Antigamente, nos Anos 1960 e 1970, quando uma gravadora lançava no mercado um novo LP de um determinado artista, o processo funcionava assim: primeiro saía um single (compacto), para tocar nas rádios e estender o tapete para a chegada (um ou dois meses mais tarde) do novo LP. Com o lançamento no mercado deste novo LP, saía também um segundo single, que serviria para manter o artista exposto nas programações das rádios por algumas semanas e puxar a vendagem do LP em questão. E então, dependendo da carreira comercial do LP no primeiro mês, surgiam no mercado (e também nas rádios) mais um ou dois singles, visando manter o disco em voga e as vendas constantes, na medida do possível. Tudo isso era medido pela parada semanal da Billboard Magazine, que determinava se a carreira de um determinado LP ainda tinha chão pela frente, ou se já estava encerrada. Com a chegada dos CDs na segunda metade dos Anos 1980, pouca coisa mudou nesse processo. Mas de uns anos para cá, com a chegada dos downloads digitais e das plataformas de streaming, todo esse tradicional aparato promocional ficou pulverizado, e teve que ser completamente repensado. Vejam o caso curioso do novo LP de Bob Dylan, “Rough & Rowdy Ways”, o primeiro desde “Tempest” (2012), e também seu primeiro disco de inéditas pós-Nobel. A carreira dele começou 3 meses antes dele ser lançado, em 27 de Março deste ano, com o lançamento na web do “single” de 17 minutos de duração “Murder Must Foul”, um épico caleidoscópio multifacetado que funciona como um big picture da vida americana moderna pós-assassinato de John F Kennedy. Vinte dias mais tarde, um segundo single chega à web: “I Contain Multitudes”, um número intenso e contundente que funciona como um flerte aberto com a morte – o que certamente não surpreendeu aos que tem acompanhado seus discos neste novo século, como “Time Out Of Mind” e “Love & Theft”. Vinte dias mais tarde, surge na web um terceiro single, ‘False Prophet”, um blues meio hipnótico que fala sobre ética e abdução mental. E então, nesta última sexta feira, dia 19 de Junho de 2020, finalmente “Rough & Rowdy Ways” vê a luz do dia, nos formatos CD, LP e download digital. Comecei a ouvir as canções do disco que ainda não conhecia na manhã deste sábado, poucas horas atrás, e estou confesso estar muito impressionado com a pegada forte das canções. A maioria delas fala sobre a morte. Às vezes de forma jocosa, como em “My Own Version Of You”. Outras vezes de forma asustadora, como em “Black Rider”. Às vezes com alguma ternura, como em “I’ve Made Up My Mind To Give Myself To You”. Ou ainda com altivez e gratidão, como no blues “Goodbye Jimmy Reed”. Talvez eu não devesse estar escrevendo sobre “Rough and Rowdy Ways” depois de apenas duas audições. Talvez seja muito cedo para isso. Talvez seja leviano da minha parte avaliar assim um trabalho que levou 8 anos para ser realizado. Mas, francamente, apesar de serem discos bem diferentes, eu diria que vale para esse soturno “Rough & Rowdy Ways” a mesma coisa que eu escrevi oito anos atrás sobre o catártico “Tempest” aqui mesmo em ALTO&CLARO: “Algumas dessas canções são extremamente emocionantes. Outras, de uma truculência ímpar. Impossível ficar indiferente a qualquer uma delas. Enquanto está na estrada, Dylan sabe exatamente qual o seu lugar no mundo como cidadão. Já quando se recolhe, ele solta a imaginação e se transforma numa versão vintage rocker de Próspero, da peça derradeira de William Shakespeare. É inevitável: todo grande artista vira Próspero depois dos 70 anos. Não perdendo a generosidade, está tudo certo...”. É isso por enquanto. Mergulhem de cabeça nesse belo disco de maturidade desse grande artista. Vale a pena.
