sábado, abril 28, 2012

Relendo Revistas Velhas num Domingo de Chuva: JORNALISMO CULTURAL, QUEM PAGA?



por Ana Maria Bahiana para o Digestivo Cultural (2007)
 

Um excelente artigo de Julio Daio Borges, no sempre interessante site Digestivo Cultural levanta a bola da vez no jornalismo cultural - a revista de marca, ou, no jargão marketeiro dos dias de hoje, mídia customizada.

É tema dos mais apetitosos, cujos ecos, em gritos e sussurros, têm chegado aos meus ouvidos vindos de algumas das pessoas que mais respeito no nosso surrado métier.

O assunto é particularmente pertinente porque, por coincidência (e existem coincidências?), vive-se um momento em que, globalmente, discute-se quem deve pagar pela cultura de um país.

A Europa, sempre generosa no setor subsídios, anda encolhendo as participações estatais em várias áreas, especialmente o cinema. Nos EUA, que nunca foram mesmo muito chegados a isso, o Public Broadcast System, sofreu uma das reduções mais drásticas em seu orçamento - uma pena de fato, já que a rede pública de TV e rádio é responsável pelo que considero um dos melhores trabalhos tanto no departamento cultura quanto em todos os outros.

E no Brasil, as recentes marchas e contra-marchas em torno da Ancine e das leis de incentivo revelam claramente que o que se busca definir é, exatamente, quem paga a conta pelas despesas da cultura - e o que ganha em troca.

O jornalismo cultural é um bom prato para esse churrasco, porque ele não apenas cobre o setor mas, muitas vezes, se confunde com a cultura que cobre, produz elementos que irão se incorporar ao próprio tecido cultural.

E quem irá pagar essa conta?

A resposta ideal seria: o leitor. Este é o paradigma clássico de todo jornalismo, aliás: ele existe para servir ao leitor, e ao leitor deve satisfação e satisfações.

Mas você e eu sabemos que isso é, como todo ideal, uma utopia de proporções olímpicas.

Um país com uma tradição de centralização do poder responderia: o estado. Eu, pessoalmente, acho que essa é sempre uma equação muito perigosa, com a sombra da propaganda pairando em cima. E instável, com parâmetros, prioridades, verdades e mentiras se alterando a cada nova administração.

Historicamente, o anunciante tem pago o grosso da conta, no jornalismo cultural. Dificil ter ilusões a esse respeito. O jornalismo político, econômico e de cidade lida com outras margens de valor agregado que podem ser manobradas em troca do vil metal - não estou falando de matérias compradas, é claro, estou falando do mecanismo que todos nós conhecemos pelo qual investidores endinheirados colocam suas preciosas fichas num veículo de comunicação, em busca do intangível lucro da influência.

Espero não estar tirando a virgindade de ninguém com este singelo raciocício.

O poder do jornalismo de cultura é de ação lenta, homeopática. Há que se construir uma marca, uma assinatura, até que ela tenha autoridade suficiente para ser o formador de opinião que, finalmente, agregará algum valor ao conteúdo. Isso se aplica a grandes e pequenos. Os mais mastodónticos e tradicionais veículos de imprensa são cíclicos em seu poder de fogo na área cultural, dependentes do time que nela joga.

Na rampa para a conquista do leitor, o anunciante permanece como a opcão mais viável. A delicada dança entre o poder imediato que ele controla e o poder potencial que o veículo está construindo não é coisa que se aprenda na escola, nem tem manual de instruções claras e precisas. Como na batucada dos Stones, há que se ter simpatia pelo diabo: o anunciante é um sujeito de riqueza e gosto (ou pelo menos assim o considera quem lhe vendeu espaço), ainda que repleto de armadilhas que podem pôr a perder a alma, não dos trovadores, mas do veículo com que transaciona.

O diabo é o pai do rock. Na figura do anunciante, o diabo também é o pai das revistas de rock - e de cinema, cultura, moda, comportamento, estilo de vida. A mídia customizada, a revista de grife entram nesse balaio. Temo que seja uma relação que, se não veio para ficar – o que é que fica, realmente, num universo em perpétua mutação? – veio para passar um bom tempo com a gente. E ter medo dela não vai adiantar coisa alguma.

A realidade, que todos nós sentimos na carne e no bolso de um modo ou de outro, é que o velho modelo de negócios da mídia impressa não funciona mais. A base de leitores está encolhendo, ou melhor, se dispersando. O anunciante mudou de estratégia, também, porque percebeu que o "anúncio" funciona bem menos, com esse público disperso, do que a "ação".

Como se equilibrar no gume dessa faca sem perder tudo a credibilidade junto ao leitor, que por sua vez alavanca o interesse do anunciante? Uma revista de marca, bem pensada, pode ser a mais sensata das soluções.

Num almoço muito interessante com uma pessoa muito inteligente que já trabalha bastante no setor, aprendo que a verdadeira arte da mídia customizada não é vender a marca - isso o anúncio faz, a "armação" disfarçada de matéria faz, a menção "casual" na novela faz. A verdadeira arte é estimular o consumo daquilo que beneficia a marca. Aprendo que um dos casos de maior sucesso do setor é uma revista criada para e bancada por uma empresa escocesa de energia elétrica. Suas páginas são notoriamente ausentes de plugues da empresa. Mas repletas de matérias sobre atividades e produtos que seriam impossíveis sem o consumo da energia elétrica que a companhia vende.

É um equilíbrio zen. Um malabarismo possível.

Dói?

Um lado meu, certamente o lado ex-riponga de sandália de sola de pneu que trabalhava na Rolling Stone, ainda fica ansioso com essa massa de apelos de venda, despejados universalmente, em toda parte, sobre todos nós.

Ainda sonho com um espaço em que a informação flua livre, e nada me seja vendido. Mas suspeito que isso seja um acesso lamentável de ingenuidade. O paraíso, se algum dia existiu, foi perdido.

Consideremos então as opções, e as delicadas artes alquímicas que podem nos levar a uma saída viável.

Uma revista customizada burra é, simplesmente, uma revista burra. Não serve ao leitor e não serve à marca. O leitor se sente usado, e se retrai. A marca não vende coisa alguma.

Que novos talentos são exigidos de nós, especialmente na área do jornalismo cultural, a que mais se presta às publicações de marca? Saber distinguir uma customizada de um house-organ é fundamental. Saber identificar o ponto em comum entre os interesses dos leitores e os do "customizador" é o passo seguinte. O resto, imagino, deve vir naturalmente, se o diálogo for realmente fundamentado em clareza e respeito.

