sábado, abril 25, 2015

BRIAN WILSON CHEGA A UM PORTO SEGURO EM SUA CARREIRA SOLO COM "NO PIER PRESSURE"


Pelo visto, 2015 vai ser o ano de Brian Wilson.

Em Junho próximo, pouco antes do início oficial do Verão, estréia nos cinemas americanos sua cinebiografia: "Love & Mercy".

Quem interpreta Brian jovem nos Anos 60, à frente dos Beach Boys, é Paul Dano. 

Já John Cusack será o Brian inchado de remédios e esquizofrênico dos Anos 70 e 80, dominado por seu psiquiatra, o pilantra Dr. Eugene Landy -- interpretado no filme pelo fabuloso Paul Giamatti.

A julgar pela recepção calorosa que teve no Festival de Toronto e no Festival de Berlin, "Love & Mercy" tem grandes chances de tornar o filme adulto mais interessante do próximo verão americano. 

Chega num momento em que Brian Wilson parece estar totalmente recomposto em termos artísticos e criativos do mau estar que vitimou sua carreira por quase 20 anos -- desde o malogro do projeto "Smile", de 1967, quando ele pirou, até seu ressurgimento artístico como artista solo, em 1988.
O retorno de Brian foi lento e doloroso.

Em seu primeiro disco, "Brian Wilson", gravado para a Sire Records com um orçamento avantajado, onde se viu cercado de amigos e admiradores por todos os lados -- mas sob a rédea curta de seu psiquiatra o tempo todo --, Brian revelou tantas inseguranças e tamanha fragilidade em suas canções que chega a ser difícil escutá-las com prazer, apesar de serem quase todas ótimas.

Seus trabalhos seguintes, mais casuais, e já sem o Dr. Landy bufando em seu cangote, podem até ser menos expressivos. Mas são mais agradáveis aos ouvintes. Em compensação, parecem ter uma importância mais terapêutica do que artística.
Enquanto Brian melhorava, ele seguia trabalhando. Embarcou em tournées internacionais, apresentando "Pet Sounds" na íntegra com uma banda enorme. Parecia feliz. Mas só era feliz mesmo dentro de uma Zona de Conforto que ele administrava de uma maneira meio confusa. Buscava refúgio nas "sonoridades de estimação" que sempre o acolheram bem, e às quais estava acomodado.

Aparentemente, uma coisa vital parecia ter-se perdido de forma irremediável naquele longo processo: a capacidade de Brian Wilson ousar.
Mas, de uma hora pra outra, Brian Wilson topou voltar a trabalhar com o maestro e arranjador Van Dyke Parks, seu parceiro em "Smile", o disco de 1967 causador de todo esse trauma, o grande álbum que nunca aconteceu, sua obra prima inacabada.

Depois de brincaram em torno de vários temas novos com jeitão atemporal, a idéia de retomar "Smile" acabou surgindo naturalmente. 

E então, em 2004, os dois finalmente finalizaram "Smile". Lançaram o disco. E o trauma acabou. A partir daí, a vida de Brian começou a andar para a frente novamente. E ele deu início a um ciclo de discos excelentes como "That Lucky Old Sun", seu retorno à Capitol Records depois de muitos e muitos anos de litígio, e suas homenagens "Brian Wilson Reimagines Gershwin" e "Brian Wilson In The Key Of Disney".
Até que, alguns anos adiante, em 2012, aconteceu o belíssimo retorno dos Beach Boys originais em 2002, comemorando em grande estilo os 50 anos de carreira da banda. Brian Wilson e Al Jardine voltaram a falar com Mike Love e Bruce Johnston, com quem estavam rompidos há muitos anos, e com o guitarrista Dean Marks, que havia tocado com a banda bem no início dos Anos 1960.  

O disco de retorno dos Beach Boys, magnífico, se chamou "That's Why God Made The Radio".  Concebido por Brian como uma espécie de Canto do Cisne para a banda, foi recebido como uma espécie de epílogo criativo para a banda, repleto de lindas novas canções de Brian e performances muito inspiradas de todos os envolvidos.
Para promovê-lo, os Beach Boys programaram uma tournée que, infelizmente, não foi muito longe, pois em pouco tempo as velhas diferenças afloraram novamente e as relações voltaram a ficar insustentáveis entre eles. Mike Love discordava do uso ostensivo do repertório do disco novo, insistia num "arroz com feijão nostálgico". Brian achava a idéia um horror, ridiculamente pequena para um projeto daquela magnitude. Ao final da primeira etapa da tournée, Brian desistiu de brigar e pediu para sair. Até porque, na sua cabeça, estava mais do que na hora de devolver os Beach Boys ao passado. 

