sexta-feira, agosto 31, 2012

JOEY DEFRANCESCO E LARRY CORYELL RESGATAM UMA GRANDE TRADIÇÃO DO JAZZ


Joey DeFrancesco é uma das figuras mais curiosas da cena jazzística da Costa Leste americana.

Filho do lendário organista Papa John DeFrancesco, que tocou muito tempo com os Irmãos Dorsey e também com algumas das figuras mais vibrantes do bebop nos anos 40, 50 e 60, ele descobriu o Hammond B-3 ainda criança e decidiu seguir os passos de seu pai, que o escolou ainda adolescente na cena jazzística da Philadelphis e da Tri-State Area, composta pelos Estados de New Jersey, New York e Connecticut;

Por conta disso, seu estilo oscila entre o soul e o blues jazzificados de Jimmy Smith e Les McCann e o bebop desenfreado de Larry Young.

Graças a toda essa versatilidade, Joey DeFrancesco conseguiu promover um verdadeiro renascimento na utilização do Hammond B-3 no jazz -- isso numa época em que parecia haver espaço apenas para pianistas ou então pilotos de sintetizadores e emuladores de outros instrumentos.



Sua carreira, tanto como artista solo quanto como sideman, já tem quase 25 anos, e é extremamente bem sucedida.

Sempre teve predileção por trabalhar com guitarristas, e seus parceiros mais contumazes tem sido craques do gabarito de John McLaughlin, Pat Martino e John Scofield, sem contar o saudoso Danny Gatton.

Seus discos recentes para a Concord e para a High Note alternam projetos totalmente originais, com canções próprias, com discos tributo com releituras muito inusitadas para as obras de artistas tão díspares quanto Frank Sinatra, Horace Silver e, pasmem, Michael Jackson.

Acredite: são todos muito interessantes, e altamente recomendáveis.


"Wonderful! Wonderful!", o mais recente deles, é, no mínimo, surpreendente, pois reúne DeFrancesco com dois veteranos gabaritadíssimos: o guitarrista Larry Coryell e o baterista Jimmy Cobb.

Juntos, eles passeiam de forma extremamente descontraída por um repertório que alterna clássicos do jazz -- como "Five Spot After Dark" (de Benny Golson), "Wagon Wheels" (de Sonny Rollins) e "Solitude" (de Duke Ellington) -- com canções melosas de décadas pessadas, como "Love Letters", grande sucesso de Nat King Cole, e a faixa título, clássico do repertório de Johnny Mathis.

A combinação soa um pouco indigesta à primeira vista, mas funciona.

E isso acontece em parte graças ao ecletismo de Coryell, que desfila com uma guitarra semi-acústica limpa e totalmente straight-ahead, à moda de seus mestres Charlie Christian e Barney Kessel, que fornece o contraponto perfeito aos ataques de Joey nas teclas de seu Hammond B-3.



O que mais impressiona em "Wonderful! Wonderful!" é que, por mais excessivos que possam parecer os diálogos guitarra-órgão entre Coryell e DeFrancesco, em momento algum eles soam cansativos, graças ao ecletismo do repertório e à estranha -- e especialíssima -- combinação de talentos desse trio.

Só por curiosidade, acabo de escutar o disco de Joey deFrancesco com Danny Gatton, gravado 20 anos atrás, e é inegável como essa mesma brincadeira, que já vem daqueles tempos, amadureceu e ganhou proporções espetaculares ao longo do anos.

Portanto, se você gosta do som casado do Hammond B-3 com a guitarra no jazz, e não escuta um bom disco com esse perfil há muito tempo, prepare-se para embarcar num resgate emocional irresistível de uma das tradições mais gloriosas do jazz.

Acredite: o nome "Wonderful! Wonderful!" não é nenhum exagero no caso desse LP.



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quarta-feira, agosto 29, 2012

THE BLASTERS ESTÃO DE VOLTA COM UM LP VIBRANTE, COMO NOS VELHOS TEMPOS.


Certas bandas são tão boas, mas tão boas, que nunca deveriam ter o direito de sair de cena.

É o caso dos californianos The Blasters

Quando apareceram no final dos anos 70 em Downey, California, nas vizinhanças da Disneylandia, eles logo se afirmaram como a banda-cavalo de rhythm and blues favorita de nove em cada dez artistas clássicos de blues e rhythm and blues em tournée pelo Sul da California.

The Blasters eram então o cantor Phil Alvin, o guitarrista Dave Alvin, o baixista John Bazz e o baterista Bill Bateman: um quarteto infernal que estreou em 1980 com um disco de rock and roll e rhythm and blues demolidor para o selo de blues Hightone Records.

O nome do disco era "American Music", vendeu apenas duas mil cópias, mas foi ouvido pelas pessoas certas e rendeu à banda um contrato bem generoso com a Slash-Warner Bros, onde gravaram 3 LPs espetaculares na primeira metade dos anos 80, repletos de canções brilhantes dos irmãos Phil e Dave Alvin

Apesar de todo o prestígio e todo o sucesso que alcançaram nesse período, os Blasters viviam às turras. Daí, não foi surpresa para ninguém quando, em 1985, Dave anunciou que partiria para uma carreira solo. Logo em seguida, cada um dos outros 3 integrantes da banda também seguiu seu caminho.



Para surpresa geral, a carreira solo de Phil Alvin foi um fiasco.

Já a de Dave Alvin acabou saindo melhor que a encomenda.

Dave, que entrava mudo e saía calado dos shows e discos dos Blasters, acabou se revelando um cantor extraordinário e um artista extremamente vital na cena musical independente dos anos 90 para cá, com mais de dez discos gravados, todos de altíssimo gabarito.

Coube a Phil Alvin tentar ressucitar os Blasters originais, e ele bem que tentou diversas vezes. Só que a agenda de seu irmão Dave estava sempre cheia de compromissos com sua própria banda, o que inviabilizava empreitadas desse tipo.

Em 2002, no entanto, surgiu uma chance dos quatro integrantes originais dos Blasters emplacarem uma tournée de retorno, e lá foram eles novamente, de encontro aos velhos admiradores da banda.

Mas, infelizmente, a idéia não prosperou para a realização de um novo álbum de estúdio, pois Dave já tinha um disco solo gravado só aguardando lançamento e várias datas de tournée com sua banda esperando por ele.

Mesmo assim, por teimosia, o cantor Phil Alvin não desistiu da idéia de reunir os Blasters, mesmo sem Dave Alvin. Gravou em 2004 um disco de estúdio entitulado "4-11-44", onde usava o nome The Blasters, mas não trazia nenhum dos integrantes originais da banda.