Eu já disse que não acredito em diabo?

BILLY BRAGG E WILCO: REDIMENSIONANDO O LEGADO DE WOODY GUTHRIE PARA AS GERAÇÕES QUE AINDA ESTÃO POR VIR.


A América comemora o centenário de Woody Guthrie este ano.

Woody Guthrie, para quem não conhece, foi um folk singer combativo e um compositor implacável com as mazelas que oprimiam a classe trabalhadora americana nos anos 30 e 40.

Herói musical e existencial de nove em cada dez jovens folk singers inconformados com o 'Sistema" surgidos nos anos 60 -- entre eles, o jovem Bob Dylan --, Guthrie virou lenda por correr os quatro cantos da América com seu violão, levando sua mensagem populista e pró-Sindicalista onde quer que ela fosse incômoda ao "Establishment" naquela época.

Mas o diabo é tempo passou, sua música foi ficando datada demais, e sobreviveu esses anos todos a duras penas, apesar de ter sido agraciada com dois revivals -- um na ocasião de sua morte em 1967, e outro em 1976 no lançamento de sua cinebiografia "Bound For Glory", dirigida por Hal Ashby e com David "Kung-Fu" Carradine interpretando Woody.

Pois bem: vinte anos atrás, os herdeiros de Woody Guthrie negociaram com a editora musical da Warner Bros. Records uma série de manuscritos dele com dezenas de letras para canções que ele nunca cegou a musicar -- em parte por serem "off-topic" demais para sua reputação de folkie politizado.

A idéia do pessoal da Warner era entregar essas letras para compositores de prestígio com alguma afinidade com Guthrie, para que eles as musicasse.

Mas como era um projeto caro e complicado, que não entusiasmava a ninguém na direção da gravadora, nunca entrou nas prioridades principais deles.



Até que um dia alguém comentou sobre as letras de Woody Guthrie com Jeff Tweedy, do grupo Wilco, e também com o folk singer inglês Billy Bragg, e eles se resolveram encampar o projeto de virar parceiros em composições de Woody Guthrie.

Mas sem reverências. Trataram Woody Guthrie de igual para igual. Billy Bragg compôs algumas canções, Jeff Tweedy e seus parceiros do Wilco compuseram outras, e nessa brincadeira eles conseguiram fazer Woody Guthrie renascer como artista.

Até porque muitas dessas letras revelam facetas muito curiosas de Woody, que não tem nada a ver com o folk singer de protesto.

Quem poderia imaginar que ele gostava tanto de Ingrid Bergman a ponto de compor uma canção para ela?

Ou que ele poderia ser capaz de compor canções como "Christ For President" e "My Flying Saucer"?

Ou ainda que ele fosse capaz de tanto lirismo quanto em "Someday Some Morning Sometime" ou "At My Window Sad And Lonely"?


Tudo isso veio à tona em dois discos magníficos que são verdadeiras revelações musicais de Billy Bragg & Wilco (com participação especial da delicadíssima Natalie Merchant), chamados "Mermaid Avenue" (1997) e "Mermaid Avenue 2" (2000).

Mas o que ninguém sabia é que as sobras de estúdio dessas sessões de gravação ainda continham tantas preciosidades.


Pois bem, agora vem tudo à tona em "Mermaid Sessions - The Complete Sessions", com os dois cds originais, mais um terceiro repleto de faixas acabadas que ficaram de fora, e ainda alguns demos bem reveladoras de como foi árduo, mas divertido, o processo de composição de Bragg e Tweedy.

São mais de 3 horas de música popular americana de primera grandeza, produzida por compositores da gema do folk e do rock and roll.

É uma daquelas associações que, em princípio, tinha tudo para dar errado.

Mas acabou saindo melhor... muito melhor que a encomenda.



INFO:
 http://www.allmusic.com/artist/woody-guthrie-p1995/biography
http://www.allmusic.com/artist/billy-bragg-p3761/biography
 http://www.allmusic.com/artist/wilco-p142015/biography
 
DISCOGRAFIAS:
http://www.allmusic.com/artist/woody-guthrie-p1995/discography
http://www.allmusic.com/artist/billy-bragg-p3761/discography
http://www.allmusic.com/artist/wilco-p142015/discography

WEBSITES OFICIAIS:
 http://www.woodyguthrie.org/
http://billybragg.com/
 http://wilcoworld.net/

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sexta-feira, abril 27, 2012

IRVIN MAYFIELD SE RASGA TODO NUMA LINDA DECLARAÇÃO DE AMOR A SUA NEW ORLEANS



Começa hoje – sexta, 27 de Abril – a edição deste ano do prestigiadíssimo New Orleans Jazz & Heritage Festival, o maior e mais eclético Festival Anual de Música dos Estados Unidos.

Para quem não conhece, é um grande evento que acontece em 3 palcos simultâneos no City Park, onde se apresentam grandes atrações musicais nacionais intercaladas com músicos da cidade e de vários cantos do mundo.

Este ano, por exemplo, o festival recebe -- além de grandes atrações de jazz, rhythm & blues, reggae, salsa e pop -- vários medalhões do rock como Bruce Springsteen, Tom Petty & The Heartbreakers, The Beach Boys (com Brian Wilson) e Foo Fighters, quase sempre intercalados com atrações locais.
  
A característica mais marcante do New Orleans Jazz & Heritage Festival é justamente valorizar a Prata da Casa, para que os turistas do resto do país conheçam, e nunca mais esqueçam da música de lá. Só mesmo em lá – talvez também em Austin, Texas – um evento nesse formato, e desse tamanho gigantesco, poderia acontecer.

Quem participa do New Orleans Jazz & Heritage Festival, no palco ou na platéia, sempre leva uma boa recordação para casa – seja uma jam session com algum grande músico da cidade, ou apenas a magia do convívio com aquela gente toda da cena musical da cidade num evento musical tão ecumênico.


Irvin Mayfield é um dos muitos músicos de New Orleans revelados aos Estados Unidos através de performances no New Orleans Jazz & Heritage Festival e no embalo do sucesso de Wynton, Branford e Delfayo Marsalis.

Nascido há 35 anos, ele ganhou seu primeiro trumpete aos 10 anos de idade, e desde cedo começou a devorar os discos clássicos de Lee Morgan, Dizzy Gillespie e Miles Davis, suas influências mais claras.

