sexta-feira, fevereiro 27, 2015

VENHA CONHECER UMA CALIFORNIA POUCO ENSOLARADA COM CAMPER VAN BEETHOVEN


De todas as bandas estranhas e dificeis de rotular surgidas nos anos 1980, o Camper Van Beethoven é serio candidato ao título de Banda Mais Iconoclasta da Cena Independente.

Muito antes de existir o que hoje chamamos de Indie Rock, o cantor e guitarrista David Lowery e seus colegas de banda já misturavam punk com folk, mais ska e world music num repertório bem laid-back, à moda do Grateful Dead, numa mistureba sonora que alguns tentaram classificar como folk-rock surrealista.

Mas o caso é, depois de três albuns independentes muito badalados entre a crítica, mas pouco conhecidos do grande público, eles conseguiram um contrato com a Virgin, que decidiu promovê-los de forma intensa. 

E então, quando o "Our Beloved Revolutionary Sweetheart", o quarto álbum, foi lançado, ficou claro que o excesso de produção proposto pela irgin havia não só desfigurado o Camper Van Beethoven como também criado celeumas internos difíceis de ser contornados. 

Resultado: o Camper Van Beethoven não aguentou e desmoronou em 1989. 



Durante os anos 90, cada integrante seguiu para um lado. Dave Lowery montou o Cracker, uma banda com sonoridade bem roqueira que conseguiu fazer uma carreira muito interesssante, com vários hits bem posicionados nas paradas do início dos anos 1990, como "Low" e a genial "Teen Angst (What The World Needs Now)", que rivalizou na época com "Smells Like Teen Spirit", do Nirvana, na condição de hino de uma geração. O baixista Victor Krummenacher e o guitarrista Greg Lisher retomaram o Monks Of Doom, banda que eles tinham antes de entrar para o Camper Van Beethoven. Quanto ao violinista e trecladista Jonathan Segel, montou o estranhíssimo Hyeronimous Firebrain, e depois o duo Jack & Jill.

E então, em 2002, quando ninguém mais pensava que o Camper Van Beethoven poderia um dia voltar, eles ressurgiram do nada com um disco no mínimo estranho: "Tusk", onde regravaram o clássico álbum duplo do Fleetwood Mac de 1980 faixa por faixa, em covers um tanto quanto estranhos. Na verdade, esse disco nem deveria ter sido lançado. Os membros da banda não sabiam se conseguiriam voltar a tocar juntos novamente e decidiram tocar um album que todos gostavam e conheciam bem.

Mas de lá para cá tudo parece ter clareado para o Camper Van Beethoven, e eles vem produzindo discos conceituais muito divertidos como "New Roman Times" (2004), sobre o Estado do Texas, e "La Costa Perdida" (2013), sobre a California.



Agora, eles voltam com "El Camino Real" (2014)

É um disco estranhamente sombrio, estranhamente "laid back", mas  muito vigoroso.

Na verdade, é composto por canções que sobraram de "La Costa Perdida" sobre a California. Todas elas fortes o suficiente para funcionar não exatamente como uma sequência daquele projeto. mas como um apêndice. 

Claro que todos os que, por algum motivo, não conhecem "La Costa Perdida", poderão perfeitamente ouvir "El Camino Real" como um album autônomo, sem prejuízo algum qualquer das partes envolvidas.

O som clássico do Camper van Beethoven está lá, em números extremamente marcantes como "Come Down The Coast", "Northern California Girls", "The Ultimate Solution" e "Dockweiller Beach".

A grande surpresa fica por conta de "Grasshopper", faixa de encerramento do disco, que busca um meio termo impossível entre as sonoridades dos Beach Boys e do Grateful Dead, numa tentativa de mergulhar na essência musical da California.

Eu pessoalmente achei "El Camino Real" muito mais do que apenas um disco intenso e delicioso de uma banda que não cansa de nos surpreender com reviravoltas em sua decida retomar sua idéia de biografia.

Sufjan Stevens tem algo a aprender com eles, caso decida retomar seu projeto de mapear musicalmente os Estados Unidos em seus álbuns.