O caso é que, apesar de todas as rusgas, Brian Wilson, Al Jardine e Dean Marks, além de Blondie Champlin e Ricky Fataar, mantiveram a proximidade, e, de alguma maneira, deram continuidade ao que haviam iniciado em "That's Why God Made The Radio".
Várias dessas colaborações aparecem agora nesse surpreendente novo álbum de Brian Wilson, "No Pier Pressure", um lançamento Capitol.

Don Was, de certa forma, facilitou bastante as coisas, pois estava produzindo um projeto meio maluco que envolvia Brian Wilson e Jeff Beck, entre outros artistas. Beck caiu fora, o projeto desandou e ainda havia muito tempo de estúdio disponível. Foi quando ele e Brian, além do letrista Joe Thomas, mergulharam de cabeça e finalizaram a maioria dessas canções de "No Pier Pressure". 

Tem tanto canções lindíssimas quanto canções desprezíveis aqui, como de hábito nos discos de Brian -- todas emolduradas por um singelo tema de abertura (This Beautiful Day) e um tema de encerramento curioso e divertido (The Last Song).
Das cinco belas canções em que divide a cena com Al Jardine, ao menos uma delas é seguramente uma obra-prima (Whatever Happened). Tem uma segunda que chega bem perto disso, em que dividem a cena com a talentosa caipirinha Kacey Musgraves (Guess You Had To Be There).

Já o encontro de Brian com o She & Him de Zooey Deschanel e M. Ward (On The Island) é muito, muito divertido. Tente imaginar Karen Carpenter meio bêbada depois de alguns drinks coloridos num resort caribenho? É por aí...

Já a associação com o estranhíssimo Nate Ruess simplesmente não funcionou. "Saturday Night" parece um descarte daqueles álbuns bem fraquinhos que os Beach Boys gravaram nos Anos 1980 que caíram rapidamente no esquecimento -- como "Getcha Back".
 Apesar de todos esses altos e baixos, é muito importante que, nesse momento em que está em plena evidência, Brian renasça artisticamente num flerte aberto com artistas de gerações mais jovens.

Quem o conhecer no cinema através em "Love & Mercy", vai gostar de vê-lo assim tão jovial, modernoso e cheio de atitude nesse "No Pier Pressure"

Tudo bem que Brian sofre de Síndrome de Peter Pan desde sempre, mas nunca podemos esquecer que -- ao menos fisicamente -- ele um senhor de 73 anos de idade. 

O grande valor de Brian, além de seu talento e sua força de vontade, é justamente essa sua recusa de virar um ítem de Nostalgia qualquer, como tantos outros colegas de geração.

Brian Wilson é a personificação do Endless Summer.

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quarta-feira, abril 15, 2015

SCOTT WEILAND ESTÁ DE VOLTA COM UMA BANDA DE PRIMEIRA E UM ÁLBUM IMPECÁVEL


Eu sou admirador incondicional de Scott Weiland.

Na primeira vez que ouvi o Stone Temple Pilots,
foi na saudosa Rádio Enseada FM
através do cd de estréia da banda
que meu amigo Marcelo 'Panda" Belluzzo 
tinha comprado na Blaster Discos 
e não via a hora de programar na emissora.

Pensei a princípio que fosse uma banda de Seattle.
Quando vi que eles eram de Los Angeles, 
eu pensei comigo mesmo: 
"Esse cara não só é o herdeiro de Jim Morrison, 
como ainda vai engolir toda essa molecada 
lá do andar de cima da Costa Oeste".

Errei feio na minha previsão. 

Scott revelou ter uma personalidade atrapalhada 
e uma carreira errante demais. 
Independente disso, continuei achando o Stone Temple Pilots 
bem melhor que todas as bandas de Seattle juntas, 
incluindo o Nirvana.



Quando Scott tentou uma carreira solo,
 gravou um disco tão estranho quanto magnífico:
 "12-Bar Blues", fortemente influenciado por Kurt Weill,
 extremamente idiossincrático,
 e que foi muito mal digerido pelos fãs dos Pilots.
 Fiasco total de vendas.

O jeito foi voltar para sua velha banda
 e calcular melhor seus próximos passos.
 O que teria sido fácil, se Scott não gostasse tanto de heroína
 e não tivesse tanta dificuldade em cumprir compromissos de trabalho.