PICK ME UP OFF THE FLOOR
NORAH JONES
(Blue Note Records)
Parece que foi ontem, mas já faz 18 anos que Norah Jones surgiu na cena musical como a artista pop-jazz crossover definitiva no já lendário LP “Come Away With me”, uma combinação musical exuberante que deixou crítica e público absolutamente rendidos diante da beleza musical da filha americana do mestre musical indiano Ravi Shankar. Desde então, Ms. Jones vem testando os limites de seu talento, gravando LPs sob várias orientações musicais muito distintas, fazendo shows pelo mundo inteiro e até atuando em filmes de tempos em tempos. Em 2016, no entanto, ao lançar seu 6º LP, “Day Breaks”, ela decidiu voltar ao ponto de partida e repetir (mais ou menos) a fórmula de seu vitorioso LP de estreia, para tomar fôlego antes de alçar novos vôos musicais. E agora, quatro anos mais tarde, ela retorna com um LP menos coeso que o anterior, mas com uma atitude multifocal em termos musicais. “Pick Me Up Off The Floor” é uma colcha de retalhos deliciosa que mostra todas as experiências musicais que Norah vem testando desde 2016, devidamente intercaladas com números musicais que soam familiares a seu admiradores (entre os quais eu me incluo). É um disco inquieto, meio bipolar, mas sempre brilhante. Quem mais, além de Norah, seria capaz de mesclar violinos celtas com percussão hip-hop, como ela faz em “Were You Watching”? Suas duas colaborações com Jeff “Wilco” Tweedy neste disco são duas aulas de delicadeza musical. “I’m Alive” é quase um gospel, e funciona como uma saudação a todas as mulheres vítimas de maus tratos pelo mundo afora. E ”Heaven Above” fecha o disco como se fosse um lullaby cósmico, saudando o Universo a partir de uma ótica profundamente feminina. Portanto, nunca esperem “mais do mesmo” quando estiverem diante de um novo trabalho de Norah Jones. Melhor esperar sempre pelo inesperado. É o que ela sabe fazer de melhor.
IN A ROOMFUL OF BLUES
ROOMFUL OF BLUES
(Alligator Records)
Quando o Roomful Of Blues lançou seu primeiro LP na Island Records, com produção do lendário Doc Pomus, em 1977, ninguém entendeu nada. O que fazia aquela banda poderosa de Jump Blues, Kansas City Jazz e Chicago Blues numa gravadora especializada em artistas de reggae e de rock¿ Pior: como é que uma banda desse quilate foi aparecer justamente em Rhode Island, um dos Estados mais inexpressivos da União em termos musicais¿ Era bastante intrigante. Mas bastava alguém botar o disco deles para tocar e desistir imediatamente de tentar dar relevância a esses detalhes geográficos. Roomful Of Blues era uma banda vigorosíssima, comandada (então) pelo grande guitarrista Duke Robillard, com um naipe de metais arrebatador, e que servia de “banda cavalo” para grandes artistas de jazz e de blues que viessem a trabalho (sem banda) pela região da Nova Inglaterra. Quando gravaram esse primeiro disco mencionado há pouco, já tinham 10 anos de carreira, eram muito conhecidos entre os artistas e sempre recomendados como banda de apoio – caso semelhante ao de duas outras “bandas cavalo” muito conhecidas: os texanos The Fabulous Thunderbirds e os californianos The Blasters. Roomful of Blues gravou discos sensacionais, ganhou prêmios aos montes, correu o mundo inteiro com seu blend musical único, e só não foi mais longe porque nunca teve menos de 8 integrantes, o que tornava o show deles um tanto quanto caro. “In A Roomful Of Blues” é seu 19º álbum, o sexto na Alligator Records, e é tão suingado e tão relevante quanto aquele longínquo disco de estreia de 43 anos atrás, só que alternando os sotaques musicais clássicos que notabilizaram a banda com incursões por sonoridades mais modernosas -- atitude que Mr. Vachon vem tomando desde que assumiu o comando da banda 22 anos atrás, para que o Roomful Of Blues jamais corresse o risco de virar um Nostalgia Act e pudesse seguir conquistando novos admiradores a cada show que faz, e a cada disco que grava. Esse aqui é, certamente, o disco com menos covers de toda a longa discografia da banda -- temos apenas 3 covers, contra 10 originais da banda. Na medida em que não gravavam há quase 10 anos, com certeza deviam ter canções de sobra para este e sabe-se lá para mais quantos novos discos. Se eu tivesse que destacar alguns números em especial, escolheria a divertidíssima “Phone Zombies”, a tétrica (e também divertidíssima) “Carcinoma Blues” e a contundente faixa título, todas de autoria de Chris Vachon, compositor de mão cheia. Graças a ele, o Roomful Of Blues permanece com sua essência intacta, renovado o suficiente para poder encarar novas aventuras musicais sempre muito divertidas, como esta aqui. Eu, que sou admirador da banda de longa data, confesso que estava morrendo de saudades. Bem vindos de volta, rapazes.