É que, com o Camper Van Beethoven, esse mapeamento nunca segue pelas estradas principais.

Eles melhor do que ninguém sabem que as estradas vicinais são as que contém as grandes supresas e as melhores revelações.







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sexta-feira, fevereiro 20, 2015

ABRAM ALAS PARA O CHICAGO BLUES SWINGADO DE PIÈRRE LACOCQUE E SEU MISSISSIPI HEAT

Quem diria que esse projeto all-star comandado pelo gaitista Pièrre Lacocque iria tão longe. 

O Mississippi Heat começou em 1992 reunindo a nata dos músicos da noite de Chicago -- gente do naipe de Bob Stroger, Robert Covington, Billy Flynn e James Wheeler -- para resgatar a sonoridade clássica do Chicago Blues dos Anos 50. 

Com o passar do tempo, o espectro musical e os integrantes da Mississippi Heat começaram a mudar. A banda passou a trabalhar com 3 cantores. 

O repertório e os arranjos começaram a mesclar Chicago Blues com várias outras vertentes musicais mais modernosas, deixando de lado qualquer proposta revisionista. 


Além disso, passaram a contar com uma sessão de metais poderosíssima comandada por um sax barítono, que promove um contraponto único com a gaita de Lacocque. 

Da proposta original permaneceram apenas as guitarras vigorosas e muita gaita na linha de frente da banda. 

Permaneceram também, claro, o alto padrão de qualidade dos discos do Mississippi Heat. 




Esse "Warning Shot" (um lançamento DELMARK Records), que chegou às lojas no final do ano, já é o 11° da carreira do Mississipi Heat, e é disparado o mais vibrante de todos até agora. 

Pièrre Lacocque usa o blues como ponto de partida para diversas aventuras musicais e continua não dando a mínima para os puristas. 

Mistura blues com reggae, música latina, rhythm & blues e rock and roll sem o menor pudor. 


Não é exagero nenhum afirmar que o Mississippi Heat está para o Meio-Oeste assim como o Roomful Of Blues está para a Costa Leste Americana. 

É uma banda espetacular, que se reafirma artisticamente a cada disco. 

Se você ainda não conhece o trabalho deles, 'Warning Shot" é um excelente ponto de partida. 

Sem contraindicações.

















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sexta-feira, fevereiro 13, 2015

DR. JOHN VIAJA "DE VOLTA PARA O FUTURO" COM LOUIS ARMSTRONG NUMA BRINCADEIRA GENIAL


Desde que iniciou sua carreira solo no final dos Anos 60 com o estranhíssimo LP "Gris-Gris", em que misturava sonoridades primitivas de New Orleans com rock psicodélico, Dr. John nunca gravou um disco semelhante ao anterior e sempre fez de suas apostas no incerto uma espécie de profissão de fé.

Avesso a revisionismos -- e, ao mesmo tempo, um defensor feroz das tradições musicais de New Orleans --, esse pianista, arranjador, guitarrista, produtor, compositor e dublê de cantor de 73 anos de idade conseguiu criar uma obra musical extensa e completamente multifacetada, sempre desafiando classificações de qualquer espécie.


De uns anos para cá, Dr. John passou a homenagear de tempos em tempos grandes figuras do passado do jazz com discos temáticos onde temas clássicos ganham roupagens inusitadas.

Fez isso em 1999 em 'Duke Elegant", uma abordagem modernosa e eloquente ao universo musical de Duke Ellington. 

Repetiu a dose em 2006 com o grande compositor Johnny Mercer num passeio nada convencional por algumas de suas canções em 'Mercenary".

E agora, eis que Dr. John decide homenagear Louis Armstrong, ressaltando tudo o que sua música tem de moderno e atual.

O resultado é simplesmente magnífico.


"Ske Dat De Dat: The Spirit Of Satch" (um lançamento Concord Records) é exatamente isso que diz o subtítulo: fiel ao espírito sempre inovador e popular da música de Louis Armstrong.

Partindo desse enfoque, Dr. John mergulha de cabeça no repertório clássico de Satchmo prestando reverência apenas ao que ele tem de grandioso, sempre buscando para essas velhas canções roupagens atemporais em abordagens musicais de extremo bom gosto.