Mesmo sendo agradável, e capaz de lembrar o vigor original dos Blasters, "4-11-44" foi uma decepção para os velhos fãs da banda, que não conseguiram reconhecer neste novo grupo o glorioso quarteto de roots rock e blues turbinado que marcou suas vidas no início dos anos 80.


Mas agora, com esse novo disco, "Fun On A Saturday Night", a história é diferente.

Temos aqui, finalmente, os Blasters originais -- menos o guitarrista Dave Alvin, substituído pelo truculento mas eficaz  Keith Wyatt -- reunidos num projeto onde passeiam por um repertório clássico de country, blues e rhythm and blues impecável em todos os sentidos, misturados com apenas duas composições originais de Phil Alvin.

É uma salada dos diabos, que inclui desde "Jackson", sucesso da dupla Johnny Cash & June Carter, até "Please Please Please", de James Brown -- mas que funciona muito bem, e tem a ousadia e o som clássico dos discos iniciais dos Blasters.

Portanto, preparem-se pois dessa vez a alquimia finalmente funcionou, e os Blasters voltaram a soar não apenas convincentes, mas também vibrantes e eletrizantes.

"Fun On A Saturday Night" não só merece a sua atenção como pode salvar seu próximo sábado à noite.



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O CASAL SUSAN TEDESCHI E DEREK TRUCKS MOSTRA MAIS UMA VEZ A QUE VEIO





Susan Tedeschi e Derek Trucks já estão no ramo musical há mais de 20 anos.

Susan, 42 anos de idade, segue uma carreira bem sucedida desde que montou sua primeira banda de blues em 1991 em Boston, onde nasceu. Seu timbre vocal levemente rouco e meloso cai como uma pluma tanto para as baladas quanto para os números de rhythm & blues de seu repertório. Seu toque na guitarra -- em particular, sua técnica no uso do bottleneck -- lembra um pouco Bonnie Raitt, sua mentora musical, e suas habilidades como compositora nao são nem um pouco desprezíveis, muito pelo contrário.

Já seu marido Derek, 33 anos de idade, criado na Florida, é um caso à parte, Prodígio da guitarra desde os 12 anos e sobrinho do baterista Butch Trucks da Allman Brothers Band, Derek sempre conviveu com a banda e com os músicos veteranos que se habilitavam a participar de jams ao lado deles. Com isso, atingiu a maturidade musical muito jovem, e aos 18 já mostrava claramente em seu disco de estréia estar pronto para o que desse e viesse. A partir de 2001, substituiu Richard Betts na Allman Brothers Band, ajudando a banda a deixar de lado seu lado country-rock para se assumir de uma vez por todas como a jam-band número 1 da America. Mesmo ocupadíssimo, prosseguiu com uma carreira solo vitoriosa nos intervalos das tournées dos Allmans.

Desde que Derek e Susan se casaram, eles vêm excursionando juntos sempre que possível. Em diversas ocasiões, a banda de Susan uniu forças com a banda de Derek, formando um ensemble com mais de 10 integrantes no palco, e o resultado sempre foi muito satisfatório para todos os envolvidos.

E então, um belo dia, Derek propôs a Susan fazer das duas bandas uma única unidade, e acrescentar uma sessão de metais bem poderosa, mais ou menos nos moldes da lendária banda de rhythm & blues do final dos anos 60 Delaney & Bonnie & Friends, do casal Delaney & Bonnie Bramlett.

Susan topou no ato, e então surgiu em 2010 a Tedeschi-Trucks Band, com nada menos que onze integrantes, que caiu imediatamente na estrada testando repertório e, assim que sentiu que estava com tudo no seu devido lugar, entrou em estúdio e gravou sem demoras o seu primeiro disco, "Revelator" -- que faturou um Grammy, depois de marcar presença na maioria das listas de melhores discos do ano passado.


Para seu segundo disco, a Tedeschi-Trucks Band achou melhor nem entrar em estúdio. Optou por capturar o som da banda ao vivo em sua segunda tournée. O resultado foi esse álbum duplo fenomenal, "Everybody's Talkin'",onde a banda mostra definivamente a que veio.

Se antes, à frente de seu quarteto, Susan podia trafegar pelos mais diversos gêneros, aqui a coisa fica mais restrita aos blues ritmados e às baladas.Só que, no entanto, a maneira como Susan se posiciona perante esse repertório, e também perante a massa sonora disparada pela banda, é muito mais intensa e incisiva. Quase heróica, eu diria.

O ouvinte já é fisgado logo de cara por uma versão bem à moda de Memphis da clássica "Everybody's Talkin'", de Fred Neil, gravada por Harry Nilsson para a trilha sonora do filme "Midnight Cowboy", em 1969.

O que vem daí pra frente é nada menos que uma explosão de suingue e tesão de palco, que aparece intensamente tanto em canções delicadas como "Darling Be Home Soon", de John Sebastian, quanto em bluesaços como "Rollin' and Tumblin'", de Muddy Waters. .

As guitarras de Derek e Susan, sempre tinindo, estão perfeitamente integradas com a banda. Quando os dois solam prolongadamente, levando alguns números musicais a 10 ou 12 minutos de duração, fazem isso sempre dentro de um contexto em que todos os integrantes da banda participam de alguma maneira.

Em outras palavras: você jamais irá ver um músico ocioso ou fora de contexto nos impprovisos da Tedeschi-Trucks Band.


Por quanto tempo essa brincadeira suingada de big-band de rhythm and blues da Tedeschi-Trucks Band vai durar, é um mistério.

Pode ser que Susan e Derek cansem disso depois de algumas tournées e decidam retomar suas carreiras solo para desenvolver projetos pessoais.

Aconteça o que acontecer, o momento atual dos dois é simplesmente magnífico, portanto não deixem de acompanhar os vôos musicais deliciosos dessa banda implacável.

Tanto "Revelator" quanto "Everybody's Talkin'" merecem um lugar de destaque na sua discoteca.




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segunda-feira, agosto 27, 2012

OS 4 SHOWS DE ADEUS DE STAN GETZ NO CAFÉ MONTMARTRE, KOPENHAGEN, 1991


Stan Getz foi uma dos maiores galãs da história do jazz. Poucas resistiram aos encantos de seu sax tenor em seus anos de glória. Ele passou o rodo impiedosamente nas mulheres mais interessantes de sua época -- todas elas presas fáceis do ataque manso de seu sopro.

Dono de um estilo sereno e introspectivo demais para a era do bebop, Getz foi um dos pioneiros do cool jazz e foi o maior incentivador da bossa nova nos Estados Unidos através do clássico (e milionário) LP "Getz Gilberto", gravado ao lado de João Gilberto e Tom Jobim, que explodiu nas paradas mundiais com Astrud Gilberto cantando "The Girl From Ipanema".

