sexta-feira, agosto 12, 2011

CINCO ADORÁVEIS DAMAS DO JAZZ QUE VIVEM SASSARICANDO POR OUTRAS VIZINHANÇAS MUSICAIS (por Chico Marques)

Há muitos e muitos anos, desde o tempo em que existia algo chamado "Indústria Fonográfica", o Universo da Música Gravada convive com o mais terrível de todos os dilemas mercadológicos: "Segmenta-te, ou te devoro".

Por mais que a opção pela segmentação parece ser sempre a opção mais lógica a se tomar, é inegável que ela limita o público de qualquer artista e reduz o alcance de seu trabalho musical.

Até por isso, optar pela segmentação nunca é uma decisão fácil.

Tanto que, de tempos em tempos, grupos de artistas se rebelam contra os excessos da segmentação de mercado na cena musical, e resolvem dar umas braçadas no sentido contrário, só para ver se chegam a algum lugar.

Nos anos 1970, cantoras de muito sucesso como Linda Ronstadt e Bonnie Raitt abriram o leque de seus repertórios de forma tão extrema que o pessoal da Billboard levava sempre uma surra a cada tentativa de definir de que gênero musical elas eram, afinal.

Mais adiante, no início dos anos 1990, todo o pessoal desalinhado da cena country e da cena roqueira americana resolveu se unir e seguir na contramão desse movimento de segmentação, fazendo valer a nova classificação "Americana" -- uma espécie de rótulo feito sob medida para driblar classificações --, que acolhia tanto gente da cena do roots rock quanto das diversas frentes da country music que não seguiam a cartilha careta de Nashville.

Com essa nova classificação, muitas rádios ampliaram seus perfis de programação, muitos artistas que não conseguiam promover seus trabalhos encontraram canais de divulgação eficazes e ninguém precisou mais perder tempo se justificando porque seu trabalho é assim e não assado naqueles press-releases que quase ninguém lê.

Então, no início dos anos 2000, um fenômeno semelhante aconteceu na cena jazzística.

Primeiro, a jovem pianista e band leader canadense Diana Krall emplacou internacionalmente o LP "When I Look In Your Eyes", onde mesclava vários estilos numa moldura musical de West Coast Jazz, que ela comandava com sua voz pequena, sensual e extremamente envolvente -- que, diga-se de passagem, acabou virando um exemplo a ser seguido por outras canoras e pianistas de jazz.

Em seguida, Norah Jones conseguiu emplacar seu álbum de estréia nos primeiros postos da Billboard, permanecendo por lá durante várias semanas de 2002. "Come Away With Me" foi saudado como o disco crossover por excelência. Muito delicado, mesclando jazz, pop, rock and roll, country e folk em doses homeopáticas, resultando numa coleção de canções sutil e muito bem integrada -- que, claro, também acabou sendo considerada um exemplo a ser seguido por muitos, da cena jazzística ou não.

As cinco artistas do nosso cardápio musical dessa semana souberam tirar proveito dessas mudanças no mercado, tanto que seus trabalhos conseguem atingir admiradores muito distantes dos jazzófilos habituais.

Madeleine Peyroux e Stacey Kent, por exemplo, surgiram e rapidamente se firmaram como estrelas ascendentes nesse mesmo cenário musical, apesar de trabalharem estilos diametralmente opostos.

Diane Schuur e Eliane Elias já eram veteranas, mas mesmo assim aproveitaram a oportunidade e se miraram no sucesso de Diana Krall para ampliar o foco musical de seus trabalhos.

E Tara O'Grady... bem, Tara O'Grady está chegando agora, acaba de lançar seu segundo disco, mas é uma novata que ainda deve dar muito o que falar.

