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sexta-feira, agosto 14, 2015

ERNESTINE ANDERSON, DEE DEE BRIDGEWATER E MELODY GARDOT: TRÊS GERAÇÕES, TRÊS EXPERIÊNCIAS DISTINTAS E TRÊS BONS DISCOS

por Chico Marques
para Jazz Jive
ilustração de Gil Mayers



Não é fácil ser cantora de jazz de Ella Fitzgerald, Sarah Vaughan Billie Holiday, Dinah Washington e Carmen McRae para cá. 

É como se elas cinco tivessem explorado todas as possibilidades artísticas que o gênero tinha para oferecer.

Mesmo assim, legiões de novas cantoras surgem desde os anos 1950 brigando por um lugar ao sol em um mercado extremamente exigente, e muitas vezes desnecessariamente esnobe e cruel.

As três cantoras cujos discos comentamos hoje são de 3 gerações diferentes: Ernestine Anderson (86 anos), Dee Dee Bridgewater (65 anos) e Melody Gardot (30 anos).

Mas passaram (ou passam) por provações artísticas semelhantes, e hoje conseguem vislumbrar o que vem pela frente em suas carreiras musicais sem grandes sobressaltos.

MELODY GARDOT
CURRENCY OF MAN
(Verve)
É meio complicado classificar Melody Gardot como uma artista de jazz, até porque ela não é. Surgida no vácuo do sucesso de Norah Jones e Madeleine Peyroux -- duas artistas crossover que deram a sorte de ser abençoadas pela comunidade jazzística --, Melody é uma cantora e compositora que descobriu sua verdadeira vocação depois de sofrer um atropelamento e ficar num leito de hospital em Nova York entre a vida e a morte por várias semanas. Como tinha estudado piano quando mais jovem, Melody começou a compor canções enquanto convalescia, e isso teve um valor terapêutico enorme em sua recuperação. Quando voltou a andar, levou suas canções para um agente e acabou contratada pela Verve Records, que viu potencial em seu trabalho. "Currency Of Man" já é seu quinto LP, e é o mais ambicioso de todos os que lançou até agora. Aqui, ela deixa de lado os ecos de Joni Mitchell e Laura Nyro que prevaleceram em seus primeiros trabalhos e mergulha de cabeça no legado musical de Bill Withers, Donny Hathaway e Tom Waits. Seus fãs podem até estranhar uma mudança tão radical, mas é inegável o salto qualitativo enorme que seu trabalho deu nesse disco. O produtor Larry Klein -- curiosamente, ex-marido de Joni Mitchell -- substituiu as cordas dos discos anteriores por uma musicalidade mais orgânica, mais despojada, e bem modernosa. Nas 15 canções de "Currency of Man", ela passeia por seu lado mais sombrio, e nos revela justamente o seu lado mais interessante. Não é um disco fácil como os anteriores. Mas é extremamente denso e eloquente. Não negue fogo a Melody Gardot. Ela não veio a passeio.

DEE DEE BRIDGEWATER
DEE DEE'S FEATHERS
Okeh
Dee Dee Bridgewater é uma cantora extremamente talentosa que levou muito tempo até achar um rumo para sua carreira. Perdida no início dos Anos 1970 entre seu trabalho com a Mel Lewis-Thad Jones Orchestra e com o Return To Forever, e sua participação na montagem original de "The Wiz" na Broadway, Dee Dee patinou por muitos anos até ser finalmente contratada pela Verve em 1989 depois de uma longa temporada vivendo em Paris. De lá par cá, seus discos passaram a ter foco e seu estranho blend de hard-bop e jazz tradicional ganhou um público expressivo pelo mundo afora. Nesse novo LP, "Dee Dee's Feathers", ela toma rumo sul de volta para casa e, a pretexto do décimo aniversário da passagem do Furacão Katrina pela cidade de New Orleans, mergulha na alma musical da cidade em companhia de Irvin Mayfield e da New Orleans Jazz Orchestra. Dee Dee contrapõe sonoridades do passado com a música atual da lá de forma muito original. Ela foi criada em Memphis, Tennessee, não muito distante de New Orleans, e consegue trafegar por esse universo musical com propriedade e muito conhecimento de causa. Fãs de Dee Dee Bridgewater e apaixonados pela música de New Orleans não podem deixar de conhecer esse belo disco.

ERNESTINE ANDERSON 
SWINGS THE PENTHOUSE
(HighNote)
Ernestine Anderson está na cena musical americana desde os Anos 40. Apesar de ser uma cantora reconhecidamente brilhante -- talvez a única desde Billie Holiday capaz de fazer a ponte entre o blues de Bessie Smith e o jazz sofisticado de Ella Fitzgerald -- nunca conseguiu o respeito artístico merecido na cena jazzística por ter sido crooner de Orquestras de R&B, como as de Johnny Otis e Illinois Jacket, consideradas "menores" pelos jazzistas mais esnobes. Ernestine gravou discos solo sensacionais ao lado de Quincy Jones e Rolf Erickson entre 1958 e 1964, saudados pela crítica, mas que venderam pouco. Então, depois de vários giros pela Europa no início dos Anos 1960, cansou dos Estados Unidos e mudou para a Inglaterra, fixando residência em Londres. E sossegou por lá. Só em meados dos Anos 70 foi "redescoberta" pelos americanos. Contratada pela Concord Jazz, ela gravou uma sequência impecável de discos de jazz tradicional que, lamentavelmente, estavam muito distantes do vigor e das ousadias do início de carreira solo. Daí a importância do resgate dessa performance sensacional gravada em Fevereiro de 1962  no Penthouse Club de Seattle -- que permanecia inédita e que, se tivesse sido lançada na época, talvez tivesse mudado o rumo de sua carreira. "Swings the Penthouse" é uma explosão de vitalidade, e traz essa grande cantora acompanhada pelo pianista Dick Palombi, mais o baixista Chuck Metcalf e o baterista Bill Richardson em uma série de números conhecidos que ganham releituras insusitadas e envolventes, onde ela corre riscos e esbanja originalidade. Hoje, aos 86 anos de idade, semi-aposentada, Ernestine Anderson se dedica a resgatar pérolas de seu passado como essa. Revelando, sem rancor de espécie alguma, a cantora fantástica que a comunidade jazzística esnobou estupidamente 50 anos atrás. Nada como o passar do tempo para colocar tudo em perspectiva e dar o valor devido a quem merece.