Músico de formação clássica, Irvin sempre se dividiu entre várias frentes. É educador nas Clínicas de Música que atendem as escolas públicas de New Orleans, compõe e rege peças musicais intrincadíssimas à frente da New Orleans Jazz Orchestra, toca bebop com seu combo tradicional e ainda se diverte de vez em quando com seus velhos comparsas do divertidíssimo grupo de latin jazz Los Hombres Calientes.

Irvin Mayfield tem reconhecimento da crítica, mas ainda é pouco conhecido do público fora da cidade, até porque todos os seus LPs foram gravados para o selo independente Basin Street Records, lá de New Orleans mesmo.

O único problema com sua carreira é uma certa falta de foco, já que, aparentemente, muitas dessas frentes em que Irvin Mayfield milita aparentemente não conseguem se misturar.


Pois “A Love Letter To New Orleans” vem para desafiar essa idéia, usando a cidade de New Orleans como fio condutor entre as canções.

Aqui, nessa curiosa antologia, 7 números bem sacodidos de Los Hombres Calientes andam lado a lado com números de bebop gravados com seu quarteto e duetos trumpete-piano com o professor e patriarca Ellis Marsalis. A mesma seqüência de canções do disco dá nome aos capítulos de sua autobiografia, que acompanha o disco, numa edição bem luxuosa.

É uma bela introdução aos vários talentos de Irvin Mayfield.

Como neo-bopper, ele pode não ser lá tão eloquente quanto seus companheiros de geração Terence Blanchard e Nicholas Payton, mas é altamente digno. 

Como músico de jazz moderno de New Orleans, ele é certamente menos ousado que o pessoal da Dirty Dozen Brass Band, mas, por outro lado, não simpatiza com toda aquela anarquia musical -- o que pode ser muito saudável, dependendo da circunstância.

Já como autor de peças mais longas -- como em sua belíssima "Strange Fruit", uma pequena obra prima do jazz moderno --, ele se revela melhor ainda que seu amigo e mentor Wynton, e brilha intensamente.

Nessa antologia, Irvin Mayfield consegue colocar todas essas facetas de sua personalidade musical em uma nova e única perspectiva, fechando 15 anos de carreira de forma coesa e intensa, numa tocante dedicatória de amor eterno a sua bela cidade..

Que venham agora os próximos 15 anos.

PS: Irvin Mayfield, como de hábito, vai tocar no New Orleans Jazz & Heritage Festival deste ano comandando a New Orleans Jazz Orchestra -- não só nos palcos do City Park, mas também nos nightclubs do French Quarter.



INFO:
 http://www.allmusic.com/artist/irvin-mayfield-p359078/biography

DISCOGRAFIA:
 http://www.allmusic.com/artist/irvin-mayfield-p359078/discography

WEBSITE OFICIAL:
 http://irvinmayfield.com/

NEW ORLEANS JAZZ AND HERITAGE FESTIVAL:
 http://www.nojazzfest.com/

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quinta-feira, abril 26, 2012

O INCANSÁVEL JOSEPH ARTHUR SE REINVENTA DE NOVO NESTE AMBICIOSO "REDEMPTION CITY"



Quando vejo artistas como Joseph Arthur, lembro na hora de meu amigo de infância Zéllus Machado, falecido recentemente.

Assim, como Zéllus, Joseph Arthur só não emplacou no mainstream porque seus múltiplos talentos de alguma forma conspiraram contra isso.

Seus shows sempre misturam recitais de canções com oficinas de pintura -- e muitas vezes, enquanto os músicos de sua banda tocam, Joseph pinta uma tela em algum canto do palco.

Seu público – bem dirigido, e bem reduzido - delira sempre que faz isso.

Artistas como eles dois passam a vida brigando por um lugar ao sol, e jamais abrem mão de seus ideais artísticos para se adequarem ao mercado fonográfico.

E não fazem isso intencionalmente.

Fazem porque não conseguem conceber o trabalho que desenvolvem finalizado de outra maneira que não seja “a maneira deles”.

É quase uma sina.
 
Joseph Arthur nasceu em Akron, Ohio, 40 anos atrás, mas caiu fora de lá assim que pôde.

Foi tentar a sorte no circuito folk da Califórnia, e em 1997 deu a sorte -- e também o azar -- de ser descoberto por Peter Gabriel, que o contratou para seu selo New World, voltado prioritariamente para artistas de world music.

Seu primeiro disco para o selo, “Big City Secrets”, serviu para tirá-lo do ghetto folk e projetá-lo para o público de Peter Gabriel. No entanto, as dificuldades financeiras da New World impediram que ele recebesse a promoção que merecia, ficando perdido num limbo artístico por quase três anos.

Só no seu terceiro trabalho, “Come To Where I'm From” (2000), com produção de T-Bone Burnett e uma levada mais country rock, Joseph Arthur conseguiu atingir um público mais amplo.

Devidamente amparado pela Virgin Records, ele começou a desenvolver projetos mais ambiciosos, sempre influenciado por Gabriel e seguindo conselhos de amigos como Joe Henry e T-Bone Burnett.

Levou alguns anos até a Virgin finalmente se desinteressar dele. Mas quando isso aconteceu, Joseph Arthur já era uma força emergente na cena independente.

De lá para cá, gravou uma série de Lps e EPs impeacáveis com sua banda The Lonely Astronauts para seu selo próprio, mesclando folk com pop em contextos sonoros no mínimo inusitados e firmando-se como um dos compositores mais solicitados da cena atual.

Diz, orgulhoso, que sua obra com músico e como pintor são uma coisa só -- que ele chama, gargalhando, de “Museum Of Modern Arthur”.
Pois bem, no início de Janeiro, sete meses depois de lançar seu último disco, Joseph Arthur decidiu não fazer uma versão industrial de seu trabalho seguinte, e o lançou direto em seu website, para download gratuito.

Até aí, nada demais. Muitos artistas tem feito isso de uns tempos para cá, liberando demos, tapes variados e gravações que ficaram fora de discos anteriores.

Só que “Redemption City” não é uma coleção de sobras.

Muito pelo contrário: é um disco coeso, com 24 canções novas, performances muito bem acabadas e produção impacável.

Segundo Arthur, tanto esse esse “Redemption City” quanto “Boogie Christ”, que deve ser lançado em breve, já estavam prontos antes de “The Graduation Ceremony”, seu disco do ano passado, e ele já está terminando mais um – daí, não pareceu fazer sentido segurar todo esse material até surgir uma oportunidade comercial para lançá-los.


E ele tem razão: “Redemption City” vem na mesma trilha de excelência de seus trabalhos anteriores.

É uma viagem urbana extremamente climática – semelhante em parte às promovidas por Lou Reed em “New York” e David Bowie em “Station To Station” -- onde a delicadeza musical de Joseph Arthur se expressa em diversos formatos.