Vamos a elas:




















MADELEINE PEYROUX
STANDING ON THE ROOFTOP
(Decca Records)
Mais cedo ou mais tarde, Madeleine Peyroux iria ter que se livrar do estigma – que lhe serviu muito bem em termos mercadológicos numa etapa inicial de sua carreira – de ser uma espécie de Billie Holiday reencarnada. Os primeiros passos nesse sentido foram dados dois anos atrás, no LP “Bare Bones”, seu primeiro só com composições próprias, produzido pelo baixista e grande arranjador Larry Klein. Agora, com esse novo “Standing On The Rooftop”, o processo de consolida. Sereno e modernoso, com o suporte luxuosíssimo de músicos como o guitarrista Marc Ribot e a baxista Me´Schell Ndegeocello, é um disco precioso, com canções muito intensas e twangs extremamente climáticos nos arranjos de guitarra. Por insistência da Decca Records, Madeleine incluiu no repertório de “Standing On The Rooftop” três covers, mas, curiosamente, nenhum deles lembra Billie Holiday. Sua releitura para “Love In Vain”, de Robert Johnson, é ousada e etérea, e deve deixar alguns puristas do blues bastante irritados. Já “I Threw It All Away”, de Bob Dylan, lembra bastante a gravação original do LP “Nashville Skyline”, só que com um arranjo de guitarras com tonalidades mais abertas. E na faixa de abertura do disco, “Martha My Dear”, de Lennon & McCartney, Madeleine canta num tom mais alto que o habitual, e numa levada mais discursiva, lembrando um pouco Rickie Lee Jones. Gostem ou não, esta é Madeleine Peyroux versão 2011. Toureando bravamente as armadilhas do mercado e se firmando a cada disco como uma artista original.




















TARA O’GRADY

GOOD THINGS COME TO THOSE WHO WAIT
(Merge Records)
Tara O’Grady parece, à primeira vista e à primeira audição, boa demais para ser verdade. Cantora, compositora, dona de uma physique-du-role que lembra Elisabeth Taylor aos vinte e cinco anos de idade, essa novaiorquina de origem irlandesa trafega com pelo jazz, pelo blues, pelo country e pelo folk irlandês com a naturalidade de quem está passeando pelos corredores de um supermercado. “Good Things Come To Those Who Wait” é seu segundo LP, e só não é uma surpresa porque a surpresa ficou a cargo de seu disco de estréia, “Black Irish”, do ano passado, premiadíssimo. Nesse novo trabalho ela arrisca mais composições próprias, que acabam compondo seqüências musicais deliciosas com alguns clássicos escolhidos a dedo, como o tradicionalíssimo spiritual “Trouble In Mind”. Todo gravado em Nashville com sua banda novaiorquina acrescida de alguns músicos locais, “Good Things Come For Those Who Wait” é um triunfo artístico que merece ter conhecido pelo grande público, apesar de vir por um selo bem independente. Imaginem Madeleine Peyroux ligada em 220 Volts e com jeitão de quem acaba de escapar de um musical de Vincent Minelli. Tara O’Grady é mais ou menos isso por aí.




















STACEY KENT

HUSHABYE MOUNTAIN
(Candid Records)
A essa altura do campeonato, todo mundo já conhece bem Stacey Kent. Desde seus primeiros LPs ao lado de seu ex-marido, o saxofonista Jim Tomlinson, vinte anos atrás em Londres, até os recentes elogios rasgados do ator e pianista da jazz Clint Eastwood, a delicadeza da voz de Stacey e seu fraseado incomparável vem ganhando adeptos pelo mundo todo. Nada mal para essa bela novaiorquina de 46 anos que pretendia estudar literatura e teatro, e acabou cursando canto apenas para aprender a modular melhor sua voz. Depois de uma sequência de discos muito bem concebidos e muito bem recebidos pelo público, Stacey traz nesse “Hushabye Mountain” um repertório de lullabyes extremamente climáticos, quase todos adaptados de baladas do Great American Songbook. “Too Darn Hot”, por exemplo, ficou com jeitão de canção infantil. “Thou Swell” virou quase blues. E “It Might As Well Be Spring” finalmente assumiu sua porção bossanovística. Cá entre nós: qual marmanjo não gostaria de dormir com a cabeça no colo de Stacey Kent enquanto ela canta suavemente “All I Do Is Dream Of You”? Desde já, o melhor disco de jazz vocal deste ano. E também o melhor disco de ninar adultos que eu já tive o prazer de escutar.




