Mas de sereno e introspectivo, Getz só tinha o sopro. Sua vida era completamente caótica, desde os anos 40, quando se envolveu com heroína. Getz, pouco a pouco, foi virando um junkie pesado. E sempre que tentou controlar sua dependência química pela heroína caiu de cabeça no alcoolismo. Foi parar na cadeia diversas vezes. Sossegou um pouco em 1956, quando casou, virou pai e foi morar em Kopenhagen. Mas poucos anos depois lá estaria ele de volta à estrada, ao álcool, às drogas pesadas e à putaria que ele tanto amava.

O auge de sua carreira foi nos anos sessenta, nos discos impecáveis e nada óbvios que gravou para Norman Granz, da Verve Records, com suas clássicas aventuras bossanovísticas, os duos magistrais com o amigo Bill Evans, e experimentos mainstream com orquestras -- como o belo LP onde interpreta brilhantemente canções de Burt Bacharach, execrado por seus fãs na época, mas considerado hoje um pequeno clássico do jazz crossover.


Em Março de 1991, em Kopenhagen, Getz e seu amigo e pianista Kenny Barron decidiram fazer algumas apresentações em duo no Cafe Montmartre, de cujo palco Getz era habituée há mais de 20 anos.

Tocaram sem baixo e bateria, e se divertiram um bocado em 4 noites bem relaxadas, onde Getz saia completamente sem fôlego após cada número, pois -- só ele sabia disso, então -- estava sofrendo de cancer no fígado e tinha pouco tempo de vida pela frente.

Getz morreu naquele mesmo ano, e logo após sua morte alguns números dessas 4 sessões ao vivo com Kenny Barron foram lançados no álbum duplo "People Time", eleito recentemente pela revista JazzTimes um dos discos mais importantes da história do jazz, e uma despedida emocionante de um dos maiores sax tenores da história do jazz.
Pois bem, a Warner Bros Records decidiu reunir no ano passado a íntegra dessas quatro noites em que Getz e Barron tocaram em duo no Montmartre, e transformou o álbum duplo original de "People Time" em uma caixa com 7 cds, acrescentando às 14 faixas do disco original outras 37.

E essa caixinha preciosa, surpreendentemente, acaba de ser lançada no Brasil.

Além de takes alternativos para o repertório original de "People's Time" foram acrescentadas maravilhas como "Con Alma", "Bouncin' With Bird", "The End Of A Love Affair", "You Stepped Out Of A Dream" e ainda "The Autumn Leaves" and "Wish You Love", em versões nada menos que magníficas. Difícil achar adjetivos menos eloquentes que esses para definir esse grande momento da história do jazz.

Para alguns, essa versão expandida de "People's Time" pode parecer um exagero. E é, com toda a certeza. Mas faz parte das homenagens aos 20 anos de falecimento de Getz -- e, até onde se sabe, nenhum de seus admiradores reclamou desse exagero até agora, muito pelo contrário.


O pessoal da Bossa Nova é muito grato a Stan Getz pelas portas que ele abriu para músicos brasileiros. É sempre bom lembrar que Getz já era um artista consagrado quando aceitou contracenar com todos aqueles ilustres desconhecidos

E mesmo fazendo pequenas cachorradas -- como aumentar o sinal de seu tenor no mix final de "Getz Gilberto", e outros discos gravados em colaboração com outros artistas, sempre sem consultá-los --, Getz conseguiu separar bem o tumulto de sua vida pessoal de sua carreira musical, mantendo sempre um senso de profissionalismo raro no showbiz .

A paz absoluta que emana de "People's Time" é a evidência maior de que Getz estava feliz nessas quatro noites, celebrando a vida e se despedindo dela com galhardia.

E é por essas e outras que "People's Time" funciona como um testamento musical digno desse músico gigantesco e de seu talento assombroso.


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domingo, agosto 26, 2012

PARA PRESIDENTE, VOTE EM RY COODER


Ao longo de mais de 45 anos de carreira, o cantor e guitarrista californiano Ry Cooder tem sido uma espécie de Indiana Jones do revisionismo musical, investigando incansavelmente as mais diversas manifestações musicais americanas com uma atitude aparentemente acadêmica, mas, na verdade, profundamente arrojada e aventuresca.

Seu início de carreira, no entanto, foi bastante errante. Começou com seu nome verdadeiro, Ryland Cooder, à frente do grupo de blues Native Sons na segunda metade dos anos 60, onde dividiu a cena com dois outros grandes exploradores musicais: Taj Mahal e Jesse Ed Davis. Poderia ter sido a primeira banda de blues multi-racial da história, com um guitarrista branco, um negro e um índio. Mas, infelizmente, os Native Sons implodiram antes mesmo de lançar um primeiro disco, apesar de ter deixado mais de 20 canções gravadas para a Columbia -- que optou por regravar números da banda nos álbuns de estréia de Taj Mahal e Jesse Ed Davis.

A reputação de Ry Cooder como mestre da guitarra e iconoclasta musical já corria por Los Angeles, e, graças a Leon Russell e Nicky Hopkins, chegou aos ouvidos dos Rolling Stones, que, depois de trabalhar com os ingleses Eric Clapton e Jimmy Page no fabuloso "Beggars' Banquet", estavam interessados em gravar com músicos americanos. Resultado: as participações de Cooder em "Let It Bleed" e "Sticky Fingers" resultaram em momentos tão intensos e marcantes que lhe renderam um contrato privilegiadíssimo, com liberdade total de criação, na Warner Bros Records -- contrato esse endossado pelos tarimbados produtores da casa Lenny Waronker e Russ Titelman.



Já em seu primeiro disco, "Ry Cooder", de 1970, ele uniu forças com músicos de primeira linha de Los Angeles e mergulhou num revisionismo musical mesclando blues com folk music de uma maneira bem peculiar e nada tradicionalista. Seus trabalhos seguintes, "Boomer´s Story" e "Into The Purple Valley", foram mais fundo ainda nessas investigações sobre o passado, sempre com uma atitude bem moderna. Já os posteriores "Paradise And Lunch" e "Chicken Skin Music" já seguiram uma atitude musical diferente, mesclando blues, tex-mex e música havaiana de forma jamais realizada anteriormente, com um toque de gênio.

A partir de 1975, Cooder deixou sua carreira como artista solo um pouco de lado e começou a se envolver em projetos extremamente conceituais de resgate musical, como em "Jazz" e "Buena Vista Social Club". Paralelo a isso, se especializou em compor trilhas sonoras para o cinema, algumas já clássicas como as de "The Long Riders", "Streets Of Fire", "Crossroads" e "Paris, Texas".