Parte do sucesso dessa empreitada artística pode ser creditada à maneira absolutamente criativa com que ele combinou músicos de jazz da Cidade de New Orleans com artistas de gospel, blues e pop.

Logo na abertura levamos um tapa na cara com uma versão uptempo suingadíssima para "What A Wonderful World" em que ele divide a cena com o grupo vocal The Blind Boys Of Alabama. 

Daí em diante, é uma surpresa atrás da outra.

"Mack The Knife" vira um groove espetacular, lembrando um pouco as gravações clássicas dos Meters, mas incluindo no pacote elementos díspares como o saxofone de Terence Blanchard e um rap de Mike Ladd que fala sobre a "Opera dos Três Vinténs" de Bertold Brecht e Kurt Weill, da qual ela faz parte -- e o mais impressionante é que Dr. John consegue fazer com que essas peças todas se encaixem com perfeição.

"Tight Like This", que vem logo a seguir, está quase irreconhecível: ganhou elementos musicais Afro-Cuban deliciosos,  contrapondo de forma brilhante o trumpete de Arturo Sandoval com as intervenções da rapper cubana Telmary Diaz.

Mas então, entra "I've Got The World On A String" numa levada bem bluesy, com ele e Bonnie Raitt dividindo os vocais -- e partir daí não há mais estranhamento nenhum: pode vir o que vier, pois já estamos completamente rendidos e embalados pelo pluralismo musical irresistível desse grande Mestre da Música do Deep South americano.


Dr. John fez questão de chamar para participar desse LP alguns dos maiores trumpetistas da cena atual: James Andrews, Nicholas Payton, Wendell Brunious, além dos já mencionados Terrence Blanchard e Arturo Sandoval. 

Fez isso na esperança de que eles conseguissem imprimir no disco meio que pela contramão, um pouco da influência que Louis Armstrong possa ter exercido no desenvolvimento de seus estilos -- e acertou na mosca.

"Ske Dat De Dat: The Spirit Of Satch" é um trabalho superlativo em todos os sentidos, prova inquestionável da grandeza musical avassaladora de Dr. John Mac Rebbaneck.

Eu confesso que nunca imaginei ouvir uma releitura tão ousada e tão contagiante para "Sometimes I Feel Like A Motherless Child" quanto a que o cantor Anthony Hamilton preparou para esse disco.

E que maneira deliciosa de encerrar com 'When You're Smiling", reunindo todos os trumpetistas convidados para soprar forte, todos juntos. 

Dá até para imaginar o velho Satchmo com seu sorrido largo em algum canto do estúdio se deliciando com tanta farra e tanto carinho.

Doutor, parabéns mais uma vez. 

Você é demais!




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terça-feira, fevereiro 10, 2015

AEROSMITH PASSA O PASSADO A SUJO, E MOSTRA O QUANTO FORAM GRANDES NOS ANOS 1970

É consenso que o Aerosmith foi nos anos 70 o equivalente americano aos Rolling Stones.

Apesar dos dois grupos serem muito diferentes musicalmente, é inegável que nenhuma outra banda americana conseguiu combinar o ataque de dois guitarristas e de um vocalista de forma tão intensa e tão bem resolvida quanto esses rapazes de Boston.

Além do mais, o cantor Steven Tyler e seu parceiro Joe Perry formavam no início uma dupla de compositores implacável, e combinavam tão bem que um parecia ser a extensão do outro -- e é inegável que boa parte da magia que explode na do Aerosmith em seus melhores momentos vem justamente dessa simbiose.

Com o passar do tempo, e com o desgaste natural depois de seis anos de exposição constante ao público. muito dessa magia foi-se perdendo.

Depois de uma série de 5 LPs extremamente bons -- "Aerosmith", "Draw The Line", "Toys In The Attic", "Rocks" e "Draw The Line" --, o Aerosmith naufragou em meio a várias modalidades de excessos: de drogas, de bebidas, de estrelismo, de má administração em geral e de péssimo empresariamento.    