Existia nos Anos 60 uma "lei não escrita" no Reino Unido que obrigava as emissoras de rádio de toda a Grã-Bretanha a produzir e fazer broadcasts de apresentações ao vivo de artistas ingleses ou não. É que os Sindicatos pressionavam a BBC para que suas emissoras de rádio não tocassem simplesmente discos industriais, e produzissem gravações de estúdio prestigiando os músicos, que recebiam um cachê padrão por essas apresentações e tinham que ceder a propriedade desses tapes para a emissora estatal que os gravou -- no caso, a BBC. O que se percebe ao ouvir o legado de toda uma geração de artistas nessas apresentações ao vivo é que dificilmente algum músico inglês tocou de má vontade nesses programas, até porque estar na BBC -- Rádio ou TV -- era sempre motivo de muito orgulho para qualquer artista britânico.
(Se bem que, de acordo com o amigo pesquisador e produtor musical Rene Ferri, Chuck Berry -- que nunca primou pela simpatia -- tocou com extrema má vontade certa vez num programa da BBC por conta de um cachê que exigiu que fosse pago adiantado, gerando um contratempo, pois era fim de semana e o caixa da BBC estava fechado. Alguns funcionários correram e fizeram uma vaquinha para conseguir pagar o cachê de Berry, o que atrasou a gravação por uma hora. Mesmo assim, assim que recebeu o cachê pedido para tocar 60 minutos seguidos, Berry tocou com os olhos grudados num relógio na parede do estúdio, e assim que completou os 60 minutos combinados ele simplesmente desplugou sua guitarra no meio de uma música e foi embora.)
Consta que essa "lei não escrita" foi "revogada" no inicio dos Anos 70, quando os programas de TV da BBC como o "Old Grey Whistle Test" passaram a ser muito visados pelos artistas, que passaram a se apresentar de graça em troca de promoção e prestígio. Mesmo assim, DJs como John Peel trataram de manter viva e ativa a velha tradição dos radio broadcasts ao vivo nas emissoras inglesas, só que agora focalizando prioritariamente jovens artistas ingleses e até artistas americanos que eventualmente estivessem de passagem pela Inglaterra.
Por conta disso, todos os grupos que fizeram parte da British Invasion lanççaram nos últimos 20 ou 30 anos seus BBC Tapes em disco. Alguns vieram em edições extensas e muito luxuosas. Outros, em edições compactas. Mas estava faltando dar a luz de sua graça uma caixinha reunindo os BBC Tapes de um determinado grupo que permanece na ativa há mais de 50 anos.
Pois agora não falta mais. Acaba de chegar às lojas "The Rolling Stones On Air", com dois cds que abrigam praticamente todas as gravações dos Rolling Stones para a BBC realizadas entre 1963 e 1966 para programas como Saturday Club, Top Gear, Rhythm & Blues e The Joe Loss Pop Show. Que, diga-se de passagem, só pararam de acontecer com frequência porque em 1967 eles foram banidos da BBC após Mick Jagger e Keith Richards serem presos por porte de drogas.
Todas as 32 faixas de "On Air" foram submetidas a um processo novo de rematrização intitulado Audio Source Separation, que consegue restaurar gravações realizadas originalmente sem maiores cuidados técnicos com resultados simplesmente espetaculares. Só ouvindo e comparando com edições piratas dos tapes da BBC que existem no mercado para sentir a enorme diferença na definição de audio.