De uns dez anos para cá, no entanto, Cooder  decidiu reduzir  sua produção e reinventar o formato de seus discos conceituais, trocando os temas musicais quase acadêmicos por elementos literários e, de certa forma, se reinventando como compositor. Foi assim com o vibrante “Mambo Sinuendo”, com o magnífico “Chavez Ravine”, e com os inusitados “My Name Is Buddy” e “I, Flathead ” -- todos brilhantes, cada um à sua maneira.

Até que, ano passado, Cooder ressurgiu com um disco bem urgente, de protesto, que surpreendeu a todos os que estão acostumados com seus discos perenes e bem acabados. onde ele atualizando a proposta de trabalho original de Woody Guthrie, chamado “Pull Up Some Dust And Sit Down”


Pois ele agora retorna com mais um disco nessa mesma levada: “Election Special”, uma crônica muito bem humorada das campanhas à Presidencia da República deste ano, surpreendendo a todos que estão acostumados .

O candidato bilionário Mutt Romney já sai levando pancada logo na abertura do disco, na irônica 'Mutt Romney Blues". Daí por diante, os temas do momento vão passando pelas canções, desde os levantes contra a Wall Street, passando por Guantanamo e pela patética Convenção Republicana, até chegar no Salão Oval da Casa Branca, onde Barack Obama toma decisões nem sempre acertadas e bem vindas pelo povo americano.

A retórica utilizada nas canções é direta, sem metáforas, e, na medida do possível, bem humorada. Não toma partido de lado nenhum, mas defende os valores da America. E não consegue evitar olhar para Barack Obama como um cara bem intencionado, que infelizmente ficou muito aquém da expectativa que ele criou para si próprio.

Já musicalmente, "Election Special" chuta para todos os lados, com a maestria habitual de Ry Cooder, que toca todos os instrumentos, exceto bateria, e se sai muito bem nesse formato. Não pretende ser um grande disco na discografia dele. Mas revela claramente que Cooder cansou de mergulhar fundo em projetos intrincados e de difícil realização, optando por produções simples e descomplicadas.



Apesar dessa urgência toda, "Election Special" vai sobreviver como uma crônica do ano de 2012, até porque foi feito com um padrão de produção que o coloca um milhão de anos luz adiante de empreitadas como "Living With War", de Neil Young, que beira a auto-indulgência.

Por mais urgente que seja 'Election Special", Ry Cooder jamais conseguiria ser auto-indulgente.

Na verdade, ele não conseguiria nem mesmo flertar com a possibilidade de ser auto-indulgente.

'Election Special" é mais uma homenagem que Cooder rende ao menestrel Woody Guthrie, que aparece forte na balada que encerra o disco, "Take Your Hands Off It", que lembra a clássica "This Land is Your Land".

Meu conselho?

Vote em Ry Cooder.

E torça para que esse belo disco não perca seu impacto depois que essa longa campanha terminar.



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sexta-feira, agosto 24, 2012

JOHN HIATT FAZ 60 ANOS E PRESENTEIA A TODOS NÓS COM UM DISCO MAGNÍFICO.


John Hiatt é um dos grandes compositores americanos vivos.

Bob Dylan, Neil Young, Paul Simon, Randy Newman e ele mereciam estar esculpidos em algum Monte Rushmore qualquer.

Hiatt é craque em criar personagens para incorporar canções que alternam um bom humor impecável com reflexões contundentes sobre meia idade, amor e vida na estrada.

Canções que, diga-se de passagem, são disputadas a tapa por artistas dos mais diversos gêneros.

Como artista solo, John Hiatt é dono de uma carreira riquíssima, que começou em meados dos anos 70 em discos não muito afirmativos gravados na Columbia e na MCA, para então estrear em grande estilo na A&M Records no hoje clássico LP “Bring The Family”, de 1987 -- onde dividiu a cena com seus comparsas Ry Cooder, Nick Lowe e Jim Keltner pela primeira vez, antes de formar o genial grupo Little Village. 

De lá para cá, Hiatt vem gravando discos excelentes. Alguns elétricos e truculentos como "Perfectly Good Guitar", "Beneath This Gruff Exterior" e "Master Of Disaster". Outros acústicos e climáticos como "Walk On" e "Crossing Muddy Waters".

Infelizmente, nenhum deles conseguiu ser um grande sucesso de vendas, o que dificultou bastante a permanência de Hiatt na cena mainstream.

Seu público não crescia e nem encolhia, daí o interesse das gravadoras grandes nele começou a oscilar.



Mas, curiosamente, Hiatt nunca se deixou abalar com isso.

Assim que seu contrato com a Capitol encerrou, logo depois do disco "Little Head", ele simplesmente assinou com o selo independente Vanguard, que o recebeu de braços abertos, e fez a transição de uma cena para outra sem nenhum trauma.

Dois discos mais tarde, assinou com a New West Records e foi fazer companhia para gente como Lucinda Williams, Delbert McClinton, Lyle Lovett, Kris Kristofferson, The Flatlanders e vários outros grandes artistas que também estavam cansados de ser esnobados pelo mercadão musical.

Hoje, aparentemente, Hiatt está feliz e satisfeito, e continua abastecendo artistas com canções magníficas.


Pois bem: "Mystic Pinball", seu vigésimo primeiro álbum em quase 40 anos como artista solo, acaba de sair do forno.

É mais uma bela coleção de canções, que alterna rocks fulminantes (“Bite Marks", "My Business", "You´re The Reason I Need"), números de rhythm and blues rasgados ("I Know How To Lose You", "One Of Them Damn Days", "Give It Up") e baladas contundentes ("No Wicked Grin", "I Just Don´t Know What To Say").   Chega a ser impressionante como Hiatt consegue produzir no espaço curto de um ano um repertório novo tão variado e tão gabaritado como esse.

Eu confesso que fiquei encantado tanto com a faixa de encerramento do disco, "The Blues Can´t Even Find Me" -- fortemente influenciada por Bob Dylan e simplesmente perfeita. Gostei muito também do punch roqueiro truculento de "We´re Alright Now", um número da mesma família de sua "Thing Called Love", que já nasce clássico.

Hiatt, sabiamente, chamou Kevin "Caveman" Shirley para assumir a produção do disco, pois gostou muito do que ele realizou em “Dirty Jeans and Mudslide Hymns”, seu trabalho anterior, lançado no ano passado. Shirley tornou os arranjos das canções mais teatrais e climáticos, pôs a banda para tocar de uma maneira bem aberta e ainda insistiu para que Hiatt escolhessee com um repertório bem eclético para tentar atingir diversas faixas de público. Deu tão certo que ele decidiu repetir a dose.

A banda que trabalha com ele aqui em "Mystic Pinball" é a sua banda de estrada: Doug Lancio (guitarras, mansolin, dobro), Kenneth Blevins (bateria) e Patrick O´Hearn (baixo). Uma opção segura para um repertório "road tested".



