sexta-feira, agosto 05, 2011

DO CONFORTO DA CENA MAINSTREAM ÀS TRINCHEIRAS MUSICAIS DA AMÉRICA (por Chico Marques)

A cada ano que passa, a crise da Indústria Fonográfica "promove" mais e mais artistas da cena mainstream para a cena musical independente.

Para quem não é do meio musical, isso equivale a ser rebaixado para a Segunda Divisão em um Campeonato de Futebol.

Artistas com maior jogo de cintura preferem encarar essa mudança como um rito de passagem. Como uma chance ficar mais próximos do seu público. Mas muitos deles se sentem abandonados e perdem o rumo de suas carreiras. Às vezes até mudam de ramo.

No entanto, não é justo pintar a Indústria Fonográfica como única vilã dessa história. Ela apenas esqueceu de se preparar para tempos bicudos como os atuais, canibalizou as "medias" físicas de que dispunha e sucumbiu pouco a pouco depois que os arquivos musicais começaram a passear livres, leves e soltos pela internet.

Bem ou mal, a Indústria sempre ofereceu a seus artistas um padrão de trabalho invejável, com adiantamentos sobre vendas futuras, financiamentos para produções, etc, etc, etc. Um disco que eventualmente vendesse pouco podia ser compensado com um outro disco, mais acessível ao grande público, no ano seguinte. E daí por diante.

Ou seja: a Indústria Fonográfica sempre tentou ser parceira do artista, tanto no sucesso quanto no fiasco.

Algumas vezes, até conseguiu.

O problema é que ser independente é muito trabalhoso. Exige, entre outras coisas, que o artista se estruture de forma minuciosa antes de colocar seu disco no mercado por conta própria. Ele não tem mais a opção de não ligar muito para os negócios, nem de errar o timing do lançamento do disco, e muito menos de se atrapalhar ao longo do processo. Qualquer pequeno erro de cálculo pode desencadear um desastre de proporções terríveis.

Que o digam John Hiatt e Matthew Sweet, que sempre pertenceram à cena mainstream, mas agora gravam para selos pequenos por contingências de mercado, mantendo o controle criativo e orçamentário de seus trabalhos.

Que o digam também Randall Bramblett e Richard Buckner, que sempre viveram inseridos na cena mainstream indiretamente, por envolvimento com outros artistas. Eles agora gravam para selos independentes por opção, apostando sempre no “menos é mais” e no "não se meta no que estou fazendo".

Além desses quatro grandes artistas -- que não desistem jamais, e chegam agora com novos discos vigorosos --, temos também no cardápio dessa semana de Alto&Claro o ator hollywoodiano Jeff Bridges, que acaba de se reinventar artisticamente como cantor, guitarrista e compositor num disco alt country surpreendente, para a Blue Note Records.

Vamos a eles:


















JOHN HIATT

DIRTY JEANS & MUDSLIDE HYMNS
(New West Records)
John Hiatt é um dos grandes compositores americanos vivos. Bob Dylan, Neil Young, Paul Simon, Randy Newman e ele mereciam estar esculpidos numa espécie de Monte Rushmore. Este é seu vigésimo álbum em 37 anos como artista solo. Hiatt é dono de uma carreira riquíssima, que passou por inúmeros altos e baixos até que ele encontrasse o Norte no hoje clássico LP “Bring The Family”, de 1987 -- onde dividiu a cena com seus amigos Ry Cooder, Nick Lowe e Jim Keltner pela primeira vez. De lá para cá, vem gravando discos impecáveis, tanto para gravadoras grandes quanto para selos menores. “Dirty Jeans & Mudlide Hymns”, que acaba de sair do forno, não foge à regra. É mais uma bela coleção de canções, que alterna rocks fulminantes (“Damn This Town”, “Detroit Made”), baladas country delicadíssimas (“Til I Get My Lovin' Back”, “Adios To Califórnia”) e números com um leve toque soul (“I Love That Girl”, “I Don´t Wanna Leave You Now”). Alguns críticos torceram o nariz para a produção de Kevin Shirley, alegando que essas canções, por serem muito intensas, mereciam um approach mais contundente da parte dele. Eu, pessoalmente, não vejo nada de inadequado no tom sereno do disco. Para alguém que já cometeu muitas ousadias ao longo de sua carreira, John Hiatt tem todo o direito de apostar agora num público mais amplo para seu trabalho, até porque seu conjunto de obra é vigoroso demais para ser privilégio apenas de alguns iniciados. E por falar em vigor, o número de encerramento do disco, “When New York Had Her Heart Broke”, sobre o 11 de Setembro, é uma pequena obra prima do folk urbano, que reafirma John Hiatt como um compositor de primeira grandeza. “Dirty Jeans & Mudslide Hymns” serve para atestar isso mais uma vez.


