Mais da metade do repertório de "On Air" é composto por covers, já que os Stones só foram começar a gravar suas composições a partir de 1965, em LPs como "Out Of Our Heads" e "Aftermath". Assim, preparem-se para versões deliciosas para "It's All Over Now" de Bobby Womack, "Fannie Mae" de Buster Brown", e "I Wanna Be Your Man" de Lennon & McCartney, além de vários números de Chuck Berry como "Memphis Tennessee" e "Beautiful Delilah". É uma seleção de covers simplesmente deliciosa.
Mas o que "On Air" tem de mais curioso é que finalmente podemos ouvir com nitidez os Stones tocando ao vivo neste período, já que o único registro ao vivo que existia até então era o irritante "Got Live If You Want It", mixado com aquela gritaria intermitente que praticamente impedia que ouvíssemos a banda tocando com clareza.
Agora é tudo diferente. Finalmente podemos sentir a bateria de Charlie Watts e as linhas de contrabaixo de Bill Wyman, as intervenções sempre brilhantes de Brian Jones na guitarra e na harmônica e a base segura proporcionada por Keith Richards. Quanto a Mick Jagger, sua voz está sensacional. Jovial e Soulful até não dar mais.
O belo booklet que acompanha a edição traz informações detalhadas (algumas bastante preciosas) sobre cada sessão de gravação -- um trabalho tão primoroso quando o recebido anos atrás pelos Beatles e pelos Kinks ao lançarem suas BBC Tapes.
Francamente, não consigo imaginar melhor presente de Natal a um fã dos Stones do que "On Air". Mas, antes de presentar, cheque se a pessoa que você vai presentear não correu para comprar essa pequena maravilha assim que saiu.
PS: Logo abaixo, uma foto dos Stones remanescentes na festa em que anunciaram o lançamento de "On Air".
SAUDAMOS O ANIVERSÁRIO DE NASCIMENTO DO FABULOSO MICHAEL BLOOMFIELD RESGATANDO UMA PERFORMANCE CLÁSSICA DA BUTTERFIELD BLUES BAND ORIGINAL AO VIVO EM 1971. ENJOY...
por Chico Marques Em 1967, enquanto quase toda a comunidade roqueira do Planeta Terra celebrava o Verão do Amor embalada por Paz, Amor Livre e muito LSD, dois jovens músicos de Louisville, Kentucky uniam forças num projeto musical completamente desalinhado e inusitado. Combinavam rock, pop, country, folk, blues, jazz, valsinhas e polkas num conceito musical aventuresco e extremamente agradável aos ouvidos, mas enganosamente despretensioso.
Os dois jovens de Kentucky eram eles o pianista Terry Adams e o guitarrista Steve Ferguson, criaturas extremamente criativas e absolutamente ecléticas, que decidiram montar uma banda em homenagem ao grupo Modern Jazz Quartet -- que assinava MJQ. Foi assim que nasceu o NRBQ, sigla que designa New Rhythm & Blues Quartet. Logo no primeiro disco para a Epic, o NRBQ já deixava claro no repertório de covers escolhidos -- com números de artistas tão díspares quanto Eddie Cochran, Carla Bley, Sony Terry & Brownie McGhee e Sun Ra -- que não só faziam questão de levar seu ecletismo musical às últimas inconsequências, como também estariam sempre abertos a qualquer brincadeira musical que surgisse pelo caminho da banda.
Esse espírito criativo e brincalhão, somado às performances fulminantes que promoviam em pequenas casas noturnas por todos os cantos dos EUA e do Canadá, acabaram rendendo ao NRBQ um "cult status" invejável e um público cativo fidelíssimo. Isso apesar de seus discos jamais terem tido vendagens expressivas.
Segundo Terry Adams, o motivo pelo qual o NRBQ nunca emplacou com o grande público é que eles sempre estiveram no momento certo, mas no lugar errado.
Cita o fato deles terem tocado num clube de cadetes na cidade de Woodstock no mesmo final de semana de 1969 em que, alguns quilômetros adiante, rolava o emblemático Festival.