segunda-feira, agosto 27, 2012

OS 4 SHOWS DE ADEUS DE STAN GETZ NO CAFÉ MONTMARTRE, KOPENHAGEN, 1991


Stan Getz foi uma dos maiores galãs da história do jazz. Poucas resistiram aos encantos de seu sax tenor em seus anos de glória. Ele passou o rodo impiedosamente nas mulheres mais interessantes de sua época -- todas elas presas fáceis do ataque manso de seu sopro.

Dono de um estilo sereno e introspectivo demais para a era do bebop, Getz foi um dos pioneiros do cool jazz e foi o maior incentivador da bossa nova nos Estados Unidos através do clássico (e milionário) LP "Getz Gilberto", gravado ao lado de João Gilberto e Tom Jobim, que explodiu nas paradas mundiais com Astrud Gilberto cantando "The Girl From Ipanema".

Mas de sereno e introspectivo, Getz só tinha o sopro. Sua vida era completamente caótica, desde os anos 40, quando se envolveu com heroína. Getz, pouco a pouco, foi virando um junkie pesado. E sempre que tentou controlar sua dependência química pela heroína caiu de cabeça no alcoolismo. Foi parar na cadeia diversas vezes. Sossegou um pouco em 1956, quando casou, virou pai e foi morar em Kopenhagen. Mas poucos anos depois lá estaria ele de volta à estrada, ao álcool, às drogas pesadas e à putaria que ele tanto amava.

O auge de sua carreira foi nos anos sessenta, nos discos impecáveis e nada óbvios que gravou para Norman Granz, da Verve Records, com suas clássicas aventuras bossanovísticas, os duos magistrais com o amigo Bill Evans, e experimentos mainstream com orquestras -- como o belo LP onde interpreta brilhantemente canções de Burt Bacharach, execrado por seus fãs na época, mas considerado hoje um pequeno clássico do jazz crossover.


Em Março de 1991, em Kopenhagen, Getz e seu amigo e pianista Kenny Barron decidiram fazer algumas apresentações em duo no Cafe Montmartre, de cujo palco Getz era habituée há mais de 20 anos.

Tocaram sem baixo e bateria, e se divertiram um bocado em 4 noites bem relaxadas, onde Getz saia completamente sem fôlego após cada número, pois -- só ele sabia disso, então -- estava sofrendo de cancer no fígado e tinha pouco tempo de vida pela frente.

Getz morreu naquele mesmo ano, e logo após sua morte alguns números dessas 4 sessões ao vivo com Kenny Barron foram lançados no álbum duplo "People Time", eleito recentemente pela revista JazzTimes um dos discos mais importantes da história do jazz, e uma despedida emocionante de um dos maiores sax tenores da história do jazz.
Pois bem, a Warner Bros Records decidiu reunir no ano passado a íntegra dessas quatro noites em que Getz e Barron tocaram em duo no Montmartre, e transformou o álbum duplo original de "People Time" em uma caixa com 7 cds, acrescentando às 14 faixas do disco original outras 37.

E essa caixinha preciosa, surpreendentemente, acaba de ser lançada no Brasil.

Além de takes alternativos para o repertório original de "People's Time" foram acrescentadas maravilhas como "Con Alma", "Bouncin' With Bird", "The End Of A Love Affair", "You Stepped Out Of A Dream" e ainda "The Autumn Leaves" and "Wish You Love", em versões nada menos que magníficas. Difícil achar adjetivos menos eloquentes que esses para definir esse grande momento da história do jazz.

Para alguns, essa versão expandida de "People's Time" pode parecer um exagero. E é, com toda a certeza. Mas faz parte das homenagens aos 20 anos de falecimento de Getz -- e, até onde se sabe, nenhum de seus admiradores reclamou desse exagero até agora, muito pelo contrário.


O pessoal da Bossa Nova é muito grato a Stan Getz pelas portas que ele abriu para músicos brasileiros. É sempre bom lembrar que Getz já era um artista consagrado quando aceitou contracenar com todos aqueles ilustres desconhecidos

E mesmo fazendo pequenas cachorradas -- como aumentar o sinal de seu tenor no mix final de "Getz Gilberto", e outros discos gravados em colaboração com outros artistas, sempre sem consultá-los --, Getz conseguiu separar bem o tumulto de sua vida pessoal de sua carreira musical, mantendo sempre um senso de profissionalismo raro no showbiz .

A paz absoluta que emana de "People's Time" é a evidência maior de que Getz estava feliz nessas quatro noites, celebrando a vida e se despedindo dela com galhardia.

E é por essas e outras que "People's Time" funciona como um testamento musical digno desse músico gigantesco e de seu talento assombroso.


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