Faliram nos 80, se separaram, perderam todo o patrimônio e chegaram ao ponto de, depois de venderem iates e mansões, acabarem morando em hotéis duvidosos da Oitava Avenida, em Nova York, junto com boa parte dos traficantes da área. Foram ao fundo do poço.



Mas, graças ao sempre extremamente paciente David Geffen, da geffen Records, que não só os contratou como também supervisionou o rehab deles todos, o Aerosmith ressurgiu nas cinzas em meados dos Anos 1980 e alcançou novamente o estrelato na ddécada seguinte, conquistando uma nova legião de fãs ardorosos com LPs mais AOR como "Pump", "Get A Grip" e "Nine Lives".

Da virada do Século 21 para cá, no entanto, o Aerosmith perdeu a relevância em discos medonhos como "Just Push Play" e "Music From Another Dimension!". 

Seguem excursionando incessantemente e mantém sua legião de fãs graças a um "stage act" fortíssimo, mas estão correndo o sério risco de virar uma atração nostálgica, já que não conseguem mais conquistar novas fatias de público.

Ainda assim, seguem na esperança de um "third time around" que provavelmente não virá.


Daí, para manter a dignidade e a auto-estima da banda em dia, o jeito é recorrer a material de arquivo -- e por sorte, o Aerosmith tem material de arquivo de sobra guardado desde os Anos 70 nas geladeiras da Columbia Records.



Esse novo álbum duplo "Up In Smoke" (um lançamento Columbia Records) resgata duas performances bem intensas da banda, gravadas para emissoras de rádio e que por muitos anos circularam por aí em bootlegs de péssima qualidade sonora.

A primeira performance foi gravada no Estúdio de uma Emissora de Ohio em 1973, quando o Aerosmith promovia seu primeiro álbum, lutava por exposição ao público e mal conseguia disfarçar o prazer de estar levado sua música a um público que ainda não os conhecia.

São dez números no total: cinco do primeiro LP, "Aerosmith", e outros cinco do segundo, "Get Your Wings", que já estava gravado mais ainda aguardava lançamento.  

Já a segunda performance é de um show ao vivo na Philadelphia em 1978, com 18 canções, que foi transmitido ao vivo por uma Emissora de Rádio da cidade.

Aqui já temos os rapazes do Aerosmith em pleno estrelato e em plena maturidade musical, desfilando um repertório dos três discos seguintes em performances fulminantes -- melhores inclusive do que as do álbum duplo clássico "Live Bootleg", gravado na mesma torunée de 1978.

Não é, de forma alguma, um disco fundamental na discografia da banda.

Mas são performances excelentes, despojadas, sem frescuras, cujo resgate não só é extremamente bem-vindo como certamente irá proporcionar momentos muito agradáveis aos fãs clássicos da banda, podendo eventualmente, quem sabe, abduzir um ou outro novo adepto.

Pode acreditar: elas são vigorosas o suficiente para isso.




Segue abaixo o tracklist deste álbum duplo indispensável para os fãs incondicionais dos primeiros 5 discos do Aerosmith:

01. Make it (Radio Broadcast Studio Session Ohio 1973) (4:19)
02. Somebody (Radio Broadcast Studio Session Ohio 1973) (4:29)
03. Write Me (Radio Broadcast Studio Session Ohio 1973) (4:43)
04. Dream On (Radio Broadcast Studio Session Ohio 1973) (4:45)
05. One Way Street (Radio Broadcast Studio Session Ohio 1973) (7:28)
06. Walkin' The Dog (Radio Broadcast Studio Session Ohio 1973) (4:14)
07. Pandora's Box (Radio Broadcast Studio Session Ohio 1973) (8:10)
08. Rattlesnake Shake (Radio Broadcast Studio Session Ohio 1973) (0:58)
09. Train Kept A Rollin' (Radio Broadcast Studio Session Ohio 1973) (5:50)
10. Mama Kin (Radio Broadcast Studio Session Ohio 1973) (4:43)
11. Intro (Radio Broadcast Live Philadelphia 1978) (1:31)
12. Rats In The Cellar (Radio Broadcast Live Philadelphia 1978) (3:41)
13. I Wanna Know Why (Radio Broadcast Live Philadelphia 1978) (3:00)
14. Big Ten Inch Record (Radio Broadcast Live Philadelphia 1978) (3:37)
15. Walk This Way (Radio Broadcast Live Philadelphia 1978) (4:05)
16. Sight For Sore Eyes (Radio Broadcast Live Philadelphia 1978) (3:41)
17. Seasons Of Wither (Radio Broadcast Live Philadelphia 1978) (5:24)
18. Sweet Emotion (Radio Broadcast Live Philadelphia 1978) (5:03)
19. Lord Of The Thighs (Radio Broadcast Live Philadelphia 1978) (7:21)
20. Kings And Queens (Radio Broadcast Live Philadelphia 1978) (5:15)
21. Chip Away The Stone (Radio Broadcast Live Philadelphia 1978) (4:05)
22. Get The Lead Out (Radio Broadcast Live Philadelphia 1978) (3:18)
23. Get It Up (Radio Broadcast Live Philadelphia 1978) (4:01)
24. Draw The Line (Radio Broadcast Live Philadelphia 1978) (4:37)
25. Same Old Song And Dance (Radio Broadcast Live Philadelphia 1978) (5:00)
26. Toys In The Attic (Radio Broadcast Live Philadelphia 1978) (5:14)
27. Milk Cow Blues (Radio Broadcast Live Philadelphia 1978) (5:30)
28. Train Kept A' Rollin' (Radio Broadcast Live Philadelphia 1978) (4:22)





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segunda-feira, fevereiro 09, 2015

A ESTRÉIA TARDIA DE UMA CAIPIRINHA DE NASHVILLE MUITO TALENTOSA: BRANDY CLARK


A cada ano que passa, Nashville, a outrora capital conservadora da country music, fica mais e mais progressista e plural em termos musicais.

A cidade se empenhou para valer nos últimos 15 ou 20 anos não só para incorporar todas as "novidades" mescladas ao gênero nos Anos 1960 e 1970 como também para se afirmar novamente como a "Capital Musical do Coração da América".

E conseguiu.

Claro que, para viabilizar isso, as divisões das grandes gravadoras instaladas na cidade começaram a contratar compositores, músicos de estúdio e produtores jovens vindos de todos os cantos do país, se possível com experiência nas cenas Indie e Americana.

E então, de uma hora para outra, uma legião de jovens talentos ajudou Nashville a deixar o ranço e a mesmice de lado para preparar a música da cidade para a Século 21.

Os resultados está aí, para quem quiser ver. A Cena Country de lá é atualmente um dos filões mais prósperos da Indústria Fonográfica americana. Não é à toa que a revista Rolling Stone passou a ter cobertura intensiva na cena da cidade do ano passado para cá.

Se antes todo jovem artista pop rumava para Austin, Los Angeles ou Nova York para tentar a sorte, hoje ele sabe que terá em Nashville um destino bem mais acolhedor.


Brandy Clark, por exemplo, começou sua carreira em Seattle e seguiu para Nashville em 1997 para tentar se profissionalizar como cantora e compositora. 

Foi bem recebida pela cidade, mas foi rejeitada como cantira, conseguindo trabalho apenas como compositora.

Suas canções logo chamaram a atenção, e começaram a ser requisitadas por artistas de primeiro time como LeAnn Rimes, Reba McIntire, Keith Urban, Miranda Lambert e Sheryl Crow.

Em não muito tempo, Brandy já estava integrada à nata dos compositores que trabalham na cidade, e as encomendas não paravam de chegar.

Mas ela queria mais do que isso: queria poder cantar suas próprias canções, gravar seus próprios discos, deixar de ser apenas um nome nos créditos para virar a atração principal.

Demorou um bom tempo para alcançar isso. Uma demo com várias canções circulou por mais de dois anos por várias mesas de executivos da cidade, sem sucesso.