Para alguém que já cometeu muitas ousadias ao longo de sua carreira, John Hiatt tem todo o direito de apostar agora num público mais amplo para seu trabalho.

Seu conjunto de obra é vigoroso demais para ser privilégio de apenas alguns iniciados.

Além do mais, "Mystic Pinball" celebra o aniversário de sessenta anos de John Hiatt -- que está não só em excelente forma, como não quer mais saber de perder tempo com experimentos duvidosos daqui por diante.

Ou seja: preparem-se, pois Hiatt não deve dar sossego nos próximos anos com discos anuais, tournées  longas e canções novas na voz de meio mundo por aí.

Sejam bem vindos a essa nova fase na vida de John Hiatt.


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quarta-feira, agosto 22, 2012

TODA A URGÊNCIA ROQUEIRA DO VETERANO ALEJANDRO ESCOVEDO EM "BIG STATION"


Difícil acreditar que ainda hoje, em 2012, aos 40 anos de carreira, Alejandro Escovedo permaneça um grande tesouro escondido da cena roqueira americana.

Mas é verdade, infelizmente.

Com toda a sua bagagem e seu conjunto de obra, era para Escovedo estar hoje no mesmo patamar de Tom Petty, John Hiatt e John Mellencamp. No entanto, ele continua vagando pela cena independente, fazendo flertes eventuais com o mainstream que sempre esbarram no estranhamento provocado pela seu semblante, bem mestiço, em contraponto com o rock and roll rasgado que ele toca.

Alejandro Escovedo tem 61 anos de idade. É natural de San Francisco, California, mas está estabelecido em Austin, Texas, desde 1981. É sobrinho do fabuloso percussionista Pete "Coke" Escovedo, da banda clássica de Carlos Santana nos anos 70, e primo da gostosíssima Sheila Escovedo -- a Sheila E. da banda clássica de Prince, The New Power Generation. Iniciou sua carreira em meados dos anos 70, na banda punk The Nuns, mas só ganhou alguma notoriedade quando comandou dois grupos seminais da cena pós-punk californiana: Rank´n File e True Believers, antes de iniciar sua carreira solo.

Em 35 anos de carreira, Alejandro se firmou como o angry young man mais bem articulado e mais feroz do Oeste americano, produzindo uma sequência impecável de discos que sempre tiveram boa acolhida de crítica e recepção moderada de público.


Então, cinco anos atrás, Alejandro Escovedo teve um colapso em pleno palco, e foi diagnosticado com Hepatite C. Por pouco não morreu. Ficou fora de cena por mais de um ano, fazendo um tratamento médico drástico e dispendioso, que foi bancado por vários concertos tributo promovidos por artistas amigos.

Quando voltou, voltou bem diferente.

Seus discos recuperaram uma urgência que era característica de seu início de carreira, e suas canções inconformadas passaram a dividir espaço com baladas reflexivas extremamente inusitadas -- mas muito bem-vindas.

E, como se isso não bastasse, iniciou uma série de associações.

Primeiro com o ótimo cantor e compositor Chuck Prophet, do lendário grupo californiano Green On Red, com quem passou a compor em parceria.

Segundo com o grande produtor inglês Tony Visconti, figura chave nos primeiros trabalhos de David Bowie para a RCA, que gerou dois discos magníficos, mixados pelo grande Bob Clearmountain: “Real Animal” (2008)  e “Street Songs Of Love” (2010).
“Big Station” é seu terceiro LP nessa nova fase.

Aqui, mais ainda que nos discos anteriores, Alejandro Escovedo soube adequar aquela urgência roqueira “glam” dos discos clássicos de Bowie -- aparentemente, marca registrada do trabalho de Tony Visconti -- às canções intensas e multifacetadas dele em dobradinha com Prophet,

O resultado é rápido e sempre rasteiro, e isso é surpreendente, vindo de Escovedo a essa altura da vida.

Desde o colapso que sofreu em pleno palco, em Phoenix, em decorrência da Hepatite C, a temática habitual das suas canções ficou mais serena -- como em “Bottom Of The World”, "San Antonio Rain" e “Sally Was A Cop” –, apesar de sua musicalidade estar mais turbulenta e agressiva do que jamais esteve – como comprovam “Man Of The World” e “Can't Make Me Run”.

Só nos resta torcer para que essa sua lua de mel com Tony Visconti e Bob Clearmountain emplaque outros discos tão superlativos quanto esses seus trabalhos recentes.

E que este ótimo “Big Station” não seja o ponto final de uma trilogia.



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terça-feira, agosto 21, 2012

LURRIE BELL SURPREENDE NUM LP ACÚSTICO QUE SEU PAI, CAREY BELL, TERIA ADORADO


Quatro anos atrás, o cantor e guitarrista Lurrie Bell -- atualmente em tournée solo pelo Brasil -- SE apresentou com sua banda no Teatro do SESC-Santos e deixou a platéia com a alma lavada.

Verdade seja dita: há muitos anos não passava por aqui um artista de blues tão cativante e com uma pegada tão perigosa na guitarra. Todos os que foram abduzidos pelo suingue da "Windy City" naquela noite de Agosto -- acredite, não foram poucos --, não acordaram a mesma pessoa no dia seguinte. O Blues tem dessas coisas...

Lembro bem que Lurrie Bell evitou apresentar material próprio, limitando-se ao número instrumental "Lurrie's Blue Groove" logo na abertura. Daí em diante, desfilou um set de clássicos do blues em releituras muito inspiradas, e mesmo quem já ouviu um milhão de vezes "I'm Ready", "Reconsider Baby", "Five Long Years", "Everything's Gonna Be Alright" e "Got My Mojo Working", com inúmeros artistas diferentes, acabou completamente rendido ao talento e à nonchalance de Lurrie Bell e sua Chicago Blues Band.

Acredite: o groove do Blues de Chicago é um negócio muito poderoso.

E o formato musical adotado pelo quarteto de Lurrie Bell é - ao menos em minha opinião - o mais cativante de todos: baixo, bateria, órgão e guitarra. Uma combinação inaugurada nos bares do Lado Oeste de Chicago no final dos anos 50, que acabou dando o tom nos trabalhos dos jovens expoentes do gênero na década de 60, como Otis Rush, Magic Sam, Buddy Guy e Michael Bloomfield.

Se hoje esse formato musical virou clássico, é graças ao talento inigualável desses grandes artistas. 



Lurrie Bell é um herdeiro valoroso do Chicago Blues.

Filho do grande gaitista Carey Bell (falecido seis anos atrás), toca guitarra desde os 5 anos. Aos 16, já fazia parte da banda do pai. Com o passar do tempo, virou o comandante da banda.