E assim, sempre zombando das regras do mercado e sempre abusando do diletantismo, o NRBQ passou toda a década de 70 pulando de galho em galho -- da Columbia Records para a Mercury, e depois para a Bearsville --, até que, já nos Anos 1980, mudaram de mala e cuia para a cena independente, onde ficaram muito à vontade, e de onde nunca mais saíram.
(na verdade, saíram sim, uma única vez, em 1989, e gravaram um belo disco para a Virgin Records, 'Wild Weekend", que vendeu muito pouco e deve ter gerado a demissão de todos os executivos da gravadora responsáveis pela contratação deles -- mas o importante é que o NRBQ sobreviveu bem a tudo isso, danem-se os executivos...)
Depois do décimo aniversário da NRBQ, vários dos integrantes da banda cansaram de tanto diletantismo e caíram fora para experimentar outras saídas musicais. O primeiro foi o guitarrista Steve Ferguson, que deixou a banda em meados dos 70. E o segundo foi seu substituto, Big Al Anderson, que alegou estar bebendo sem controle e daí pulou fora em meados dos 90 para seguir carreira como produtor e compositor em Nashville.
Um pouco adiante, foi a vez do baixista Joey Spampinato pedir para sair depois de uma temporada emprestado para os X-Pensive Winos de Keith Richards, quando tomou coragem e montou os Spampinato Brothers com seu irmão Johnny. Mesmo com essas mudanças no line-up, o NRBQ seguiu em frente com o mesmo espírito eclético do início, gravando discos e expandindo seu público em shows ao vivo pela America, Europa e Japão.
Mas então, depois de uma série de shows comemorativos de 35 anos de carreira, a brincadeira cansou, e Terry Adams anunciou que o NRBQ estava encerrando atividades. Só que isso não durou muito tempo. O caso é que a banda que Terry Adams montou para dar suporte a sua carreira solo tinha uma sonoridade tão parecida com a do NRBQ que não fazia o menor sentido deixar de usar um nome tão consagrado.
E então, depois de um hiato de 7 anos, o NRBQ voltou, com o suporte de músicos jovens e muito espirituosos como o guitarrista Scott Ligon, o baixista Casey McDonough e o baterista Conrad Chouchon.
O NRBQ é hoje, assumidamente, a banda de apoio de Terry Adams. Ele incorpora o espírito original da banda com suas composições divertidas, muitas vezes surreais, sempre pontuadas por sua voz amalucada e seu piano elétrico estridente, que simula a sonoridade daquelas pianolas de crianças. Terry não cansa de seguir atrás daquelas mesmas combinações sonoras inusitadas que a banda persegue desde o início, e que estranhamente nunca se repetem. Sua missão de vida parece ser desdenhar o mainstream, que nunca soube acolhê-los devidamente, debochando abertamente de tudo e de todos da maneira mais positiva e dançante possível. Nada mais saudável e divertido do que isso.
Para celebrar seus 50 anos de carreira, o NRBQ decidiu comemorar em grande estilo: com uma caixa de 5 cds que promove uma panorâmica generosíssima em cinco décadas de extravagâncias musicais. "High Noon -- Highlights & Rarities From 50 Years" inclui praticamente tudo o que já havia sido coletado na antologia dupla da Rhino "Peek-a-Boo", de 1989, somado a um monte de faixas adicionais produzidas nesses últimos 28 anos, além de números ao vivo inéditos e raridades sempre preciosas. Foi lançado oficialmente no Record Store Day deste ano, e as peças (todas numeradas) que não foram vendidas naquele dia estarão à venda pelo website da Rough Trade a partir de 29 de Abril de 2017. Quando acabar, acabou: não haverá uma segunda edição.
Desnecessário dizer que o disco é uma festa, e é recomendado até mesmo para quem possui tudo o que o NRBQ gravou ao longo desses anos todos.
Ao contrário da imensa maioria das caixas retrospectivas, "High Noon -- Highlights & Rarities From 50 Years" começa pelos últimos 12 anos, quando o NRBQ voltou à ativa, e só depois desse panorama recente dá início ao mergulho no passado da banda.