Até que ano passado, com o apoio de vários artistas amigos que são parceiros eventuais em canções -- como Miranda Lambert, Ashley Monroe, Shane McAnnaly e Kacey Musgraves --, Brandy recebeu o empurrão que faltava, e finalmente conseguiu um contrato para gravar um LP só dela.
"12 Songs" é o seu trabalho de estréia, aos 37 anos de idade.

É uma coleção de canções estranhas, com um senso de humor muito peculiar e ironias às vezes implacáveis, que possivelmente não encontrariam lugar nos repertórios da maioria dos artistas da cidade.

Em suas próprias palavras: "O tom dessas doze canções é o de uma comédia sombria, porque a realidade é ao mesmo tempo dura e engraçada, e é importante saber rir de tudo isso. Minha inspiração vem de pessoas que conseguem diariamente sobreviver a seus próprios cotidianos. Parece brincadeira, mas não é nada fácil".

"12 Songs" contrapõe canções sobre mulheres completamente destrambelhadas ("Crazy Women", "The Day She Got Divorced"), famílias disfuncionais ("Pray To Jesus", "Just Like Him") e excessos químicos ("Hungover", "Get High") com outras canções que são de uma delicadeza ímpar -- como a balada "Hold My Hand", em que ela divide os vocais com Vince Gill.

Como sempre acontece quando algum compositor vira artista solo, muitos artistas com quem ela já trabalhou fizeram questão de aparecer no estúdio para contribuir com participações especiais, e com isso dar um status all-star para a estreante.

Mas, para que essa alquimia funcione direito, é preciso que os convidados se sintam em casa.

Felizmente, aqui em "12 Songs", todos estão em casa.


Brandy Clark concorreu nas categorias "Artista Revelação do Ano" e "Melhor Album Country" na última edição do Grammy dia 8 de Fevereiro.

Não levou, mas perdeu para sua parceira Miranda Lambert -- o que pode ser considerado quase uma vitória.

Mas tudo bem, a temporada de prêmios da Indústria Fonográfica está apenas começando, e alguma coisa muito boa certamente está guardada para "12 Songs".

O importante, na verdade, é que graças a artistas desalinhados como Brandy Clark, Miranda Lambert, Ashley Monroe, Shane McAnnaly e Kacey Musgraves, a música de Nashville perdeu a palidez e rejuvenesceu, voltando a ser "a cara da America".

Para quem tiver interesse em se iniciar nesse território musical, "12 Songs" é uma excelente porta de entrada, e Brandy uma ótima anfitriã.

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http://www.brandyclarkmusic.com/

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quinta-feira, fevereiro 05, 2015

JEFF TWEEDY ADIA MAIS UMA VEZ SUA ESTRÉIA SOLO NUM BELO ÁLBUM EM DUO COM SEU FILHO


Jeff Tweedy é o Rei da Melancolia na cena alternativa americana.

Seu trabalho à frente do Uncle Tupelo e do Wilco é impecável, tanto como compositor, cantor e guitarrista quanto como produtor e band-leader.

Tanto que, apesar dele gostar de se envolver em projetos paralelos de tempos em tempos -- como os grupos all-star Golden Smog, Minus 5 e Loose Fur --  nunca passou por sua cabeça embarcar numa carreira solo.

Mas então, ano passado, enquanto o Wilco celebrava seu aniversário de 20 anos com uma tournée para promover uma série de discos de material inédito de estúdio que estava arquivado, Jeff teve uma notícia triste: sua mulher, Susan Miller Tweedy, foi diagnosticada com um linfoma. 

Assim que a tournée terminou, Jeff se recolheu em casa para cuidar dela, e começou a trabalhar em seu estúdio caseiro uma série de demos com seu filho mais velho, Spencer Tweedy, de 18 anos de idade, e a maioria das canções nessas demos trata de vida familiar deles e da iminência dela ser golpeada com a saída de cena se sua mulher.




Como não eram canções adequadas para o Wilco, Jeff decidiu lançá-las naquele formato mesmo, com apenas dois musicos -- Spencer e ele -- participando, num álbum duplo de produção despojada, e assinado por Tweedy.