Aos poucos, tomou coragem e gravou alguns discos solo para a gravadora JSP no final dos anos 80, sempre sob a supervisão do saudoso amigo Phil Guy (irmão de Buddy Guy) - que, apesar de ótimos, tiveram pouca repercussão na ocasião.

Sua segunda investida solo, numa série brilhante de 4 discos repletos de composições próprias para a Delmark Records, gravados ao longo dos anos 90, já teve melhor sorte.

O primeiro, "Mercurial Son", de 1992, é um ousado trabalho experimental criado à beira da loucura -- Lurrie vivia problemas psicológicos muito complicados na ocasião -- e é tido por setores da crítica como o disco de blues mais estranho de todos os tempos. Foi um desequilíbrio tão intenso que, para se recompor, Lurrie Bell deixou sua carreira solo de lado e se refugiou por cinco anos na banda de seu pai.

Recuperado e seguro de si novamente, ele retomou sua carreira solo em 1997, com "700 Blues", um belo disco no formato clássico do Blues de Chicago dos anos 60. Um ano mais tarde, convocou nada menos que Dave Specter and The Bluebirds como banda de apoio e gravou mais um disco sensacional: "Kiss Of Sweet Blues". E então, em 1999, veio "Blues Had A Baby", uma pequena obra prima, onde todas as suas experiências musicais anteriores se misturam, revelando o grande estilista do blues moderno em que Lurrie Bell se transformou.

De 2000 para cá, Lurrie gravou pouco, mas circulou pelo mundo afora, tanto com seu trabalho solo quanto como escudeiro de seu pai -- muito debilitado fisicamente a essa altura da vida, tanto que subia aos palcos sentado em uma cadeira de rodas. Juntos eles gravaram o DVD documentário "Gettin' Up Live At Buddy Guy's Legends", uma espécie de testamento musical de Carey Bell, que morreu antes de seu lançamento.

Poucos meses mais tarde, Lurrie perderia sua mulher, a fotógrafa Susan Greenberg.

Para não flertar com o desespero, nem cair em depressão, ele mergulhou fundo no trabalho. E o resultado disso foi "Let's Talk About Love", um tributo sereno e delicado a Carey e Susan, e seu primeiro trabalho por seu selo próprio, Aria BG Records -- que leva o nome de sua filha, Aria Bell Greenberg.


Pois bem: Lurrie Bell está de volta, e acaba de lançar seu segundo disco para a Aria BG, "The Devil Ain't Got No Music".

Para surpresa geral, é um disco acústico, o primeiro da cerreira de Lurrie Bell. Mas é tão vigoroso quanto qualquer um de seus LPs elétricos. E tão inusitado quanto eles também, na medida em que alterna folk-blues com gospels, spirituals e até um blues balada meio esquecido de James Taylor de seu início de carreira, "Lo And Behold".

"The Devil Ain't Got No Music" é uma colaboração com o amigo guitarrista Joe Louis Walker e o baterista Kenny "Beedy Eyes" Smith, numa produção bem despojada que captura ao vivo no estúdio performances fulminantes dos três.

Sempre que um músico habituado a tocar elétrico parte para uma empreitada acústica como essa, a tendência é tentar fazer com que o resultado seja tão intenso quanto numa sessão eletrificada. Daí, não estranhem se parecer em alguns momentos parecer estar ouvindo algumas daquelas sessões acústicas clássicas de Buddy Guy com Junior Wells, ou mesmo de Sonny Terry com Brownie McGhee. A idéia é essa mesma.

De qualquer maneira, "The Devil Ain't Got No Music" é um grande disco, eloquente como nenhum outro disco acústico que você vá ouvir este ano.

E um sério candidato a melhor álbum de blues tradicional da Festa dos Grammies deste ano.

Bravo, Mr. Bell.



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O LEGADO DE DIZZY GILLESPIE, POR SEU MAIOR DISCÍPULO: ARTURO SANDOVAL


Dizzy Gillespie, mais do que qualquer outro músico de jazz de sua geração, promoveu a aproximação do Bebop com o som das Big Bands. Com isso, criou um híbrido de Orquestra de Jazz que, apesar de ter sido um pouco incompreendido no início, pouco a pouco virou um padrão musical seguido por muitos arranjadores, e suas influências acabaram sendo incorporadas até mesmo em Orquestras clássicas de jazz, como a do venerável Count Basie.

Quem subestima o legado de Dizzy ao compará-lo com Gil Evans -- e tem muita gente por aí que faz isso --comete um equívoco terrível.

O problema com Dizzy é que ele sempre foi visto com desconfiança por setores da crítica por ter-se aborrecido com as limitações do Bebop no início dos anos 50 e mergulhado de cabeça na música cubana, carregando consigo seu amigo Charlie Parker -- justo ele, a expressão máxima do Bebop.

Foi a partir daí que seus detratores passaram a chamar sua música, pejorativamente, de Cubop.

Mas ao longo dos anos 60, com a chegada de praticamente todos os grandes artistas cubanos e porto-riquenhos à América, Dizzy virou uma espécie de cicerone deles e ajudou a colocá-los no mapa musical do jazz internacional, mergulhando ainda mais fundo tanto no universo da música latina quanto no universo pop.

Com isso, o termo Cubop acabou ganhando seriedade e notoriedade, levando sua música a se impôr como a antítese à música cerebral e de ruptura produzida pelo velho amigo Miles Davis.



De todos os artistas latinos que ganharam vulto trabalhando ao lado de Dizzy Gillespie, o trumpetista cubano Arturo Sandoval é certamente o mais bem sucedido.

Nascido em Havana, Cuba, em 1949, é um músico excepcional capaz de tocar qualquer gênero musical, dono de um estilo incendiáirio no trumpete, que, estranhamente, se alterna com um toque terno e suave no seu flugelhorn.

Ne entanto, apesar de toda a sua versatilidade, nada dá mais prazer a Arturo Sandoval do que passear pelo repertório de seu mentor Dizzy Gillespie, que o lançou nos Estados Unidos nos anos 80 em sua United Nations Orchestra. Cuna, 1949,

Desde que pediu asilo político há 23 anos, Arturo virou cidadão do mundo. Foi morar em Miami Beach e depois no Sul da Califórnia com sua família. Daí em diante, passou a trazer para sua música uma Cuba cada vez mais idealizada e distante.

Em seus primeiros anos na América, sua produção musical foi intensa, a princípio em discos meio duvidosos para a GRP Records, mas logo Arturo acertou o passo em gravações impecáveis para a Columbia e, mais recentemente, para a Telarc e para a Concord.


