Mostrando postagens com marcador Mavis Staples. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Mavis Staples. Mostrar todas as postagens

terça-feira, abril 07, 2015

VAN MORRISON PRODUZ UM DISCO DE DUETOS QUE É TUDO MENOS FROUXO E PREVISÍVEL.



Van Morrison faz 70 anos de idade este ano.

Quando um artista chega a essa faixa de idade, fica mais e mais difícil chegar em alguma gravadora com um projeto para um disco novo em mãos, pois essa gravadora certamente irá encaminhá-lo à "divisão de projetos especiais", que, por sua vez, vai propor a este artista -- até porque não sabe fazer outra coisa -- um disco de duetos, com canções antigas recicladas e convidados estelares. 

Pois bem: chegou a vez de Van Morrison ter que gravar o seu disco de duetos, com canções antigas recicladas e convidados estelares. 

E como não podia deixar de ser, ele fez isso de uma maneira completamente honesta e inusitada, o que fica claro no título seco, curto e grosso do disco: "Duets: Re-Working The Catalogue" (um lançamento RCA). 

Em outras palavras: Sem firulas, please!




Para a surpresa geral, acho que inclusive da sua gravadora, todas as canções mais conhecidas de Morrison -- "Brown Eyed Girl", "Domino", "I've Been Working", "Moondance", "Caravan", "Wild Night", "Jackie Wilson Said", "Have I Told You Lately" -- ficaram de fora de "Duets: Re-Working The Catalogue"

As canções escolhidas são todas, ou quase todas, "album tracks" pouco conhecidas, pinçadas dos discos que ele gravou de 1980 para cá, logo após seu breve estrelato nos Anos 1970.

O critério para essas escolhas de canções aparentemente foi determinado em comum acordo com os artistas escolhidos para contracenar com ele.

Joss Stone, por exemplo, já cantava "Wild Honey" em seus shows, e agora teve a chance de cantá-la ao lado do autor Van Morrison -- o que a deixou lisonjeada, com certeza, mas deixou, antes de mais nada, nosso baixinho irlandês completamente encantado por ela, por seu talento, seu tamanho e sua gostosura. Quem não vibra com mulheres grandalhonas que atire a primeira pedra...

Simbiose semelhante acontece em "Irish Heartbeat", que Mark Knopfler incluiu nos shows de sua última tournée, dois anos atrás. Aqui, nesse dueto com Morrison, aflora uma delicadeza ímpar, onde predomina uma serenidade folk-pop a toda prova.

Em "Born To Sing", um número bem mais truculento, o lendário cantor inglês Chris Farlowe, com quem Morrison rivalizava em meados dos Anos 60 nas paradas inglesas, une forças a  ele e os dois praticamente reivindicam a mesma profissão de fé com suas vozes possantes e encorpadas.

Algo semelhante acontece em "Whatever Happned to P J Proby", número composto dez anos atrás, em que Morrison evoca um grande cantor da década de 1960 que desapareceu por completo da Cena dos Anos 1980 para cá. Pois não é que Morrison localizou P J Proby, e os dois juntos gravaram uma versão definitiva para essa canção?

São gravações assim que fazem de "Duets: Re-Working The Catalog" um ítem complementar muito interessante na discografia de Van Morrison.




Mas "Duets: Re-Working The Catalogue" ainda reserva outros momentos gloriosos, como "How Can A Poor Boy" ao lado de Taj Mahal, ou "Some Peace Of Mind" com o saudoso Bobby Womack, ou ainda "Lord If I Ever Needed Someone" com a magnífica Mavis Staples, que leva nosso querido Mr. Morrison direto aos céus nas asas de um anjo negro.

Se eu, pessoalmente, tiver que escolher uma favorita, fico com "Fire In The Belly", onde Morrison e Steve Winwood trafegam pelo inesgotável território da soul music que ambos sempre souberam defender tão bem.

"Duets: Re-Working The Catalogue" é o trigésimo quinto disco de Van Morrison, e não é um ítem fundamental na sua carreira, e nem pretende ser. Mas é, com certeza, o disco de duetos mais honesto, vibrante e satisfatório que você já ouviu em muitos e muitos anos.

Tentaram empacotar Van Morrison à sua revelia. Não conseguiram. 

Aos quase 70 anos de idade, ele continua indomável.

Van Morrison é a prova derradeira de que Deus não só existe, como é Irlandês.












AMOSTRAS GRÁTIS

quarta-feira, abril 17, 2013

BETTYE LAVETTE COMEMORA 50 ANOS DE CARREIRA E BRILHA ABSOLUTA, FINALMENTE.


A cena do Northern Soul -- a soul music produzida em Detroit, Philadelphia e Nova York -- sempre foi particularmente cruel com seus cantores e cantoras.

A maioria desses artistas surgia em compactos sob a tutela de algum produtor linha dura, também compositor, ou ligado a alguma editora musical que provia seus associados com canções de encomenda providenciadas por compositores de aluguel.

Não era fácil conseguir crescer neste meio selvagem.

Nenhum produtor fazia apostas de médio e longo prazo.