Tem desde números de rock and roll acelerados como “Travel As Equals” e “No Surrender Comes For Free”, até baladas em tom de sonho como “You´re Not The Only One”, com climas que remetem a Leonard Cohen, Peter Wolf , John Cale e – porque não? – Peter Gabriel, seu primeiro mentor musical.

Para um disco conceitual, até que “Redemption City” é bem contagiante -- não permite em momento algum que o peso do conceito prejudique a valor individual das canções que compõem o conjunto.

Enfim, é mais um álbum ousado na carreira de Joseph Arthur. Que ele, pelo visto, queria que todos ouvissem -- mesmo sem ver um tostão de royalties.

Sendo assim, faça a sua parte: baixe “Redemption City” direto do website de Joseph Arthur, sem sentimentos de culpa, e tire suas próprias conclusões.

Só não deixe esse belo disco desse artista multitalentoso passar batido.

O Museum of Modern Arthur agradece sua visita.


INFO:
http://www.allmusic.com/artist/joseph-arthur-p202311/biography

DISCOGRAFIA:
http://www.allmusic.com/artist/joseph-arthur-p202311/discography

WEBSITE OFICIAL:
http://www.josepharthur.com/

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quarta-feira, abril 25, 2012

NANCY VIEIRA: A GRANDE REVELAÇÃO MUSICAL DE CABO VERDE, PRONTA PARA GANHAR O MUNDO



Ano passado, quando Cesária Évora morreu, muita gente deve ter-se perguntado:

“E agora, o que vai ser da Música de Cabo Verde?”

A ignorância dos brasileiros em relação à música produzida no Continente Africano é tão grande e tão assustadora que deve fazer sentido para muita gente a hipótese maluca de que Cesária Évora fosse a única representante musical daquele país.

E que, depois dela, a música tivesse se calado por lá.


Pois bem: basta visitar o Rio Grande do Norte e perguntar a qualquer um que acompanhe a cena musical de Natal sobre a música de Cabo Verde, e muitos vão citar o nome de uma cantora muito bonita e extremamente talentosa que já cantou duas vezes por lá.

Que, curiosamente, até hoje não circulou pelo resto do Brasil, por absoluta falta de convite. 

Seu nome: Nancy Vieira.

 

Nancy Vieira tem 37 anos de idade, 18 anos de carreira, 4 discos gravados e uma bela reputação por todos os países da Europa, onde se apresenta regularmente.

Sua atitude musical é cosmopolita, e foge das armadilhas do folk de Cabo Verde que limitariam o alcance de sua música no exterior, utilizando o folk africano apenas como ponto de partida para poder levar sua música para onde quiser.

Já dividiu o palco com alguns dos mais emblemáticos nomes da música de Cabo Verde, como Cesária Évora, Bana, Tito Paris, Ildo Lobo, Boy Gê Mendes, entre outros.

Compará-la a Cesária Évora -- como muitos desavisados fazem com frequência -- é quase um absurdo. Equivale a comparar Clementina de Jesus a Margareth Menezes. Não tem o menor cabimento.

Nancy Vieira é fascinada pela música da América do Sul, já gravou com músicos brasileiros e antilhanos, e vive em Lisboa há 23 anos -- desde quando seu pai, Herculano Vieira, assumiu como Embaixador de Cabo Verde em Portugal.

É considerada motivo de muito orgulho, tanto da parte dos caboverdeanos quanto dos portugueses.


“No Amá” é o quarto disco de Nancy Vieira -- o primeiro pelo selo lisboense Lusáfrica --, e é de uma beleza ímpar.

Aqui, a "princesa da voz de oiro", como é conhecida por lá, optou por deixar seu lado compositora de lado e gravar as canções de andou ganhando de presente de alguns dos compositores mais conceituados de Cabo Verde. 

Abre com uma canção adorável chamada “Maylen”, escrita pelo poeta e compositor Mario Lucio, atual Ministro da Cultura de Portugal – uma oportuna introdução a esse ótimo compositor, pela voz privilegiada de sua intérprete favorita.

Ao longo do disco, Nancy flerta com uma variedade enorme de saídas musicais que seguem em direção à África do Sul, para depois apontar para o Atlântico, estabelecendo pontes com a música da vários cantos da América do Sul – em particular, o Rio de Janeiro clássico, de Pixinguinha e de Nelson Cavaquinho, e o Nordeste brasileiro, que ela aparentemente conhece muito bem.

Como a atitude de Nancy é iconoclasta e sua postura musical sempre moderna, ela conduz tranqüilamente esse passeio musical a um porto seguro em números como “Brasil”, um sambinha em tom menor simplesmente encantador, para mais adiante voltar a brincar suavemente com os ritmos africanos em números como “Cigana de Curpin Ligante”.


Fãs mais ardorosos de Cesária Évora talvez considerem Nancy Vieira pop demais.

Talvez argumentem que ela está mais preocupada em agradar ao público europeu do que em resgatar os valores musicais de sua terra.

Tudo bem, cada um pensa o que quiser.

Mas estarão certamente equivocados. Eu, pessoalmente, prefiro confiar nas palavras amigas do Ministro da Cultura de Portugal, Mário Lúcio:

“Dizer que Nancy Vieira é cabo-verdiana poderia ser uma forma de justificar a sua inata musicalidade, mas não ficaria tudo dito. Da sua forma de estar e de interpretar as coisas da vida, com doçura, subtileza, ritmo e firmeza, emerge um caudal de emoções que reflecte uma “melancolia feliz”, espelhando a alma cabo-verdiana. Cabo Verde é inspiração. É causa e efeito no seu canto. O mundo é o auditório e parte integrante de uma miscelânea cultural que a influencia.”


INFO:
 http://www.radioculturaangolana.com/noticias/biografias/393-biografia-nancy-vieira.html 

DISCOGRAFIA:
 http://www.melomusic.nl/artist/english_nancy_vieira.htm#disco224 

WEBSITE OFICIAL:
 http://www.nancyvieira.net/

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terça-feira, abril 24, 2012

LYLE LOVETT SE DESPEDE DE SUA VELHA GRAVADORA COM UM LP NADA CASUAL


 
Os anos 80 foram uma espécie de Nova Idade Média para a cena do rock and roll.

Foi quando surgiu o conceito de LP blockbuster -- difundido por Michael Jackson, Prince e Madonna –, que expulsou do mercado todo e qualquer artista que pretendesse seguir trabalhando com públicos segmentados.