"Dear Diz (Every Day I Think of You)", seu mais recente trabalho para a Concord, é mais que simplesmente um tributo ao mestre Dizzy Gillespie: é uma verdadeira aula de jazz afro-cubano, com arranjos para big band das composições mais emblemáticas de Dizzy.

Aqui, Arturo contracena com diversas estrelas do jazz: o mestre do Hammond B-3 Joey DeFrancesco, o vibrafonista Gary Burton, o saxofonista tenor Bob Mintzer e o clarinetista Eddie Daniels, e o resultado é um festival de camaradagens entre músicos.

"Dear Diz (Every Day I Think of You)" celebra o aniversário de 35 anos do início de sua amizade com Dizzy Gillespie. Os dois se conheceram quando Dizzy tocou em Cuba em 1977, e viraram amigos imediatamente. Daí para a frente, nunca mais desgrudaram, e viraram colaboradores contumazes até a morte de Dizzy em 1993.

De la para cá, devido a sua condição de melhor amigo e herdeiro musical de Dizzy Gillespie, esperava-se de Arturo Santoval homenagens constantes a seu mentor musical -- que Arturo sempre evitou ao máximo, seguindo adiante com sua carreira, como Dizzy gostaria que ele fizesse.

Só que agora, às veśperas do vigésimo aniversário da morte de Dizzy Gillespie, uma homenagem seria necessária, e Arturo Sandoval tratou de fazê-la à altura de seu Mestre, recriando seus arranjos ariginais de forma vigorosa, exuberante, e às vezes até inusitada, como em "Salt Peanuts!", "Birks Works" e "Con Alma".


Para quem não lembra, Arturo Sandoval foi interpretado por Andy Garcia no produção HBO "For Love Or Country - The Arturo Sandoval Story", de 2000, que conta sua tragetória musical e os problemas que teve com Cuba depois que pediu asilo polífico na Espanha em 1990.

Não é um grande filme. Nem pretende ser. Mas mostra de forma vibrante e verdadeira o quanto Arturo Sandoval lutou para poder levar sua música para o mercado internacional e fugir das limitações impostas pelo Governo Cubano. Dizzy está presente no filme. Uma presença intensa e muito carinhosa, graças à bela performance do ator Charles S. Dutton.

Arturo Sandoval sempre soube que, na hora de retribuir a Dizzy tudo o que recebeu dele, teria que caprichar.

Se "Dear Diz (Every Day I Think of You)" é um disco tão bom, apesar de ter sido concebido com essa enorme responsabilidade nas costas, é certamente porque foi concebido com carinho, leveza e respeito artístico.


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quarta-feira, agosto 15, 2012

BILLY BOY ARNOLD HOMENAGEIA BIG BILL BROONZY E RESGATA A ALMA DO BLUES


Se engana quem imagina o folk-blues apenas como aquela modalidade rústica de blues acústico tradicionalmente praticada pelo pessoal do Mississipi.

O folk-blues, para quem não sabe, possui uma vertente urbana muito forte, que ganhou a América no início dos anos 40, logo após o lendário espetáculo "From Spirituals To Swing", que John Hammond montou no Carnegie Hall, em Nova York, com a nata do blues e do jazz da época.

Um dos participantes principais do show seria o lendário guitarrista, cantor e compositor Robert Johnson, que morreu assassinado pouco tempo antes de sua realização, naquela história clássica de pacto com o demônio que todo mundo conhece.

Em seu lugar, Hammond escalou um cantor emergente de voz intensa, que sabia tanto cantar com a eloquência dos blues shouters quanto daquele jeitão mais intimista dos jovens cantores brancos, como Frank Sinatra, e que, ainda por cima, era um compositor espetacular, responsável por números que já nasceram clássicos como "Key To The Highway" e "See See Rider".

Seu nome verdadeiro: Lee Conley Bradley.

Nome artístico: Big Bill Broonzy


Nascido em Bolivar County, Mississipi, em 1903, Big Bill Broonzy circulou por todos os cantos dos Sul dos Estados Unidos até decidir virar cantor e assinar um contrato com a Paramount Records em 1924 em Chicago, onde chegou e logo se misturou com o pessoal de jazz da cidade.

Big Bill gravava de tudo na época. Desde blues, work songs e folk music tradicional até versões acústicas de canções do momento que tocavam no rádio. Fazia isso com tamanha personalidade e gabarito que muitas vezes as gravadoras procuravam esconder suas fotos nas capas dos discos, para evitar que sua pele negra atrapalhasse as vendas.

Nos anos 30, brilhou em gravações espetaculares para a Bluebird Records, e começou a ganhar reconhecimento nacional, fazendo longas temporadas em nightclubs de Nova York e Los Angeles com bandas com sonoridade bem mais encorpada, firmando-se como um dos pioneiros do rhythm & blues.
E então, nos anos 40 quando o blues explodiu em Chicago, Big Bill já era veterano na cena da cidade, e conseguiu se sair melhor que a maioria dos novatos promissores que chegavam à cena, ganhando um contrato de vulto com a Mercury, onde produziu mais uma sequência espetacular de canções de sucesso.

Só nos anos 50 é que Big Bill assumiu para valer sua persona musical mais conhecida: a de folk-singer. Ele foi a ponta de lança do revival glorioso do folk-blues na época, gravando LPs magníficos para a Folkways que fizeram dele um dos maiores e mais respeitados tesouros musicais americanos de todos os tempos.

Sua carreira foi interrompida no auge por um câncer na garganta que o tirou de cena em 1958, e seu legado musical influenciou diretamente diversas gerações de bluesmen e folk-singers nesses últimos 50 anos.



Eu confesso que fiquei surpreso quando ouvi dizer que o cantor, guitarrista e grande gaitista Billy Boy Arnold dedicar um disco inteiro ao repertório clássico de Big Bill Broonzy.

É que, francamente, eu nunca achei que houvesse maior afinidade entre a música praticada por eles dois.

Big Bill sempre foi um mestre da delicadeza, enquanto Billy Boy sempre privilegiou um estilo mais truculento e urgente -- característica que ele cultiva desde seus singles gravados nos anos 50, como "I Ain´t Got You" e "I Wish You Would", e seu clássico LP de estréia, o clássico "More Blues On The South Side".

Mas eu estava enganado.

Billy Boy sempre teve grande afinidade com Big Bill. Chegou a conhecê-lo pessoalmente. Trocaram figurinhas em diversas ocasiões diferentes. E, por pouco, Billy Boy não cedeu sua banda na época para acompanhar Big Bill numa tournée rápida, pouco antes de sua morte.

Bom... o caso é que o blues ardido de Billy Boy Arnold suavizou com o passar dos anos, e depois de viver longos períodos tocando na Europa e no Japão, ele finalmente conseguiu retomar sua carreira na América em 1993 com "Back Where I Belong", gravado para a Alligator Records, que o colocou novamente no Olimpo do Blues de Chicago depois de mais de 20 anos de semi-ostracismo.

