto com a qualidade de seu trabalho quanto com sua vitalidade e longevidade.

DISCOGRAFIAS

LPs KEB’ MO’
Keb’ Mo’ (1994)
Just Like You (1996)
Slow Down (1998)
The Door (2000)
Big Wide Grin (2001)
Keep It Simple (2004)
Peace... Back By Popular Demand (2004)
Suitcase (2006)
Live & Mo´ (2009)
The Reflection (2011)

LPs TRACY NELSON
Deep Are The Roots (1965)
Tracy Nelson (1974)
Sweet Soul Music (1975)
Time Is On My Side (1976)
Homemade Songs (1978)
Come See About Me (1980)
Doin´ It My Way (1980)
In The Here & Now (1993)
I Feel So Good (1995)
Move On (1996)
Tracy Nelson Country (1996)
Ebony & Ivory (2001)
Live From Cell Block D (2003)
You´ll Never Be A Stranger (2007)
Victim Of The Blues (2011)

LPs WATERMELON SLIM
Merry Airbreakes (1973)
Big Shoes To Fill (2003)
Up Close & Personal (2004)
Watermelon Slim & The Workers (2006)
The Wheel Man (2007)
No Paid Holidays (2008)
Escape From the Chicken Coop (2009)
Ringers (2010)
Okiessipi Blues (com Super Chikan 2011)

LPs SUPER CHIKAN
Blues Come Home To Roost (2003)
What You See (2004)
Shoot That Thang (2006)
Chikan Supe (2008)
Sum’ Mo Chikan (2010)
Welcome To Sunny Bluesville (2011)
Okiessipi Blues (com Watermelon Slim 2011)

LPs ROD PIAZZA
Bluesman (1973)
Harpburn (1986)
So Glad To Have The Blues (1988)
Blues In the Dark (1991)
Alphabet Blues (1992)
Live At B B King´s Blues Club (1994)
California Blues (1997)
Tough & Tender (1997)
Vintage Live: 1975 (1998)
Here & Now (1999)
Beyond The Source (2001)
Keeping It Real (2004)
For The Chosen Who (2005)
Thrillville (2007)
Soul Monster (2009)
The Almighty Dollar (2011)

LPs ROOMFUL OF BLUES
Roomful Of Blues (1977)
Let´s Have A Party (1979)
Hot Little Mama (1981)
Dressed Up To Get Messed Up (1984)
Live At Lupo´s Heartbreak Hotel (1987)
Dance All Night (1994)
Turn It On! Turn It Up! (1995)
Under One Roof (1997)
Roomful Of Christmas (1997)
There Goes The Neighborhood (1998)
Watch You When You Go (2001)
That´s Right (2003)
Standing Room Only (2005)
Raisin´ A Ruckus (2008)
Hook Line & Sinker (2011)

PORTA RETRATOS

“Quando vi que não tinha outra saída senão virar um artista independente, não pensei duas vezes: montei meu próprio selo, fiz um acordo de distribuição com a Ryko New York, pedi ajuda aos amigos e meti a cara no projeto. Confesso que gostei da sensação.” (Keb’ Mo’ )

“Desde meu disco de estréia, em 1965, não gravava um repertório de blues tradicionais como o deste novo LP. Daqui por diante, só quero fazer coisas que nunca fiz, ou que não faço há muito tempo. A vida é muito curta.” (Tracy Nelson)

“É impressionante como algumas gaitas estão custando um verdadeiro absurdo hoje em dia. Sempre que tentam me empurrar uma dessas, eu digo: Cara, eu não sou da banda do Bruce Springsteen, eu toco Blues!(Rod Piazza)

“Apesar de ter estudado História e Jornalismo, e sempre ter estado envolvido com ativismo político e ambiental, nunca trabalhei com nada disso. Sempre sustentei minha família como caminhoneiro. Até que, um dia, tive um enfarto colossal e aí não deu mais. Foi aí que virei artista.” (Watermelon Slim)

“O Roomful Of Blues existe há já 43 anos. Nossa especialidade é recriar o clima festivo dos velhos 78 rotações dos anos 40 e velhos 45 rotações dos anos 50 com uma sonoridade bem atual. Fazemos música para dançar e nada além disso, mas nos orgulhamos muito disso” (Rich Lataille, Roomful Of Blues)

“Adorei participar do último disco de David Bromberg como produtor e artista convidado. É sempre um prazer poder aprender com um grande mestre como David.” (Keb’ Mo’)

“Minha casa foi destruída por um incêndio na floresta onde moro, perto de Nashville. Dois dos meus 9 cachorros morreram, minha coleção de fotos de toda a minha carreira se perdeu, mas felizmente o meu estúdio caseiro de gravação, onde estava com esse disco novo praticamente pronto, se salvou. Foi quando decidimos batizar este LP de Victim Of The Blues(Tracy Nelson)

“Uso gaitas comuns, do tipo Marine Band, nada demais. O segredo da sonoridade encorpada do meu sopro está nos cristais dos microfones que eu uso, todos muito antigos. Tenho mais de 20 guardados comigo.” (Rod Piazza)

“O apelido Super Chikan vem da minha infância. Aos 9 anos de idade, eu costumava trazer as galinhas do quintal para dentro de casa e conversava com elas horas e horas, na língua delas. (Super Chikan)

“Descobri que produzindo os discos do Roomful Of Blues consigo encaixar melhor a guitarra em meio a esses arranjos repletos de metais. E, de quebra, ainda consigo incluir no repertório da banda uns números suingados onde a guitarra vem em primeiro plano, como Gate Walks On Board, de Clarence Gatemouth Brown.” (Chris Vachon, Roomful Of Blues)


AMOSTRAS GRÁTIS
KEB’ MO’




AMOSTRAS GRÁTIS

TRACY NELSON




AMOSTRAS GRÁTIS

WATERMELON SLIM-SUPER CHIKAN




AMOSTRAS GRÁTIS

ROD PIAZZA



AMOSTRAS GRÁTIS

ROOMFUL OF BLUES



2 comentários:

mauricio disse...

muito bom receber essa informações musicais Chico! maravilha... BLUES!!! abraço.

Nivas Larsan disse...

Chegando nessa postagem agora no final de 2020. O ano em que o mundo vive um verdadeiro blues.