Sua passagem pelo Velvet Revolver foi genial e desastrosa,
 tudo ao mesmo tempo.
 Todos os discos solo que gravou antes e depois disso tudo
 são bastante confusos e sem foco.
 Mas todos, até aquele com canções de Natal,
 são estranhamente intensos e bons.

Concluindo: não deve ser fácil ser Scott Weiland,
 mas com certeza deve ser muito divertido.


Pois Scott Weiland está de volta, 
com uma banda nova chamada The Wildabouts
 e um LP novo chamado "Blaster"
 (lançamento Softdrive Records).

Fãs dos Stone Temple Pilots vão respirar aliviados:
 "Blaster" aposta na mesma alquimia que fazia
 dos álbuns da banda produtos finais tão equilibrados,
 com rocks vigorosos se alternando com baladas melódicas
 do início ao fim do disco,
mas sempre com uma surpresa ou outra pelo caminho.

Fãs do Velvet Revolver também vão respirar aliviados,
 pois os rocks vigorosos de que falei no parágrafo acima
 são, na verdade, um pouco mais do que apenas rocks vigorosos:
 são rocks truculentos e mito violentos,
 como os que brilham nos dois discos que Scott Weiland
 gravou com o Slash, Duff McKagan e Matt Sorum,
 todos membros do Guns & Roses original.

Eu acho que um dos motivos principais
 pelo qual Scott tem sérias dificuldades
 em forjar uma carreira solo para si próprio
 é o fato de gostar demais de fazer parte de bandas.



"Blaster" não esconde isso. 

Os rapazes dos Wildabouts fazem de tudo para acomodar bem Scott, 
e deixá-lo o mais à vontade possível, 
sacrificando inclusive sua própria identidade musical em prol da dele. 

O resultado final é muito bom, 
soa às vezes como os Pilots, 
outras vezes como o VR. 

O problema é que tudo é sempre familiar demais. 
E isso, neste caso, pode ser tanto uma bênção 
quanto uma maldição para The Wildabouts. 

Torço para que nos próximos álbuns 
-- se houverem outros álbuns com eles -- 
Scott permita que desenvolvam uma cara própria. 
É uma banda muito boa. 
Pode brilhar muito mais.

E as canções são todas ótimas. 
Na verdade, uma melhor que a outra. 
Se eu tiver que escolher minhas favoritas, 
fico com as mais mansas: 
“Way She Moves”, 
“Youth Quake”,
“Beach Pop”,
e a estranhíssima “Circles”.

Mas os rocks são ótimos também, 
verdadeiras patadas musicais, 
vide "Modzilla"
"Way She Moves"


Eu recomendo "Blaster". 

É o melhor disco solo de Scott Weiland
 desde sua estréia em "12-Bar Blues". 

É o mais bem resolvido
 e menos idiossincrático também.

Acho que Scott nunca vai conseguir fazer
 o disco perfeito que todos esperam dele,
 até porque, aos 48 anos de idade,
 ele continua sempre o primeiro a conspirar
 contra qualquer modalidade de perfeição.

Eu prefiro gostar de "Blaster" como ele é,
 apesar dele só sinalizar com ousadias mais para o final do disco.
Mas está de bom tamanho para o momento.

Se essa banda conseguir aturar Scott mais um ou dois anos,
 quem sabe não tenhamos alguma surpresa maior logo logo...







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quarta-feira, abril 08, 2015

BOZ SCAGGS ESTÁ DE VOLTA, ABRAÇANDO A SOUL MUSIC COM CARINHO E COM FORÇA.

Ninguém canta como Boz Scaggs.

Desde seu excelente disco de estréia, gravado na virada dos anos 60 para os 70 com o pessoal da Muscle Schoals Rhythm Section, sua voz deliciosamente maleável e sua postura “laid-back” vem intrigando a Indústria Fonográfica, que sempre tentou, mas nunca conseguiu, rotulá-lo para o mercado, mesmo depois dele ter emplacado alguns singles muito bem sucedidos nas paradas.

Aliás, uma pequena correção. Tem alguém que canta parecido com Boz Scaggs, sim: o soulman de Memphis Al Green -- ou vice-versa, já que os dois são compenheiros de geração e surgiram na cena musical mais ou menos ao mesmo tempo, só que em lugares diferentes. Na medida em que Scaggs nunca se definiu claramente como um artista de rock, de pop ou de R&B, parecia uma boa idéia tomar emprestado um pouco daquela levada pedestre dos singles soul de Memphis produzidos por Willie Mitchell para Al Green em seus discos gravados na motorizada e frenética Los Angeles.