E então nasceu "Sukierae" (lançamento Anti/dBpm Records), um belo álbum duplo com 20 canções que desfilam uma musicalidade meio opaca se comparada ao Wilco, que nos convida para participar da intimidade artística de um núcleo familiar unido num esforço de tentar desfrutar do que podem ser seus últimos momentos.

Eu confesso que relutei um pouco a ouvir esse álbum, lançado em Outubro do ano passado, pois estava evitando trabalhos movidos por motivações assim. Mas então assisti "Boyhood", filme de Richard Linklater que ganhou vários Golden Globes, e fiquei encantado com a canção tema, "Summer Noon", que faz parte desse álbum, e daí em diante foi impossível não ser arrebatado pelo trabalho dos dois.



Nenhuma das canções de "Sukiarae" lida diretamente com os assuntos morte e crise familiar, mas algumas delas passam a limpo anos e anos de vida em comum de uma maneira reflexiva e eventualmente melancólica. Já outras tentam tirar leite de pedra, falando sobre as alegrias da vida cotidiana sem conseguir esboçar um sorriso.

A névoa que cerca "Sukiarae" é proposital, e funciona como uma defesa para Jeff e Spencer Tweedy. 

Por outros lado, o jeito aventuresco e meio amalucado de Spencer tocar bateria acabou permitindo a Jeff ser mais inventivo e audacioso como solista na guitarra -- algo que, no Wilco, ele normalmente evita fazer, preferindo sempre ser o maestro da banda e não o solista.




"Sukiarae" é um belo trabalho, uma comunhão de pai e filho muito delicada e preciosa em termos musicais.

Se eu tiver que escolher minhas canções favoritas, ficaria com a faixa de abertura "Don't Let Me Be So Understood", "New Moon" e "Wait For Love" -- além de "Summer Noon", claro.

É um disco perfeito para se ouvir sozinho num dia de chuva, ou num dia frio.

Ao final, vem a constatação de que a vida é muito melhor sempre que estamos repartindo a mesma órbita de quem a gente ama.


WEBSITES OFICIAIS
http://spencertweedy.com/
http://wilcoworld.net/#!/

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terça-feira, fevereiro 03, 2015

30 ANOS DEPOIS DE "BOYS AND GIRLS", BRYAN FERRY DESAFIA O TEMPO E GANHA A PARADA.



De todos os herdeiros musicais do pop impressionista de Scott Walker nos anos 60, Bryan Ferry é disparado o melhor e o mais original.

Desde seu início de carreira à frente do Roxy Music, sua presença sempre foi intensa e marcante, e se destacava em meio àqueles músicos tarimbadíssimos com uma postura andrógina e trajando decadentistas.

Era uma banda complicada. A orientação musical de Brian Eno e Phil Manzanera nos arranjos e nas composições deixou marcas muito fortes nos primeiros álbuns deles. Bryan, ao invés de confrontá-los para conquistar mais espaço no processo criativo da banda, optou por guardar a maioria das idéias que tinha para usar em seus trabalhos solo. Trabalhos que pareciam mais apêndices aos discos do Roxy, já que eram compostos por covers de suas canções preferidas. Só que, na verdade, não eram apenas covers, e sim ensaios para um projeto artístico que ainda estava em gestação, aguardando o momento certo para vir à público.  

Mas então, em meio a muita tensão, o Roxy Music fez uma pausa de quase 4 anos depois do LP "Siren", e quase todos os integrantes da banda embarcaram em carreiras solo ou projetos paralelos. 

Foi quando Bryan sentiu que estava na hora de dar um tempo com os LPs de covers -- já tinha gravado 3 até então -- para apostar num projeto mais consistente, todo autoral. 

E surpreendeu a todos -- crítica e público -- com dois álbuns solo muito fortes, "In Your Mind" e "The Bride Stripped Bare", onde aqueles estranhamento musical cultivado pelo Roxy Music era trocado por texturas eletrônicas mescladas a guitarras e teclados modernosos e de um bom gosto implacável.




O sucesso desses dois discos solo trouxe a Bryan Ferry um status diferenciado assim que o Roxy Music voltou em 1979 -- até porque foi o único integrante da banda que se deu bem nas suas empreitadas solo. 