Todas as fases da banda estão bem representadas em "High Noon", exceto os álbuns "Wild Weekend" (Virgin, 1989) e "Message From the Mess Age" (Rhino, 1994) -- que, apesar de excelentes, estranhamente contribuem para esta caixa com apenas uma canção cada um.
Não espere de "High Noon" a concisão retrospectiva de "Peek-a-Boo", que se dispunha a apresentar o NRBQ a um público que desconhecia a banda.
"High Noon" é, isso sim, uma colcha de retalhos emocional, que revela através da atitude exagerada de seus compiladores a grandeza indiscutível dessa banda originalíssima, que escreveu sozinha um capítulo brilhante da história do rock independente anglo americano.
Resumindo: "High Noon -- Highlights & Rarities From 50 Years" é o sonho dourado de qualquer fã de carteirinha do NRBQ.
Recomendamos a todos ouví-la comendo pipoca, bebendo cuba libre e dançando até cair.
CHICO MARQUES é comentarista, produtor musical e radialista há mais de 30 anos, e edita a revista cultural LEVA UM CASAQUINHO e o blog musical ALTO & CLARO
Dando a largada na nova fase de ALTO&CLARO, que pede desculpas a seus leitores por ter andado meio adormecido nesses últimos meses -- mas agora está de volta, repaginado e revigorado, com postagens às segundas, quartas e sextas.
Às segundas, comentaremos sempre novos relançamentos, antologias, discos tributo e(ou) boxed-sets.
Às quartas, teremos sempre um lançamento importante que esteja chegando -- ou que tenha acabado de chegar -- às lojas de discos, comentado em todos os seus detalhes.
E às sextas traremos nossa Pacoteira Musical de Fim de Semana, que estreia hoje, sempre com 5 novos cds comentados de forma uma pouco mais concisa e ligeira.
Nessa primeira Pacoteira, reunimos 5 trabalhos lançados no final do ano passado que não haviam sido comentados ainda por aqui, e que -- apesar de nossa lerdeza indesculpável -- não merecem de forma alguma passar em branco.
Sejam bem-vindos.
GRANT-LEE PHILLIPS
The Narrows
(Yep Roc US)
O Grant-Lee Buffalo foi uma das bandas mais importantes e influentes do início dos Anos 90. Sob o comando do talentosíssimo Grant-Lee Phillips, a banda emplacou na cena alternativa emergente da época e em menos de 3 anos alcançou as paradas mainstream. Poderia ter ido muito mais além, mas optou por encerrar as atividades no auge. Daí para a frente, Mr. Phillips embarcou numa carreira solo perfil baixo, trabalhando molduras musicais predominante acústicas para suas belas canções. Agora, 21 anos depois de sua estreia solo, ele decide deixar sua California natal e seguir para Nashville, que há muito deixou de ser a Mecca da country music para se transformar um dos redutos musicais mais ecléticos da América. Para surpresa geral, ele ressurge à frente de um quinteto poderoso, totalmente reciclado e repaginado em termos artísticos, nesse “The Narrows”, certamente seu disco solo mais intenso e relevante até agora, que abre perspectivas muito interessantes para sua carreira daqui nos próximos anos. Acreditem: não existe nada mais satisfatório para um comentarista musical (como eu) do que ver e ouvir um grande artista como Grant-Lee Phillips se reinventando e, de quebra, reencontrando sua essência. Um lindo disco.
PETE YORN
Arranging Time
(Capitol US)
A crítica andou torcendo o nariz para o sétimo disco deste simpático e talentoso cantor, compositor e guitarrista de 42 anos, que há sete anos não lançava disco algum. Talvez esperassem que ele fosse voltar à cena com um daqueles discos “divisores de águas”, e se decepcionaram ao vê-lo novamente ao lado do produtor R. Walt Vincent num projeto muito semelhante aos que ele gravava 15 anos atrás. “Arranging Time”, sua estreia na Capitol, é um disco nostálgico e low profile, repleto de ótimas canções que são pequenas obras-primas pop, mas que talvez não sejam suficientemente eloquentes para pegar seus fãs mais ardorosos pelo cangote. Eu, pessoalmente, gostei bastante de “Arranging Time”, acho ótimo Mr. Yorn estar de volta em tão boa forma depois desse sumiço prolongado e não compactuo com a ranhetice dos que malharam o disco. Mais do que isso: acho“Arranging Time”perfeito para apresentar a obra de Pete Yorn aos que ainda não a conhecem.