Foi muito cruel. De uma hora para outra, grandes nomes que haviam brilhado intensamente nos anos 70 foram escanteados e impiedosamente trocados por figuras duvidosas inventadas nos escritórios dos executivos das gravadoras.

Essa Nova Idade Média durou até o início dos 90, quando as gravadoras finalmente se deram conta de que estavam jogando fora o que tinham de melhor: seus compositores e seus artistas mais tarimbados.


O engraçado é que, nos anos 80, a cena da country music vivia uma situação diametralmente oposta a essa.

Os produtores de Nashville haviam aceitado uma série de mudanças de comportamento dos artistas da cidade por conta da postura anti-conservadora dos novos astros do gênero que vinham da cena liberal de Austin nos anos 70 – gente como Willie Nelson, Waylon  Jennings e Billy Joe Shaver , e que chegavam abençoados por ninguém menos que Johnny Cash.


E o diabo é que, ao longo dos anos 80, não parava de aparecer em Nashville gente estranha, desalinhada e muito talentosa vinda de Austin. E Nashville deixava entrar. Fazer o que? Era a renovação do gênero que estava em jogo. Os barões de Nashville podiam ser conservadores, mas definitivamente não rasgam dinheiro.

Steve Earle, por exemplo, apareceu tocando um rockabilly bem desaforado quando explodiu com “Guitar Town”.

Dwight Yoakam reinventou o honky-tonk dos tempos de Hank Williams, só que com uma guitarra elétrica nas mãos, na  “Guitars, Cadillacs, etc”.

E K D Lang era estranhíssima: uma homossexual esquimó vinda do Canadá com atitude de Patsy Cline e voz de crooner de orquestras de jazz.


Mas, de todos eles, o mais estranho e inclassificável – e também o mais ambicioso e agradável deles todos – era sem dúvida Lyle Lovett.

Lyle Lovett era um artista múltiplo, capaz de encarar qualquer estilo musical, na mesma tradição texana heróica de seus heróis Bob Willis e Doug Sahm.

Paralelo à sua carreira musical, trabalhava como ator sempre que era convocado por seu amigo e admirador Robert Altman -- que adorava seu queixo quadrado e sua expressão enigmática -- e então, nas filmagens de "O Jogador", conheceu Julia Roberts e os dois se casaram.

Seus primeiros discos com sua Large Band -- que incluía uma extensa sessão de metais que soava redonda tanto em números country e pop quanto em números de jazz, blues e de rock and roll --, deixaram todo mundo boquiaberto, pois tornavam quase impossível qualquer iniciativa de rotulá-lo e empacotá-lo para tocar no rádio. 

E o diabo é que, mesmo assim, ele emplacou vários singles, tanto em emissoras country quanto em emissoras de rock.

Pois bem, 25 anos se passaram desde sua estréia em 1986, e eis que Lyle Lovett agora em 2011 é intimado judicialmente por sua ex-gravadora Curb Records a entregar um último disco para fechar um contrato assinado naquela época.


E não é que, para surpresa geral, ele entrega um disco divertidíssimo, repleto de covers, chamado “Release Me” -- tão bom e tão inteligente que nem parece uma “obrigação contratual”.

O repertório mistura alhos com bugalhos, formando um conjunto estranhamente coeso. 

Tem uma releitura brilhante da balada country cafona “Release Me”, grande sucesso do inclasificável Engelbert Humperdinck, num dueto delicioso com K D Lang.

Tem também uma versão estranhíssima de “Brown Eyed Handsome Man” de Chuck Berry, que lembra o Grateful Dead tocando soul music.

E tem ainda uma releitura desconcertante para “Baby It´s Cold Outside”, grande sucesso de Ray Charles e Betty Carter. Entre muitas outras coisas.


Obviamente, “Release Me” não é um projeto artístico do mesmo nível de “Joshua Judges Ruth”, “I Love Everybody” ou “The Road To Ensenada” – grandes discos da carreira de Lyle Lovett.

Nem pretende ser.

Mas equivale a pedir um prato de arroz com feijão para um grande cozinheiro num excelente restaurante. 

Convenhamos: não existe a menor chance de um prato tão trivial, nas mãos do grande cozinheiro em questão, não se revelar algo no mínimo espetacular. 


INFO:
 http://www.allmusic.com/artist/lyle-lovett-p4798/biography
DISCOGRAFIA:
http://www.allmusic.com/artist/lyle-lovett-p4798/discography
WEBSITE OFICIAL:
http://www.lylelovett.com/
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segunda-feira, abril 23, 2012

O BLUES GLOBALIZADO DE BOB MARGOLIN: GUITARRISTA JUDEU DE CHICAGO QUE CIRCULA PELO MUNDO COM UMA BLUES BAND ITALIANA


É muito comum artistas de blues viajarem pelo mundo afora sem suas bandas por razões econômicas.

E então, ao chegar num outro país, serem recebidos por bandas completamente inadequadas a eles, e daí terem que se virar com elas mesmo e com um repertório genérico qualquer para não fazer feio com o público.

Mas, de vez em quando – muito de vez em quando --, acontece o contrário, e a banda anfitriã acaba funcionando bem até demais.

Tanto que até acaba gravando um disco com o artista convidado.


Bob Margolin, grande guitarrista de Chicago e ex-integrante da banda de Muddy Waters nos anos 70, passou por isso recentemente numa tournée pela Europa.

Foi recebido de forma tão calorosa pela banda de blues italiana Mike Sponza Blues Band que, por pouco, Bob não os trouxe de volta com ele para Chicago depois que os compromissos acabaram.

O caso é que eles se entenderam tão bem musicalmente que decidiram entrar num estúdio juntos numa tarde para gravar um disco a toque de caixa.


O resultado é esse ‘Blues Around The World”, em princípio um ítem meio redundante na discografia de Bob Margolin, já que mais da metade do repertório consiste de regravações de números presentes em álbuns anteriores dele.

Mas o diferencial é o suingue anfetaminado dos italianinhos da Mike Sponza Blues Band, que trouxeram um gás todo especial às performances de Bob Margolin.

Convenhamos, Bob Margolin é um excelente guitarrista, mas seus discos estavam ficando tradicionalistas e domésticos demais, e com surpresas de menos.

Aqui, em “Blues Around The World”, ele vai exatamente na contramão disso.

E vai feliz da vida.

E é praticamente impossível o ouvinte não sentir toda essa vibração rolando na maioria dos 12 números que eles gravaram ao vivo no estúdio para esse LP.