DIANE SCHUUR

THE GATHERING
(Welk Records)
Existem cantoras que vagam anos e anos oscilando entre o jazz e o pop sem rumo e sem uma identidade musical bem definida. Diane Schuur é uma delas. Apadrinhada pelo saxofonista Stan Getz nos anos 80, que a apresentou ao mercado como "a nova Dinah Washington", Diane, que também é pianista, foi testada em vários fronts musicais, mas não conseguiu ser superlativa em nenhum deles, e acabou meio escanteada, buscando refúgio em discos mais pop. Mas então, eis que, de repente, ela decide gravar um disco de baladas country de Nashville com o sotaque soul de Memphis e descobre um novo rumo para sua carreira. Verdade seja dita: Diane Schuur pecou muito pelos excessos nos “vocaleses” em seus primeiros discos. Queria soar negra a todo custo. Era irritante. Hoje, ela sabe que menos é mais, e esse recente “The Gathering” é a prova disso. Aqui, ela segue a fórmula clássica de Ray Charles quando gravou aquela série de discos country magníficos para a ABC Paramount. As regras a ser seguidas são muito claras. Nada de excessos vocais, pois as canções já são melosas demais. Nada de exageros nos arranjos, quanto mais serena a interpretação, melhor´. A graça desse tipo de projeto musical consiste justamente em cantar essas canções sem as inflexões vocais comuns a quase todos os cantores country. Pois não é que Diane Schuur tirou tudo isso de letra? Artistas bem maiores que Diane Schuur como Etta James e Irma Thomas já gravaram discos assim, como “The Gathering”. Mas nenhuma delas fez isso de forma tão acertada quanto Diane Schuur acaba de fazer. Um disco surpreendente.




















ELIANE ELIAS
LIGHT MY FIRE
(Concord Records)
Eliane Elias tem um histórico de carreira magnífico. Menina prodígio, saiu de São Paulo para Nova York aos 17 anos e logo se enturmou num time exclusivíssimo de músicos, composto pelos irmãos Michael & Randy Brecker e pelo vibrafonista Mike Mainieri, e participando do grupo instrumental Steps Ahead, que fez muito sucesso nos anos 80. Paralelo a isso, ela gravou discos magníficos, onde se alternava como pianista e cantora, sempre com um repertório cosmopolita e com um forte sotaque musical brasileiro. De uns anos para cá, no entanto, Eliane, por razões de mercado, tem insistido mais em seu trabalho vocal. “Light My Fire” é, certamente, seu melhor disco como cantora até o momento. Sua voz suave, delicada, permite scats em tom menor extremamente climáticos. Seus dois duetos com Gilberto Gil – “Aquele Abraço” e “Toda Menina Baiana” – soam perfeitos, pois equilibram bem as atuais limitações vocais de Gil com a voz smooth de Eliane. Sua versão do clássico dos Doors, “Light My Fire”, lenta e climática, soa tão original e bem resolvida que nem parece uma canção que já recebeu tantas regravações. E sua releitura bossanovística para “My Cherie Amour” revela uma delicadeza e um requinte melódico que, definitivamente, não existiam nos planos originais do autor Stevie Wonder. Além de tudas as qualidades de "Light My Fire", é uma surpresa muito agradável ver Eliane Elias, que sempre foi uma mulher muito bonita, não tendo medo de esbanjar sensualidade depois anos e anos brigando para ser levada a sério. You Go, Girl!