Em “Slow Dancer”, seu grande LP de 1974, produzido pelo craque Johnny Bristol, Scaggs chegou muito próximo de assumir em definitivo essa sua persona soul. Só não foi adiante porque David Foster o desviou dessa rota no disco seguinte, “Silk Degrees”, emplacando “Lowdown”, clássico absoluto da era disco, que catapultou Boz Scaggs ao estrelato do dia para a noite, depois de dez anos de trabalho árduo tentando sair da periferia do big business musical.

Apesar de nunca ter conseguido, nem de longe, igualar o sucesso de “Silk Degrees”, Boz Scaggs vem mantendo uma regularidade muito peculiar em seu trabalho nesses 35 anos, apostando suas fichas em discos com um sotaque R&B bastante acentuado, e sempre acompanhado de músicos de primeira em suas tournées.

Tudo bem que os tempos mudaram, e o gosto do público também mudou, mas seu estilo inconfudível e seu padrão de qualidade permaneceram intactos em discos excelentes como "Some Change" (1994) e "Come On Home" (1998).



Dois anos atrás, Boz Scaggs ressurgiu com um disco inesperado, chamado “Memphis”, uma homenagem à cidade que ele tanto admira musicalmente.

Inesperado porque, apesar de trazer apenas duas canções inéditas de sua autoria para abrir e fechar essa coleção de clássicos – nada óbvios, diga-se de passagem -- da soul music, elas são as primeiras que ele grava desde “Dig”, de 2001. 

Inesperado também porque escancou algo que Scaggs sempre sugeriu: que gostaria de ter sido um artista de Hi Records. 

Não foi nada acidental a escolha do velho e lendário estúdio de Willie Mitchell, o Royal Recordings Studio, como base para as sessões de gravação de "Memphis". Era lá mesmo que ele "tinha" que ser gravado.



Pois "Memphis" foi tão bem recebido por crítica e público, e tão bem sucedido comercialmente, que agora, dois anos mais tarde, Scaggs voltou ao Tennessee para gravar este 'A Fool To Care" (lançamento 429 Records).

Dessa vez, ao invés do Royal Recordings Studio, em Memphis, Boz Scaggs e seus parceiros neste projeto optaram por gravar nos requisitadíssimos Blackbird Studios, do casal John & Martina McBride, em Nashville. 

Em apenas quatro dias de gravação, o produtor e baterista Steve Jordan recrutou veteranos como o baixista Willie Weeks e o guitarrista Ray Parker Jr. para compor a banda e dar o arremate final nos arranjos das 12 canções que compõem o disco. Encomendou uns poucos arranjos de cordas, convocou o suporte luxuoso de grandes guitarristas da cidade como Reggie Young e Al Anderson, além do mestre do pedal-steel guitar Paul Franklin, e finalizou o projeto em frente com relativa rapidez. 

Os resultados, mais uma vez, são magníficos. Aos 71 anos de idade, Boz continua cantando absurdamente bem, levando a musicalidade de "A Fool To Care" muito além do soul pedestre de Memphis -- "Full Of Soul", clássico de Al Green, e "Rich Woman", de Lil' Millet & His Creoles --, enveredando pelo caldeirão musical de New Orleans -- "A Fool To Care", "Small Town Talk" --, pelo soul de Chicago -- "I'm So Proud", de Curtis Mayfield, numa versão espetacular --, pelo soul da Philadelphia -- "Love Don't Love Nobody", dos Spinners --, e ainda pelas sonoridades country de Nashville -- "There's A Storm A Coming" --, culminando num número inclassificável chamado "Last Tango On 16th Street", que mescla tango e salsa de uma maneira tão inusitada que só ouvindo mesmo para acreditar.

Para completar, "A Fool To Care" traz ainda um dueto sensacional com Bonnie Raitt num bluesaço chamado "Hell To Pay" e "Whispering Pines", uma balada lindíssima cantada por ele e Lucianda Williams. Haja coração!


Boz Scaggs e Steve Jordan podiam perfeitamente ter optado por não correr riscos e simplesmente repetido a receita de sucesso de "Memphis".

Mas não fizeram isso: preferiram ousar e, ao invés de abraçar a musicalidade de apenas uma cidade, abraçar a soul music do país inteiro nesse novo álbum.