MATTHEW SWEET
MODERN ART
(Missing Piece Records)
Há exatos 20 anos, Matthew Sweet sacodia a cena musical com “Girlfriend”, um LP brilhante onde mesclava o power pop clássico do Badfinger e do Big Star com as guitarras dissonantes dos discípulos do Velvet Underground Richard Hell e Richard Quine. O resultado foi tão expressivo que, além de fazer de “Girlfriend” um dos 10 discos mais influentes da década de 1990, virou um “hard act to follow” para Matthew Sweet. Seus discos seguintes, por melhores que fossem, acabavam sempre ofuscados quando comparados à excelência de “Girlfriend”. É pouco provável que “Modern Art” consiga reverter esse quadro, apesar de ser, na minha opinião, seu melhor disco desde “In Reverse”, de 1999. Aqui, Matthew passeia por diversas sonoridades familiares em uma ótima coleção de canções novas – algumas bem grudentas, outras mais climáticas. Tem um pouco de tudo or aqui: blues (“Ladyfingers”), harmonias vocais à moda dos Byrds (“She Walks The Night”) e até uma homenagem muito inspirada, com um belíssimo trabalho de guitarra, a seu mentor Alex Chilton, falecido dois anos atrás (“A Little Death”). É um disco extremamente coeso e consistente, que ressalta mais uma vez o amadurecimento musical de Matthew Sweet como compositor, performer e band leader. “Modern Art” pode não tem o frescor quase juvenil de “Girlfriend”, mas vale por uma balzaquiana bem sarada. Um disco apetitoso e sem contra indicações.




















RICHARD BUCKNER
OUR BLOOD
(Merge Records)
Sejam bem vindos à primeira coleção de canções de Richard Buckner em seis anos. Aconteceu de tudo ao longo da gravação desse disco: primeiro um problema grave com o equipamento analógico em que Buckner gravou as bases, depois o roubo do laptop com as canções ainda não masterizadas, e, para completar, um indiciamento por suspeita de assassinato (que acabou dando em nada) pela polícia da cidadezinha onde mora, perto de Buffalo, NY. As encrencas parecem perseguir Richard Buckner. Seu universo sombrio resiste bravamente ao passar dos anos, sempre em flerte aberto com o trágico e o sublime. Os títulos das canções são curtos e grossos: “Traitor”, “Confession”, “Thief”, “Escape”, ‘Witness”. Como de hábito, Buckner toca todos os instrumentos, exceto o pedal steel (a cargo de Buddy Cage) e as maracas (por Steve Shelley, do Sonic Youth). Não há muito mais o que dizer, a não ser que “Our Blood” é um trabalho muito intenso e consistente, mas não deve conseguir ampliar o espectro de público de Richard Buckner. Seus velhos admiradores, no entanto, devem estar muito satisfeitos com seu retorno. Mas não felizes. Felicidade, definitivamente, é um tema inimaginável para o soturno Richard Buckner -- o Raymond Carver do rock and roll.




