DISCOGRAFIAS

LPs MADELEINE PEYROUX
Dreamland (1996)
Careless Love (2004)
Half The Perfect World (2006)
Bare Bones (2009)
Standing On The Rooftop (2011)

LPs TARA O'GRADY
Black Irish (2010)
Good Things Come To Those Who Wait (2011)

LPs STACEY KENT
Love Is The Tender Trap (1999)
Let Yourself Go: Celebrating Fred Astaire (2000)
Dreamsville (2001)
In Love Again (2002)
Tender Trap (2002)
Christmas Song (2003)
The Boy Next Door (2003)
Shall We Dance (2004)
The Lyric (2006)
Breakfast On The Morning Tram (2007)
Raconte-Moi (2010)
Hushabye Mountain (2011)

LPs DIANE SCHUUR
Deedles (1985)
Schuur Thing (1985)
Timeless (1986)
Talkin' About You (1988)
Pure Schuur (1991)
In Tribute (1992)
Love Songs (1993)
Heart To Heart ('1994)
Love Walked In (1995)
Blues For Schuur (1997)
Music Is My Life (1999)
Friends For Schurr (2000)
Swingin' Schuur (2011)
Swingin' For Schuur (2001)
Midnight (2003)
Schuur Fire (2004)
Live In London (2005)
Some Other Time (2008)
The Gathering (2011)

LPs ELIANE ELIAS
Amanda (1986)
So Far So Close (188)
Crosscurrents (1989)
Eliane Elias Plays Jobim (1989)
A Long Story (1991)
Illusions (1991)
Fantasia (1992)
Paulistana (1993)
Solos & Duets (1994)
The Three Americas (1996)
Eliane Elias Sings Jobim (1998)
Everything I Love (2000)
Kissed By Nature (2002)
Winds Is Like Jobim (2004)
Dreamer (2004)
When You Wish Upon A Star (2006)
Around The City (2006)
Eliane Elias Sings & Plays Bill Evans (2008)
Bossa Nova Stories (2008)
Light My Fire (2011)

PORTA-RETRATOS

“Não acho que meu público seja conservador. Acho importante estar sempre experimentando idéias novas e trazendo novas facetas da minha personalidade musical nos discos que gravo e nos shows que faço". (Madeleine Peyroux)

“Sou fascinada por Audrey Hepburn. Adotei esse visual em homenagem a ela. Gosto de subir ao palco nesses vestidos maravilhosos, e com esses penteados de época." (Tara O'Grady)

“Resisiti muito à idéia de me tornar cidadã inglesa. Não queria ficar presa a lugar algum. Londres era minha base porque era conveniente morar lá -- além do mais, era fácil sair de lá e chegar rapidamente a qualquer ponto da Europa. Mas fui ficando na cidade e não teve jeito: acabei me apaixonando, e hoje me sinto mais londrina que novaiorquina." (Stacey Kent)

“Quando criança ouvia muito Doris Day e Nat King Cole, pois minha mãe adorava os dois. Então um dia escutei Miles Davis e John Coltrane e a partir daí tudo mudou para mim." (Diane Schuur)

“Comecei a tocar piano aos 7 anos, aos 11 já estava familiarizada com todos os standards de jazz, aos 13 fui admitida na Escola de Música mais prestigiada do Brasil, e aos 15 já estava formada e lecionando." (Eliane Elias)

“Continuo sendo a mesma cantora que eu era quando adolescente, sempre crescendo com a música, venha ela de onde vier." (Madeleine Peyroux)

“A idéia de gravar Trouble In Mind vem da minha admiração incondicional por Nina Simone. Acho que essa música, que foi gravada por tanta gente, no fundo no fundo pertence a ela". (Tara O'Grady)

“Eu me sinto tão próxima da música de James Taylor, Carole King e do Crosby Stills Nash & Young quanto de Ella Fitzgerald e Carmen McRae. Minha postura musical é absolutamente eclética" (Stacey Kent)

“Minha maior influência é Dinah Washington. Adoro aquele jeito classudo de cantar dela." (Diane Schuur)

“Me apaixonei pela música muito cedo, e o fato de vir de uma família musical facilitou bastante o meu desenvolvimento como pianista. Tudo o mais eu credito ao acaso e à sorte.” (Eliane Elias)

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