De certa forma, "A Fool To Care" lembra um pouco "Come On Home", o excelente disco que Boz gravou para a Virgin Records em 1997.

Lembra também "My Time", sua pequena obra prima de 1972.

É um daqueles trabalhos que já nascem devidamente instalados no coração da gente, como se estivessem por lá desde sempre.

Quem não ouviu ainda "A Fool To Care", não sabe o que está perdendo.





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terça-feira, abril 07, 2015

VAN MORRISON PRODUZ UM DISCO DE DUETOS QUE É TUDO MENOS FROUXO E PREVISÍVEL.



Van Morrison faz 70 anos de idade este ano.

Quando um artista chega a essa faixa de idade, fica mais e mais difícil chegar em alguma gravadora com um projeto para um disco novo em mãos, pois essa gravadora certamente irá encaminhá-lo à "divisão de projetos especiais", que, por sua vez, vai propor a este artista -- até porque não sabe fazer outra coisa -- um disco de duetos, com canções antigas recicladas e convidados estelares. 

Pois bem: chegou a vez de Van Morrison ter que gravar o seu disco de duetos, com canções antigas recicladas e convidados estelares. 

E como não podia deixar de ser, ele fez isso de uma maneira completamente honesta e inusitada, o que fica claro no título seco, curto e grosso do disco: "Duets: Re-Working The Catalogue" (um lançamento RCA). 

Em outras palavras: Sem firulas, please!




Para a surpresa geral, acho que inclusive da sua gravadora, todas as canções mais conhecidas de Morrison -- "Brown Eyed Girl", "Domino", "I've Been Working", "Moondance", "Caravan", "Wild Night", "Jackie Wilson Said", "Have I Told You Lately" -- ficaram de fora de "Duets: Re-Working The Catalogue"

As canções escolhidas são todas, ou quase todas, "album tracks" pouco conhecidas, pinçadas dos discos que ele gravou de 1980 para cá, logo após seu breve estrelato nos Anos 1970.

O critério para essas escolhas de canções aparentemente foi determinado em comum acordo com os artistas escolhidos para contracenar com ele.

Joss Stone, por exemplo, já cantava "Wild Honey" em seus shows, e agora teve a chance de cantá-la ao lado do autor Van Morrison -- o que a deixou lisonjeada, com certeza, mas deixou, antes de mais nada, nosso baixinho irlandês completamente encantado por ela, por seu talento, seu tamanho e sua gostosura. Quem não vibra com mulheres grandalhonas que atire a primeira pedra...

Simbiose semelhante acontece em "Irish Heartbeat", que Mark Knopfler incluiu nos shows de sua última tournée, dois anos atrás. Aqui, nesse dueto com Morrison, aflora uma delicadeza ímpar, onde predomina uma serenidade folk-pop a toda prova.

Em "Born To Sing", um número bem mais truculento, o lendário cantor inglês Chris Farlowe, com quem Morrison rivalizava em meados dos Anos 60 nas paradas inglesas, une forças a  ele e os dois praticamente reivindicam a mesma profissão de fé com suas vozes possantes e encorpadas.

Algo semelhante acontece em "Whatever Happned to P J Proby", número composto dez anos atrás, em que Morrison evoca um grande cantor da década de 1960 que desapareceu por completo da Cena dos Anos 1980 para cá. Pois não é que Morrison localizou P J Proby, e os dois juntos gravaram uma versão definitiva para essa canção?

São gravações assim que fazem de "Duets: Re-Working The Catalog" um ítem complementar muito interessante na discografia de Van Morrison.




Mas "Duets: Re-Working The Catalogue" ainda reserva outros momentos gloriosos, como "How Can A Poor Boy" ao lado de Taj Mahal, ou "Some Peace Of Mind" com o saudoso Bobby Womack, ou ainda "Lord If I Ever Needed Someone" com a magnífica Mavis Staples, que leva nosso querido Mr. Morrison direto aos céus nas asas de um anjo negro.

Se eu, pessoalmente, tiver que escolher uma favorita, fico com "Fire In The Belly", onde Morrison e Steve Winwood trafegam pelo inesgotável território da soul music que ambos sempre souberam defender tão bem.

"Duets: Re-Working The Catalogue" é o trigésimo quinto disco de Van Morrison, e não é um ítem fundamental na sua carreira, e nem pretende ser. Mas é, com certeza, o disco de duetos mais honesto, vibrante e satisfatório que você já ouviu em muitos e muitos anos.