RANDALL BRAMBLETT

THE MEANTIME
(New West Records)
Randall Bramblett é um dos artistas americanos mais completos dos últimos 35 anos. Músico de estúdio disputadíssimo, guitarrista, tecladista, saxofonista, compositor de mão cheia, dono de uma bela voz... são tantos os seus atributos que fica difícil entender o porquê de sua carreira solo ainda não ter decolado. O caso é que Randall não aparenta estar muito disposto a fazer concessões ao mercado -- apesar de seu trabalho estar longe de ser considerado “difícil”. Seus dois belos LPs solo gravados em meados dos anos 70 foram fiascos de vendas, mas forneceram as credenciais necessárias para que, entre uma sessão de estúdio e outra, ele fosse convidado para integrar bandas do porte do Sea Level e do Traffic, além de participar de jams com os Allman Brothers e o Grateful Dead. Sua carreira solo hibernou quase vinte anos, mas foi retomada em 2001 numa série impecável de discos para a New West Records, onde desfila seu blend de jazz, blues e pop classudo em canções delicadas, porém intensas, que fazem bonito no repertório de qualquer cantor ou cantora da cena atual. Nesse novo trabalho ele optou por comandar tudo no piano com o suporte do baixista Chris Englauser e do baterista Gerry Hansen, mais Amy Carlson no violino e na viola clássica. O resultado é extremamente climático, num padrão semelhante ao do trabalho atual de Ronnie Robertson, ex-The Band, que ganha uma dimensão de grande arte em números como “The Great Scheme Of Things” e “Disconnected”, ambos magníficos. Quer conhecer um grande artista, do mesmo porte de Donald Fagen e Bruce Hornsby? Anote aí, o nome dele é Randall Bramblett.




















JEFF BRIDGES
JEFF BRIDGES
(Blue Note Records)
Quem viu (e aprovou) Jeff Bridges interpretando o cantor country texano Bad Blake no filme “Crazy Heart”, e cantando canções de seu amigo e produtor T-Bone Burnett, com certeza vai vibrar com isso aqui. Apesar da Imprensa Musical estar saudando esse LP como o trabalho de estréia de Jeff Bridges, é na verdade seu terceiro disco – existe um outro gravado em 2000, não tão bom quanto este, que passou despercebido na época, além, é claro, da trilha sonora de “Crazy Heart”. A orientação musical desse álbum, no entanto, não segue a cartilha musical de cantores-compositores como Townes Van Zandt e Kris Kristofferson, como em “Crazy Heart”. Aqui as referências são mais roqueiras, e as canções mais encorpadas e sombrias. Jeff Bridges viaja bem num repertório parte autoral, parte escolhido por T-Bone Burnett, que chuta para vários lados, e tanto nos remete aos Everly Brothers (“What A Little Bit Of Love Can Do”) quanto ao Eric Clapton mais baladeiro (“Nothing Yet”) e ao country rasgado de Hank Williams Jr. (“How I Missed The Point”). É um disco admirável e muito envolvente, onde a voz pequena de Bridges passeia com segurança por uma paisagem musical esboçada sob medida para ele. É comum atores enveredarem por carreiras musicais por mera vaidade, ou então apenas para faturar uns trocados a mais. Não é o caso de Jeff Bridges. Sua carreira musical não só funciona, como é de uma dignidade artística à toda prova.

DISCOGRAFIAS

LPs JOHN HIATT
Hangin’ Around the Observatory (1974)
Overcoats (1975)
Slug Line (1979)
Tow Bit Monsters (1980)
All Of A Sudden (1982)
Riding With The King (1983)
Warming Up The Ice Age (1985)
Bring The Family (1987)
Slow Turning (1988)
Stolen Moments (1990)
Perfectly Good Guitar (1993)
Live At Budokan (1994)
Walk On (1995)
Little Head (1997)
Crossing Muddy Waters (2000)
The Tiki Bar Is Open (2001)
Beneath This Gruff Exterior (2003)
Master Of Disaster (2005)
Live From Austin TX (2006)
Same Old Man (2008)
The Open Road (2010)
Dirty Jeans & Mudslide Hymns (2011)

LPs MATTHEW SWEET
Inside (1986)
Earth (1989)
Girlfriend (1991)
Altered Beast (1993)
100% Fun (1995)
Blue Sky On Mars (1997)
In Reverse (1999)
Kimi Ga Suki (2001)
The Thorns (2003)
Living Things (2004)
Under The Covers Vol.1 (2006)
Sunshine Lies (2008)
Under The Covers Vol.2 (2009)
Modern Art (2011)