E Bryan começou a ganhar cada vez mais espaço dentro do Roxy. 

Nas sessões de gravação de "Flesh + Blood", sua liderança ficou tão evidente que o guitarrista Phil Manzarena não hesitou em entregar os pontos e permitir que a banda se transformasse numa espécie de veículo para as -- ótimas -- idéias musicais de Bryan Ferry. 

Até que em "Avalon" (1982), Bryan finalmente engoliu o Roxy. 

E fez isso num padrão de excelência tão inquestionável que levou os integrantes da banda à terrível conclusão de que a banda não tinha mais onde ir dali em diante -- e encerrou atividades, voltando aos palcos apenas para tournées comemorativas.

É nesse momento que a carreira solo de Bryan Ferry começa pra valer.

E ele passa a apostar em discos caríssimos e extremamente bem produzidos como "Boys And Girls" (1985), " La Bète Noire" (1987), "Mamouna" (1994) e "Olympia" (2010), todos com composições próprias e arranjos altamente sofisticados, envolvendo dezenas de músicos de primeiro time em contrapontos de guitarras com bases eletrônicas que quase sempre resultavam em pequenas peças pop de uma sensualidade à toda prova.


Agora, aos 69 anos de idade, logo depois de gravar um disco instrumental onde, para surpresa geral, rege uma orquestra à moda dos Anos 30, Bryan Ferry surpreende com um novo álbum de inéditas chamado "Avonmore" (um lançamento BMG), onde propõe um resgate pleno daquela sonoridade atemporal do Roxy Music em "Avalon".

"Loop De Li", faixa que abre o disco, é linda, dramática, dançante, absolutamente envolvente, um clássico instantâneo. 

Vem seguida de "Midnight Train", uma canção de amor perdido completamente arrebatadora, composta há mais de 20 anos, e que, estranhamente havia ficado de fora de seus álbuns anteriores.

E então, "Soldier Of Fortune", outra canção intensa, composta em parceria com Johnny Marr, vem emoldurada por um trabalho de guitarra delicadíssimo, simplesmente magnífico.

E por aí vai. Bryan não deixa o ritmo de "Avonmore" cair em momento algum nos cinco números autorais que seguem -- todos de altíssimo gabarito.

Eu só lamento pelos dois covers que encerram o disco. 

Confesso que me pareceu um equívoco o tratamento blasé que ele deu para "Send In The Clowns", de Stephen Sondheim. Por mais audacioso que possa parecer despir uma canção dessas de toda a sua dramaticidade para fazer dela algo pedestre e climático, o caso é que não funcionou.

Já a releitura intimista que ele fez para "Johnny and Mary", de Robert Palmer, sem a urgência obsessiva da versão original, até pode soar simpática à primeira audição, mas infelizmente acentua todas as fragilidades estruturais da canção.

"Avonmore" seria um disco excelente se esses dois covers tivessem sido
eliminados do final cut, mas a empreitada é vitoriosa, apesar desses pequenos deslizes.

E que time de músicos ele reuniu dessa vez: Nile Rodgers, Mark Knopfler, Fonzi Thornton, Marcus Miller, Neil Hubbard, Chris Spedding, Flea, Guy Pratt, Andy Newmark, James Moody e muitos, muitos outros.

A produção, sempre perfeita, é de Bryan com seu velho parceiro Rhett Davies.


Aos 69 anos de idade, Bryan Ferry continua com sua voz intacta e sua presença de palco tão marcante quanto era nos anos 1980.

"Avonmore" tenta vender a idéia de o tempo passou mas nada mudou.

A delicadeza e o refinamento musical de outras décadas podem perdurar indefinidamente, e que não há nada mais moderno do que um projeto artístico atemporal.

A começar pela foto da capa do disco, com nosso galante crooner pop aos 30 e poucos anos de idade.

Se algum de vocês um dia precisar definir em uma imagem a palavra "chic", garanto que uma foto 3x4 de Bryan Ferry resolve a parada.




WEBSITE OFICIAL
http://www.bryanferry.com/

DISCOGRAFIA
http://www.allmusic.com/artist/bryan-ferry-mn0000524050/discography

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