Daí, se por um lado ‘Blues Around The World” é o veículo perfeito para colocar no mercado americano os ragazzi da Mike Sponza Blues Band, por outro é uma lição para esses bluesmen clássicos que ainda viajam sem banda e sem noção do que vão encontrar em terras estrangeiras.

Por São John Lee Hooker: escolham bem as “bandas cavalo” que irão recebê-los antes de cair na estrada.Nós -- que somos o público pagante desse tipo de show -- agradecemos muito a atenção.


INFO:
http://www.allmusic.com/artist/bob-margolin-p27799/biography
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 http://www.allmusic.com/artist/bob-margolin-p27799/discography

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 http://bobmargolin.com/

AMOSTRAS GRÁTIS:

domingo, abril 22, 2012

Relendo Revistas Velhas num Domingo de Chuva: EZEQUIEL NEVES, 70 PRIMAVERAS (TRIP #125 Novembro de 2005)




Setenta anos agora em novembro, jornalista, produtor musical, ex-ator, freak, crítico de música, diretor de shows, ex-traficante, compositor e lançador oficial de Cazuza. Zeca, o codinome desse beija-flor alucinado, talvez seja a pessoa no Brasil que mais acreditou que o rock fosse sinônimo de mudança, destempero e arrojo. Como jornalista de música, os textos de Ezequiel Neves marcaram época pela abordagem nada acadêmica e fortemente corrosiva. Hoje, dentro da atual padronização da escrita e com a caretice que assola as redações, ninguém ousaria sequer contratá-lo. Costumava assinar matérias como Zeca Neves, dias depois virava Zeca Jagger e, no mês seguinte, surgia Zeca Zimmerman (em homenagem a Robert Zimmerman, aka Bob Dylan) ou Ângela Dust, adotando o sobrenome do artista que venerasse naquele momento. Do fim dos anos 60 à metade da década seguinte, no auge da contracultura, Ezequiel Neves foi um dos nomes mais atuantes no underground brasileiro e na imprensa alternativa.

Em música, lançou e criou modismos, sempre apontando novos rumos. Foi parceiro da Made in Brazil, de Rita Lee, Roberto de Carvalho, Leoni (ex-Kid Abelha), Cássia Eller e de dezenas de bandas que estrearam nos anos 80. Rita e Roberto, ídolos e amigos, acabaram virando desafetos. Os mais próximos evitam comentar o rompimento, mas sabe-se que a chegada do Barão Vermelho na vida de Ezequiel provocou uma avalanche de ciúmes em muita gente.

Aliás, esse foi seu maior trunfo: ter descoberto o Barão Vermelho, cujo vocalista, Cazuza, era filho do diretor da gravadora em que Zeca trabalhava, a Som Livre. Cazuza, considerado por Zeca “o amor da minha vida”, o elegeu como parceiro, amigo, protegido e protetor, até que a morte os separou, em 1990. Reza a lenda que Ezequiel Neves pulou várias vezes de madrugada os muros do cemitério São João Batista, no Rio, para visitar o túmulo do amigo, fumar unzinho ou dar uns tecos na lápide. Foi isso mesmo, Ezequiel? “Fiz isso, sim. Eu só ficava com medo de o Cazuza levantar dali e querer roubar a minha fileira...”

Foi no apartamento de Zeca, na ladeira do Saint-Roman, em Ipanema, no sopé da favela do Pavãozinho, chamada por ele de Little Peacock, que conversamos entre cervejas e doses de steinhaeger. Perguntei-lhe, logo ao entrar, se não temia as balas perdidas, tão comuns naquele trecho da zona sul carioca. Irrequieto, rebateu. “Não, porque as balas perdidas nunca vão me encontrar.” Grande Zeca.

 

TRIP Ezequiel, você começou como ator, não?
Ezequiel Neves Fui ator durante muito tempo. Nasci em Belo Horizonte e traba-lhava na biblioteca da UFMG. Freqüentava grupos intelectuais. Isso por volta de 1950.

Você é filho único?
Sou o filho do meio, entre duas irmãs. Meu pai, doutor Aroeira, era um cientista maluco! Louco! A pior língua da cidade e a pessoa mais inteligente. Tinha lugar cativo no Automóvel Clube. Falava mal de todo o mundo. Mas era temido.

Você sempre gostou de beber?
Sou da geração do álcool, a pior de todas! [Risos] Estudei num colégio ótimo em Belo Horizonte, o Marcondes. De manhã, as pessoas com glamour ficavam na piscina do colégio. Aí, eu enchia a cara de conhaque e Coca-Cola às sete da manhã e já chegava lá calibrado. Eu lia pra caralho, era bem informado. Mas o tempo foi passando, a cidade era provinciana, todos se conheciam. Foder era dificílimo.


Como surgiu sua relação com a música e a imprensa?
Em 1968, precisavam de um crítico no Jornal da Tarde. Eu ainda estava em cartaz com A Megera Domada e era muito alienado. Imagina que Paulo Villaça e eu acompanhávamos passeatas de táxi, enquanto todos gritavam “Mais pão, menos canhão!” [risos]. José Dirceu era líder estudantil, de longos cabelos louros. Eu o achava um Brad Pitt! Até Cacilda Becker ficou fascinada por ele.

De que forma você estreou no jornal?
Escrevendo sobre o disco Lady in Satin, da Billie Holliday. Logo passei a falar de jazz. Mas então descobri o rock. Expliquei aos editores, Fernando Morais e Maurício Kubrusly, que não havia mais jazz, entende? Era um momento rock! Aí me pinta um disco da Janis Joplin. Eu nem tinha informação sobre aquela mulher, mas inventei uma história e publicamos uma página inteira sobre ela. Todo o mundo depois só queria ouvir Janis...

Antes você nem escutava rock?
Já! O meu primeiro disco de rock era um 78 rotações de Bill Halley. Depois ouvi muito Elvis Presley, pa pa pá... [Pausa] O sistema é foda, né? Elvis era um menino de cabelos claros, mexia com a pélvis. Isso era coisa de negro. Apaixonante, mas o sistema o domou, mandou ele para o Exército.

Por quanto tempo você ficou no JT?
Uns dois anos. O rock tomou conta de mim. Escrevia sobre Doors, Rolling Stones, que são a minha paixão, Beatles... Depois veio Woodstock. Surgia ali a nação Woodstock. Ninguém esperava por aquilo. O Festival de Woodstock aconteceu em agosto, e viajei a Nova York, pela primeira vez, em setembro de 1969. Cheguei quando os grupos do festival estavam em temporada no Fillmore East, templo máximo da contestação. Mas note como o sistema é mesmo foda. Depois do sucesso de Woodstock, veio a barra-pesada do Festival de Altamont. Um inferno! Os caretas queriam dizer: “Sosseguem, sosseguem, porque o rock é perigoso”.