Um único compacto que não emplacasse nas paradas já dava motivo para que devolvessem ao anonimato um cantor ou cantora recém-anunciado como "the next best thing in showbiz".

Capitalismo selvagem, mesmo.

Uma situação diametralmente diferente da que acontecia com a soul music produzida no Sul dos Estados Unidos, em Memphis e New Orleans, onde artistas não eram tratados de forma descartável, não eram tão subjulgados a produtores quanto no Norte, e até podiam eventualmente participar do processo criativo de seus próprios discos -- o que sempre resultava num produto final mais autêntico e menos empacotado de acordo com as regras das Paradas de Sucesso.



Pois bem: Bettye LaVette surgiu com sua voz ríspida e encorpada na área de Detroit no início dos anos 60.

Curiosamente, foi descartada logo de cara por Berry Gordy, da Motown, que era praticamente dono da cena musical soul da cidade.

Mas -- ora, ora, vejam só! -- chamou a atenção dos irmãos Nesuhi e Ahmet Ertegun, da Atlantic Records em Nova York, que viram nela uma possível sucessora para Ruth Gordon e um futuro promissor.

Só que Bettye, no entanto, não se entusiasmou muito com a possibilidade de se perder em meio ao extenso elenco de rhythm and blues da Atlantic, e achou por bem não ficar muito tempo por lá, seguindo em frente e testando outras possibilidades em selos independentes como Scepter, Calla, Roulette e Silver Fox -- que, infelizmente, só proporcionaram a ela sucessos efêmeros com compactos de sucesso regional.

Assim, ela viu os anos 60 passarem, e nada de muito substancial acontecer em sua carreira, enquanto Aretha Franklin, Tina Turner e Dionne Warwick reinavam quase absolutas na cena soul nacional.

Saiu atrás do prejuízo nos início dos anos 70, e aceitou um convite de Arif Mardin para retornar à Atlantic Records. Era uma empreitada que tinha tudo para dar certo: contaria com o apoio de um produtor brilhante, condições de trabalho perfeitas, e alguma liberdade na escolha de repertório. Mas depois de dois compactos mal sucedidos comercialmente, que deveriam servir de escada para um LP que já estava pronto para ser lançado, a Atlantic declinou, não lançou o Lp e a dispensou de seu contrato.

Para Bettye foi o inferno. Ela ficou tão decepcionada com esse malogro que praticamente desistiu de sua carreira fonográfica. mudou de mala e cuia para a Broadway, e tratou de ficar quietinha por lá, trabalhando como cantora em musicais e tocando a vida em frente, sem decepções, durante quase 30 anos.

Perto da virada do século, Bettye decidiu retomar sua carreira de cantora, e conseguiu algumas datas pela Europa. Uma gravadora alemã se interessou em lançar um disco dela gravado ao vivo por lá, "Let Me Down Easy", que acabou sendo lançado também nos Estados Unidos por um selo independente.

Foi aí que os americanos finalmente a "descobriram".

Não eram poucos seus predicados artísticos seus predicados. Ela lembrava Mavis Staples na escolha de repertório, se aproximava de Etta James e Tina Turner no timbre vocal, e tinha um domínio de cena que lembrava Marlena Shaw e Cissy Houston. Só faltava cair nas mãos do produtor certo.

Foi quando conheceu Joe Henry, iniciando uma parceria que começou brilhantemente em "I've Got My Own Hell To Raise", presença em praticamente todas as listas de melhores discos do ano de 2005.

De lá para cá, ela não parou mais de gravar, surgindo a cada dois anos com mais uma pequena obra-prima, sempre mais marcante que a anterior.



'Thankful n'Thoughtful" é seu mais recente trabalho.

Saiu no finalzinho do ano passado, foi incluído na minha lista de Melhores de 2012 para o Jornal da Orla, mas não chegou a ser comentado aqui, por escrito. Uma falha imperdoável da minha parte, da qual tento me redimir agora, por conta das comemorações de 50 anos de carreira desta cantora magnífica.

'Thankful n'Thoughtful" é um disco bem mais orgânico e menos temático que seus trabalhos anteriores. Aqui não há mais nenhuma preocupação em criar um projeto de alto gabarito para servir de veículo para o talento de Bettye. O talento e o bom senso artístico de Bettye é que comandam o show. E tudo funciona às mil maravilhas.

Não há muito mais o que dizer sobre ela e o disco a título de apresentação -- e não vou ficar comentando canção por canção, até porque todas as escolhas que ela fez são perfeitas, e os arranjos providenciados por Joe Henry e os músicos envolvidos no projeto estão impecáveis, sempre privilegiando um toque de country-soul sulista que é deliciosamente atemporal.

Ainda assim, não vou resistir à tentação de destacar a releitura soul que ela fez para "Everybody Knows This Is Nowhere", de Neil Young.

É uma pequena obra-prima.

E dá a dimensão exata da grandeza artística de Bettye Lavette.

Vai entender porque deixaram que uma artista do porte dela sumisse do mapa por tanto tempo.

Por sorte, de agora em diante, isso não vai mais acontecer.




BIO-DISCOGRAFIA


WEBSITE PESSOAL

AMOSTRAS GRÁTIS