BOB MOULD
Patch The Sky
(Merge US)
Poucos guitarristas foram mais influentes para os jovens músicos surgidos nos Anos 80 e 90 do que Bob Mould. Suas guitarradas secas, barulhentas e com tonalidades saturadas marcaram a ferro e fogo as consciências dos fãs de suas lendárias bandas Husker Du e Sugar. Desde quando deu o pontapé inicial em sua carreira solo 21 anos atrás, Mr. Mould vem alternando discos eloquentes com outros nem tanto. “Patch The Sky”, seu último trabalho, não se situa em nenhum desses dois extremos. Por mais que suas novas canções sejam todas ótimas, ele peca por adotar arranjos e produção amadores demais, muito aquém da qualidade de seu repertório. Mesmo assim, “Patch The Sky” está longe de ser um fiasco artístico, e não deve desagradar seus admiradores. Só vai irritar um pouco aos que, assim como eu, não entendem essa mania de ser lo-fi sem necessidade aparente.
DWIGHT YOAKAM
Swimmin’ Pools Movie Stars
(Sugar Hill US)
Quando surgiu nos anos 80 ao lado de artistas como Lyle Lovett e K D Lang, Dwight Yoakam resgatou o espírito rebelde de Hank Williams e o situou no universo roqueiro, alternando uma postura revisionista com uma atitude modernoso impecável, que ajudou a forjar o termo Americana e a situar a country music dentro do universo musical pop pós-moderno. Natural de Bakersfield, California, Mr. Yoakam emplacou internacionalmente já em seus 3 primeiros LPs, em composições fantásticas como “Guitars, Cadillacs, etc” e “A Thousand Miles From Nowhere. Agora, 30 anos mais tarde e para surpresa geral, ele dá um giro de 180 graus em sua trajetória musical e apresenta nesse ótimo “Swimmin’ Pools Movie Stars” deliciosas releituras bluegrass para seu repertório mais clássico. O resultado da empreitada é surpreendente. Primeiro, por aproximá-lo ainda mais de seus heróis musicais Hank Williams e Bob Willis. E, em segundo lugar, por mostrar aos fãs mais tradicionalistas do gênero que, depois de 30 anos de excelentes serviços prestados à country music, Mr. Yoakam merece figurar entre os grandes ícones do gênero em todos os tempos. Detalhe: sua releitura bluegrass para "Purple Rain" é certamente a mais original de todas as homenagens feitas a este grande artista pop que nos deixou no ano passado.
FABULOUS THUNDERBIRDS
Strong Like That
(Severn US)
Não se iludam, The Fabulous Thunderbirds não existe mais como banda há muitos anos. Composta por músicos contratados, permanece ativo porque interessa a Kim Wilson: cantor e gaitista extraordinário e frontman dos T-Birds desde o início dos Anos 70. Quando grava um disco de blues, ele assina Kim Wilson. Já quando grava um disco mais híbrido em termos musicais, ele assina The Fabulous Thunderbirds. Em “Strong Like That”, Mr. Wilson alterna uns poucos originais assinados por ele com clássicos da Motown e da Stax, e atinge resultados que, se por um lado não chegam a ser superlativos, também não comprometem em nada sua reputação. Eu, pessoalmente, fiquei chapado com as releituras sensacionais que ele fez para “I’ve Never Found A Girl (To Love Me Like You Do)” de Eddie Floyd e “Drowning On Dry Land” de Al Jackson. Já se você for mais purista e estiver procurando pela sonoridade dos velhos discos da banda com Jimmie Vaughan -- e não for muito chegado em soul music -- prepare-se para uma possível decepção. Ou não.
CHICO MARQUES é comentarista, produtor musical e radialista há mais de 30 anos, e edita a revista cultural LEVA UM CASAQUINHO e o blog musical ALTO & CLARO