Outra tentativa de domar o rock...
O sistema faz essas coisas. Depois dessa viagem a Nova York, São Paulo se tornou chata. Então comecei a queimar maconha, o que foi ótimo. Em seguida, viajei a Londres, em 1970. No avião, pude ler as matérias sobre a morte de Jimi Hendrix. Pouco antes de embarcar, havia encontrado Baby Consuelo na rua, e ela me contou: “Hendrix morreu!”. Cheguei à Inglaterra e, dias depois, morria Janis Joplin [pausa]. Londres me possibilitou tudo. Fui com US$ 700 e um saco de maconha escondida em bombons Sonho de Valsa! [risos].

Imagino que você tenha assistido a muitos shows no Marquee... Nessa época você também escrevia na revista Pop?
A Pop veio depois. Na Rolling Stone, eu achava a seção de cartas dos leitores o melhor da revista. Jamari França estreou ali, num texto que metia o pau em mim. Ele dizia que eu não entendia nada de rock, que era um panaca, o maior palhaço! O Maciel leu a carta e me perguntou: “O que é isso?”. Respondi: “Vou publicar!” [risos]. Lá, havia liberdade para se falar o que fosse.


Por que a Rolling Stone não deu certo no Brasil?
A Rolling Stone já estreou falida! Só quem pensava que ia dar dinheiro eram dois americanos malucos. A Rolling Stone acabou por falta de dinheiro. Eles pagavam meu salário e o meu aluguel, num apartamentinho na rua Farme de Amoedo. Sempre pensei assim: “Deixo a vida me levar”. Éramos lindos, jovens, felizes! Meu cabelo vinha até a cintura! Tudo maravilhoso!

Mesmo na Rolling Stone, você continuava escrevendo pro JT...
Continuei no JT, morando no Rio. Mandando matérias e traficando fumo. Recebia o salário do jornal e comprava tudo em fumo! Depois vinha a São Paulo vender. Os meus fregueses eram as pessoas da redação. Eu fazia mutucas ótimas. Todo mundo gostava.

Além de maconha o que mais rolava?
Depois que me mudei para o Rio, comecei a escrever também na Playboy e na Pop, indicando discos. Indiquei várias vezes Pare de Tomar a Pílula, do Odair José, porque foi na mesma fase que pintou o Mandrix, uma droga ma-ra-vi-lho-sa! Ahhhh, todo o mundo ficava numa de “gimme Mandrix” [risos]. Uma loucura viver. Ninguém sentia dores, todos magrinhos...


Você e Lucinha Araújo mantêm uma relação de amor e ódio, não?
Um provoca o outro. Ela me agride, eu mando de volta. Um pingue-pongue de ignomínias amorosas. Ela e João sabem que revelei Cazuza, não tenho modéstia alguma em reconhecer isso. Eles queriam um filho maravilhoso, um filho brilhante e proporcionaram todas as possibilidades. De repente, o convenci de que Cazuza era ótimo letrista, cantor maravilhoso, com a banda perfeita. Ele chegou a me dizer: “Ih, por que você foi inventar isso?” [risos].

Você lembra a primeira vez em que você se encontrou com Cazuza?
Eu já o via muito em Ipanema, no Posto Nove. Ele tietava a nossa turma. Norma Bengell, Gal Costa, uma porção de gente famosa. Cazuza era muito curioso. Às vezes nos dava um baseado, e a gente recusava. Tempos depois, ele ficou comigo na Som Livre para redigir releases. Cazuza sabia da minha vida toda, lia meus textos e achava um sonho. Quando soube que eu gostei da fita do Barão Vermelho, enlouqueceu. Olha... [longa pausa] Cazuza foi a pessoa que mais amei na vida! A falta que sinto dele! A falta de comentar um livro com ele, um filme, qualquer coisa engraçada.


Como você analisa a presença da morte na geração que descobriu a Aids, no início dos anos 80?
Nessa década houve a morte anunciada! Acompanhei isso com Cazuza. Era uma espada, não havia medicamentos. Antes disso, todos transavam sem culpa. Uma vez, em Nova York, numa só noite, transei 28 vezes. Sou um homossexual estranho. Não gosto de gente igual a mim e nem da cultura gay. A Aids foi uma porrada.

O que você achou do filme Cazuza?
[Longa pausa] Acho forte e exibido. Gosto, é muito emocionante. Já vi algumas vezes. Antes das filmagens, cheguei a ensaiar com o ator Emílio de Mello, que faz o meu personagem, Zeca.

Ezequiel, aos 70 anos, como você se resume?
Em um paradoxo: sou profundamente superficial, não tenho nada a ensinar. A única perfeição da vida é a alegria [gargalhada].

sexta-feira, abril 20, 2012

O GUITARRISTA ANTHONY WILSON VIRA UM JAZZISTA BRASILIANISTA EM "CAMPO BELO"!


Anthony Wilson é filho de peixe. Peixe grande. Seu pai é Gerald Wilson, grande pianista, arranjador e compositor da cena jazzística de Los Angeles, Califórnia.

Anthony não quis ser pianista como ele. Optou por tocar guitarra, e se escolou seguindo os passos de Wes Montgomery, Grant Green e Kenny Burrell. Mas estudou composição e arranjos, e, quando pensa como arranjador, seus heróis musicais passam a ser Duke Ellington, Gil Evans, Marty Paich, etc.

Hoje, aos 44 anos de idade, Anthony Wilson já é um veterano. Tocou com praticamente todo mundo da cena da Califórnia. Tem mais horas de vôo como músico de estúdio do que a maioria de seus companheiros de geração.

Começou a gravar como artista solo em 1997, e de lá para cá já lançou oito discos, sempre usando o bebop como ponto de partida para alcançar as mais diversas manifestações musicais -- tem inclusive um em duo com o violonista brasileiro Chico Pinheiro..

(sem esquecer que, paralelamente à sua carreira solo, ele integra a banda regular da loiraça belzebu Diana Krall, onde trabalha sempre num registro bem cool jazz)


Pois bem, Anthony Wilson lançou seu nono disco solo no finalzinho do ano passado, e surpreendeu a todos com uma virada musical bastante radical -- mas extremamente bem vinda.

Seu nome é “Campo Belo”, e foi gravado em São Paulo com um trio de músicos de jazz brasileiros de primeira: André Mehmari no piano e no acordeon, Guto Wirtti no contrabaixo e Edu Ribeiro na bateria.