Tentaram empacotar Van Morrison à sua revelia. Não conseguiram. 

Aos quase 70 anos de idade, ele continua indomável.

Van Morrison é a prova derradeira de que Deus não só existe, como é Irlandês.












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quarta-feira, abril 01, 2015

"TRACKER": MAIS UM BELO TRIUNFO ARTÍSTICO, ASSINADO COM ORGULHO POR MARK KNOPFLER


Mark Knopfler é um cara admirável.

Podia perfeitamente estar faturando até hoje em cima de seu passado glorioso à frente dos Dire Straits, fazendo tournées com seus ex-companheiros de banda e mantendo sua carreira solo mais próxima do gosto dos fãs mais conservadores -- que idolatram os Straits, mas se mantém refratários a seu trabalho atual.

O caso é que Mark prefere a aventura, e faz questão de correr riscos apostando em trabalhos às vezes conceituais e complexos, outras vezes um pouco mais prosaicos, mas nunca previsíveis.

Quem viu Mark em tournée ao lado de Emmylou Harris sabe bem do que estou falandosabe bem do que estou falando. Com ela, ele mergulhou tão fundo na alma da country music que não sossegou enquanto não atingiu resultados tão relevantes artisticamente quanto os que Gram Parsons experimentou ao lado da mesma Emmylou no início dos Anos 1970.



Três anos atrás, Mark surpreendeu a todos com um álbum duplo intenso e ambicioso chamado "Privateering", onde mergulhou fundo nas diversas sonoridades que compõem o que se convencionou chamar de Americana. 

Com isso, conseguiu uma proeza admirável: chegou ao topo das paradas inglesas com um trabalho introspectivo, soturno e de acesso nada fácil às emissoras de rádio. 

Pior: deu sustentanção a essa inusitada popularidade através um uma tournée prolongada, onde empurrou goela abaixo do público ranheta dos Dire Straits suas novas canções.



Agora, aos 65 anos de idade, Mark Knopfler está de volta com um novo disco mais prosaico e de apelo um pouco mais imediato, chamado simplesmente "Tracker" (um lançamento Verve Records), e composto por apenas 11 canções, todas de sua autoria.

Como o próprio nome do disco já indica, os temas das canções são novamente nostágicos e introspectivos, só que dessa vez a atitude de Mark é bem diferente: ele olha para trás para vislumbrar os rastros que deixou e as pessoas que mais o marcaram, que agora fazem parte de seu passado.

Um belo clássico disso é "Basil", uma canção extremamente delicada sobre sua amizade de longa data com o poeta Basil Bunting, com quem trabalhou nos anos 1970 no jornal The Newcastle Evening Chronicle.

Outro exemplo interessante é "Beryl", sobre sua afeição pela prolífica romancista inglesa Beryl Bainbridge, que esteve no páreo para ganhar o Booker Prize desde o início dos Anos 1970, mas só foi recebê-lo agora, em 2010, um ano depois de sua morte. 

Existe alguma alegria em "Tracker", mas é uma alegria contida, em tom menor, como a que permeia "Laughs And Jokes And Drinks And Smokes", faixa de abertura do disco,  aparentemente sobre os primeiros anos à frente dos Straits, antes da banda emplacar mundialmente no primeiro LP. É também o caso de "Long Call Girl", uma canção de amor delicada e serena, e de "River Towns", um adorável peaaseio pelo countryside da boa e velha Inglaterra. E, claro, tem ainda números intensos como "Skydiver" e "Mighty Man", ambas com a marca inconfundível do mesmo grande compositor de clássicos como "Love Over Gold" e "Why Worry".

Mark Knopfler fecha o disco com um número belíssimo chamado "Wherever I Go", onde ele divide a cena com Ruth Moody, do trio canadense The Wailin’ Jennys, com resultados tão emocionantes que dá vontade de recomeçar a ouvir o disco desde o início.



"Tracker" é um triunfo considerável para a carreira solo em tom menor de Mark Knopfler.

Com esse disco, ele prova que não precisa ter um projeto ambicioso em mãos, como "Privateering", para conseguir voar alto: basta dispor uma coleção de canções magníficas bem encadeadas, bem executadas, e exemplarmente produzidas como essas.

Simples, não?

Em última análise, "Tracker" é um disco extremamente verdadeiro da primeira à ultima faixa, um belíssimo trabalho, de altíssimo gabarito -- se não fosse, com certeza não levaria a assinatura de Mark Knopfler na capa.





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