De lá para cá, vem desenvolvendo discos brilhantes para a Eletro-Fi, e se reinventando artisticamente a cada trabalho.

Quando completou 70 anos de idade, gravou um belo tributo a seu mentor musical e vizinho Sonny Boy "John Lee' Williamson I, e foi alvo de mais elogios e premiações do que jamais antes.



E agora ele surge com esse "Billy Boy Arnold Sings Big Bill Broonzy", mais ou menos no mesmo padrão de excelência da homenagem que fez a Sonny Boy, promovendo um belo passeio pelo repertório de mais esse grande mestre do blues americano.

É um disco respeitoso, mas não necessariamente reverente a Big Bill Broonzy.

Billy Boy deixa claro o tempo todo que é, antes de tudo, um gaitista, e que, por mais forte que seja seu jeito de cantar, ele não tem e jamais terá o magnetismo de Big Bill Broonzy. Com isso estabelecido logo de cara, ele alcança resultados soberbos tanto em números mais manjados de seu repertório, quanto em escolhas incomuns como "San Antonio Blues", "Living On Easy Street" e a adorável "Just Got To Hold You Tight".

"Billy Boy Arnold Sings Big Bill Broonzy" é mais um songbook do que propriamente um disco tributo.

Segue mais ou menos na mesma levada descontraída do grande disco que Muddy Waters fez em 1960 também em homenagem a Big Bill, e que foi tão criticado na época por ser moderno demais.

Convenhamos, ver um artista setentão como Billy Boy Arnold se reinventando mais uma vez, e buscando em 15 números do repertório de Big Bill Broonzy que marcaram sua juventude uma ponte de volta a sua própria origem como bluesman, só pode ser um jornada gloriosa, tanto para os aficionados em blues em geral quanto para os fãs de folk music.

Um disco e tanto!



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segunda-feira, agosto 13, 2012

LEE KONITZ CHEGA AOS 80 ANOS DE IDADE E SEGUE EM FRENTE NESSE ESPETACULAR "LIVE AT THE VILLAGE VANGUARD"


O poder de fogo da música de Charlie Parker incendiou o jazz dos anos 40 de forma irreversível, enterrando a Era do Swing e dando o pontapé inicial na Era do Bebop.

O estilo de Parker era tão vibrante e sua personalidade musical tão forte que era praticamente impossível para qualquer jovem músico que tivesse escolhido o sax alto como instrumento não se deixar contaminar pelo sopro sincopado e acelerado de Parker.

Mas havia uma exceção: um jovem saxofonista de Chicago chamado Lee Konitz, nascido em 1927, aluno de Lennie Tristano, que esnobou um convite para ingressar na Orquestra de Dizzy Gillespie, onde Parker tocava, para unir forças a dois amigos que estavam montando um noneto sob orientação de Gil Evans, que iria levar a carreira de todos os envolvidos para um caminho inusitado e brilhante.

Esses amigos se chamavam Miles Davis e Gerry Mulligan.

O ano era 1949.

E o disco que eles iriam gravar juntos -- "The Birth Of The Cool" -- viraria um marco para o jazz moderno, inaugurando uma modalidade mais climática e reflexiva de bebop, com músicos usando e abusando de notas longas e encorpadas, que mais tarde seria batizada de cool jazz.



Todos os músicos que se escolavam com o pianista Lennie Tristano saíam com uma bagagem em comum: tornavam-se craques em harmonia jazzística e erudita, e eram encorajados por Tristano a fazer experiências melódicas e rítmicas constantemente.

Graças a esse background, Lee Konitz conseguiu desenvolver um estilo no sax alto bem diferente do estilo de Parker, abusando das notas longas, valorizando a melodia em suas intervenções, e sempre permitindo que os integrantes de suas bandas improvisassem à vontade.

Daí em diante, passou a desafiar gêneros.

Fez um disco explosivo de jazz com o baterista Elvin Jones para a Verve, chamado "Motion". Experimentou desde Dixieland até o free-jazz, com músicos das mais diversas formações, e gravou vários discos para o mercado de música erudita. Apesar de ser conceituado como band-leader, não negava fogo sempre que algum amigo o convidava para atuar como sideman em alguma tounée.

Desde 1980 está estabelecido em Paris, voltando aos Estados Unidos de tempos em tempos para matar a saudade de casa, quase sempre acompanhado por músicos jovens de vários cantos do mundo.


"Live At The Village Vanguard" é o registro precioso de duas noites em 2010 em que Konitz se apresentou à frente de seu New Quartet, formado pelo excelente pianista alemão Florian Weber, pelo baterista israelense Ziv Ravitz e pelo baixista californiano Jeff Denson.

Mesmo com 83 anos de idade na ocasião, Konitz não fez feio em momento algum.

Pelo contrário, dividiu a responsabilidade de proporcionar uma noite memorável para o público com os músicos, e eventualmente se posiciona quase como um sideman de seu pianista para poder se poupar para aguentar mais tempo no palco. Convenhamos, que outro grande mestre do jazz dos anos 40 ainda circula pelos palcos do mundo inteiro com tamanha galhardia?

Konitz e seu New Quartet dão um toque totalmente novo a um dos temas mais gravados do jazz, 'Cherokee", de Ray Noble. Passeiam com muita delicadeza por três standards -- "Polka, Dots & Moonbeans", "I Remember You" e uma releitura inusitada para "All The Things You Are" --  e mergulham de cabeça num tema impressionista intrincadíssimo, "Colors", de autoria de Weber, que segue magnificamente bem por mais de 10 minutos e poderia durar outros dez, tranquilamente.

Tudo isso somado à alegria de tocar novamente no Village Vanguard, onde brilhou em diversas formações desde os anos 40, faz de Lee Konitz um músico feliz e realizado, e um verdadeiro patrimônio afetivo para quem teve o prazer de estar na platéia em qualquer uma dessas duas noites registradas nesse disco.



Lee Konitz está com 85 anos agora.

Sua saúde não anda boa de uns tempos para cá, e suas apresentações estão ficando cada vez mais esporádicas. Algumas tiveram que ser canceladas ano passado.

É bem provável que, daqui para a frente, não tenhamos mais a chance de ouví-lo com toda essa non-chalance demonstrada nesse belo concerto ao vivo.

Mas só de saber que Lee Konitz continua vivo e ativo depois de mais de 60 anos de excelentes serviços prestados ao jazz já é motivo de comemoração entre os amantes do gênero

Sendo assim...

"Senhoras e Senhores, Benvindos ao Village Vanguard. Com vocês, o grande Lee Konitz!"






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