Quase todas as canções do disco possuem títulos em português e, à primeira audição, até lembram certas investidas na nossa música promovidas não muito tempo atrás por forasteiros esforçados como Pat Metheny e Bill Frisell.

Mas o mergulho de Anthony Wilson vai bem mais fundo.

Tem mais a ver com aquela série de discos espetaculares que Egberto Gismonti gravou para o selo ECM, de “Sol Do Meio Dia” para cá. E, em outros momentos, segue numa sintonia semelhante à da viagem musical de John McLaughlin por Minas Gerais no seu LP clássico “Belo Horizonte”.

“Campo Belo” possui um único número de hard-bop, “After The Flood”, em que seu time de músicos brasileiros faz o movimento contrário do resto do disco e cai no jazz rasgado em grande estilo, e com muita maestria.

Portanto, se enganou quem acha que Anthony Wilson é apenas aquele guitarrista de cool jazz pacato e careteiro que está sempre de smoking ao lado do piano da Sra. Elvis Costello. Ele já é uma das forças musicais mais intensas da atual cena jazzística americana, e uma grande promessa para um futuro próximo.

O único problema é que, com discos como “Campo Belo”, ele está correndo o sério risco de ser festejado primeiro aqui, e depois lá.


INFO:
 http://www.allmusic.com/artist/anthony-wilson-p215551/biography

DISCOGRAFIA:
 http://www.allmusic.com/artist/anthony-wilson-p215551/discography

WEBSITE OFICIAL: 
http://www.anthonywilsonmusic.com/

AMOSTRAS GRÁTIS:

quinta-feira, abril 19, 2012

A VOLTA TRIUNFAL DO PRÍNCIPE DO POWER-POP DWIGHT TWILLEY NUM DISCO ESPLÊNDIDO

Quem viveu os anos 70 e seguia os passos de bandas power-pop como Big Star, Badfinger e Raspberries, com certeza lembra com muito carinho da Dwight Twilley Band.

Era uma guitar-band americana fortemente influenciada pelos Beatles, com canções delicadas e ensolaradas, fruto da conjunção dos talentos de dois guitarristas, cantores e compositores brilhantes: Phil Seymour e o próprio Dwight Twilley.

Eles se conheceram em Tulsa, Oklahoma, 1967, depois de assistir “A Hard Day’s Night” num cinema da cidade.

Montaram sua banda, Oister, no ano seguinte, e passaram mais de cinco anos viajando por todo o Sul dos Estados Unidos, tentando gravar para algum selo que se interessasse por eles. Sem sucesso.

 

Só em 1974 eles conseguiram um contrato, com a gloriosa Shelter Records, de Denny Cordell e Leon Russell -- que, a essa altura do campeonato, não ia nada bem das pernas.

Cordell achou a banda ótima, mas também achou o nome Oister medonho.

Insistiu para que eles mudassem para Dwight Twilley Band e gravou com eles material suficiente para compor dois LPs diferentes.


Dessas gravações, saíram vários singles e também o primeiro LP deles, “Sincerely”, lançado pela ABC em 1976 em meio a uma confusão dos diabos, por conta do colapso financeiro da Shelter.

Foi sucesso de crítica e fiasco de público, sendo seguido no ano seguinte por “Twilley Don´t Mind” -- igualmente ótimo, mas que também não emplacou.

Foram tantas confusões empresariais e tantos revezes ao longo desses dois anos que a banda não suportou o tranco.

Phil Seymour e Dwight Twilley acharam por bem desistir do projeto da banda e seguir carreiras solo.


Com a explosão do pós-punk no final dos anos 70. ficou mais fácil para qualquer artista inglês ou americano conseguir um lugar ao sol na cena musical tocando "pop puro", como o que eles faziam.


Dwight Twilley seguiu a reboque das tournées do amigo Tom Petty e, com isso, conseguiu contratos com gravadoras que resultaram em vários discos muito bons, ainda que não tão eloquentes quanto os que gravara nos anos 70.

Já Seymour produziu apenas três discos ao longo dos anos 80, sendo que o primeiro (foto abaixo) é considerado hoje uma obra prima do power-pop.

Infelizmente, nenhum dos dois jamais conseguiu emplacar no Top 20 da Billboard.Pareciam estar fadados ao fracasso comercial.
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E então, Phil Seymour morre em 1993.

Paralelo a isso, Dwight Twilley resolve parar de correr atrás de contratos com gravadoras e de ter que trabalhar com produtores sem a menor consideração com a integridade de seu trabalho, e decide virar um artista independente.

Nesse meio tempo, tanto ele quanto Phil Seymour viram objeto de culto para as novas gerações.Seus discos antigos começam a ser relançados, e isso dá um gás todo especial à carreira meio combalida de Twilley.

O resultado prático disso é que, nos vinte anos que se seguiriam a esses acontecimentos, Dwight Twilley não sossegaria mais, produzindo discos em abundância e compondo canções extremamente apelativas e praticamente tão boas quanto as do tempo em que Seymour e ele faziam dobradinha.


O que nos leva a "Soundtrack", seu novo trabalho.

São canções autobiográficas e em tom confessional compostas especialmente para um documentário sobre sua vida artística, que ainda não foi lançado. Todas muito envolventes e invariavelmente grudentas.

Sua nova banda é ótima, com músicos das mais diversas faixas de idade. Impressionante como as guitarras de Twilley e de Bill Pitcock soam harmoniosas e estridentes na medida certa, resgatando boa parte da alquimia que rolava em seus primeiros discos, ao lado de Phil Seymour.

Em suma: a musicalidade de Dwight Twilley chega completamente revigorada nesse "Soundtrack", e isso é uma grande notícia para seus novos e velhos fãs.

Nada mais bacana do que vez um veterano talentoso como ele, que passou anos e anos dando murro em ponta de faca para manter sua carreira ativa, finalmente chegando a um porto seguro.



Enfim, se você gosta do power-pop dos Beatles, conheça “Soundtrack”, de Dwight Twilley.

É um disco “perfil baixo” espetacular, de um grande artista, talvez no melhor momento de sua carreira.

Um marco na história atrapalhada de um grande herói subestimado do rock and roll.


INFO: 
http://www.allmusic.com/artist/dwight-twilley-p5718/biography

DISCOGRAFIA: 
 http://www.allmusic.com/artist/dwight-twilley-p5718/discography

WEBSITE OFICIAL:
 http://www.dwighttwilley.com/

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