LPs RICHARD BUCKNER
Bloomed (1994)
Unreleased (1995)
Devotion + Doubt (1997)
Since (1998)
Richard Buckner (2000)
The Hill (2000)
Impasse (2002)
Dents & Shells (2004)
Sir Dark Invader vs The Fanglord (2005)
Meadow (2006)
Our Blood (2011)

LPs RANDALL BRAMBLETT
That Other Mile (1975)
Light Of The Night (1976)
See Through Me (1998)
Thin Places (2004)
Rich Someday (2006)
Now It's Tomorrow (2008)
The Meantime (2011)

LPs JEFF BRIDGES
Be Here Soon (2000)
Crazy Heart OST (2009)
Jeff Bridges (2011)


PORTA-RETRATOS

“Normalmente, não costumo compor quando estou na estrada. Fico muito tenso, são muitas preocupações para que nada dê errado, e é complicado ser criativo em momentos assim. Gosto mesmo é de compor relaxado em casa. Mas, de vez em quando, o songwriting angel me visita durante uma tournée e aí não tem jeito.” (John Hiatt)

“As canções do meu disco anterior foram compostas muito rapidamente. Levei mais tempo para gravá-las do que para compô-las. Já nesse disco novo aconteceu o oposto. Cada disco que fiz tem uma história própria. São padrões que nunca se repetem. (Matthew Sweet)

“Steve Earle, Kelly Willis e eu tivemos momentos terríveis na MCA Records. Aquilo lá é um verdadeiro depósito de idiotas com funções executivas. Que ironia: foi a única gravadora grande que me quis, e é a última no mundo com a qual desejo trabalhar no futuro.” (Richard Buckner)

“Às vezes dou Graças a Deus por não vender muitos discos. Assim, a gravadora não se mete no processo criativo e me deixa fazer o que quero. Quando trabalhava ao lado de Steve Winwood, eu via a pressão em torno dele para repetir o sucesso do disco anterior. Nunca quis passar por aquele sufoco. É muito desagradável. (Randall Bramblett)

“Estou com 61 anos. Não consigo imaginar uma idade melhor do que essa para iniciar uma nova carreira” (Jeff Bridges)

“Dois caras que me agradam muito na cena atual?
Ron Sexsmith e Jay Farrar (do grupo Son Volt).
Duas mulheres? P J Harvey e Liz Phair.
(John Hiatt)


“Essa coisa de ser um artista totalmente independente ainda me assusta um pouco. Dá uma sensação de desamparo. Fico com medo de não conseguir faturar o suficiente para conseguir bancar a hipoteca da minha casa, em Los Angeles, ou de arcar sozinho com um disco que venha a ser fiasco de vendas. Mas, apesar de todas essas pequenas fobias, até que estou me saindo bem, não posso reclamar. (Matthew Sweet)

“Meus álbuns quase sempre atraem confusões, e demoram para ficar prontos. Verdade seja dita: eu não sou uma pessoa fácil de se lidar. Mas sempre sei onde quero chegar. Só me atrapalho um pouco no como chegar” (Richard Buckner)

“Gosto de trabalhar na Geórgia, onde morei quase minha vida inteira. Já tentei viver em Los Angeles e em Nova York. Não me acertei nesses lugares. Tentei morar em Nashville e quase enlouqueci. Meu lugar é em Atlanta, mesmo. (Randall Bramblett)

“Se alguma idéia maluca fica parada na minha cabeça por algum tempo, não tem jeito: tenho que colocá-la em prática de alguma maneira. Foi assim com esse disco. Por sorte, tive o apoio integral de T-Bone Burnett nessa empreitada.” (Jeff Bridges)


AMOSTRAS GRÁTIS
JOHN HIATT


AMOSTRAS GRÁTIS
MATTHEW SWEET




AMOSTRAS GRÁTIS
RICHARD BUCKNER



AMOSTRAS GRÁTIS
RANDALL BRAMBLETT



AMOSTRAS GRÁTIS
JEFF BRIDGES


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