quarta-feira, maio 17, 2017

DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE "CRACK-UP", PRIMEIRO LP EM 6 ANOS DA GENIAL RAPAZIADA DE SEATTLE THE FLEET FOXES

por Chico Marques


Imaginem um grupo de British Folk como o Fairport Convention ou o Steeleye Span fazendo vocalizações semelhantes às criadas por Brian Wilson para os Beach Boys...

Ou o trio californiano Crosby Stills & Nash cantando madrigais do Século XVI...

Ou os Everly Brothers cantando as canções do “The Yes Album”...

Não imaginem mais nada.

Conheçam The Fleet Foxes. 


The Fleet Foxes são, em princípio, um grupo folk desalinhado.

Estranhamente surgido em Seattle, faz uma música leve, ensolarada e com toques esotéricos que alguns apressadinhos classificam como folk-pop barroco -- que, diga-se de passagem, tem pouco ou nada a ver com o DNA musical ruidoso e barulhento daquela bela cidade chuvosa da Costa Oeste.

Mas não se engane: apesar da descrição preliminar acima, a música dos Fleet Foxes está longe de ser apenas uma colcha de retalhos musical atemporal.

Suas canções incorporam em suas temáticas influências literárias no mínimo curiosas, que vão desde livros sagrados antigos a poetas simbolistas e modernos (como W B Yeats, aparentemente o favorito deles) 

Já a musicalidade dos Fleet Foxes é, na verdade, resultado de uma estranha combinação de talentos musicais bem distintos, e estranhamente compatíveis. 


Formado por músicos na faixa dos 30 anos de idade, The Fleet Foxes são comandados pelos vocalistas e guitarristas Robin Pecknold e Skyler Skjelset, e produzem música acústica com frescor, leveza e criatividade raras na cena folk.

Até porque adoram inserir nos arranjos instrumentos exóticos do Século 19 pouco conhecidos pelos músicos atuais -- como o marxophone (que lembra uma cítara) e o violin-uke (estranha combinação de violino com ukelele).

O liquidificador musical da banda incorpora influências as mais diversas -- como Elliott Smith, Bob Dylan e Judee Sill --, a ponto de um crítico dizer que eles parecem ter iniciado seu trabalho em Laurel Canyon (na Grande Los Angeles) em 1970 e permanecido incógnitos até agora.


O primeiro LP dos Fleet Foxes surgiu em 2008, pelo selo Sub Pop, e é surpreendentemente maduro para um grupo estreante.

Recebeu elogios rasgados da crítica, entrou em várias listas de melhores discos do Século 21 até agora, virou objeto de culto de várias tribos musicais pela America e veio seguido de uma tournée que fez muitos amigos pela Inglaterra, Austrália e Nova Zelândia.

Mas, infelizmente, não proporcionou a eles uma projeção que fosse além da cena indie.


Já o segundo, lançado três anos mais tarde, conseguiu ir bem mais longe.

“Helplessness Blues” é uma coleção de canções extremamente delicadas que conseguem ser ainda mais intensas e envolventes que as do LP de estreia.

Foi recebido com muita festa por vários setores da crítica, o que alavancou se forma substancial as vendagens do disco, apesar das limitações na distribuição do selo SubPop, do qual eram contratados.

Mas, no boca a boca, a popularidade dos Fleet Foxes seguiu crescendo, com novos admiradores surgindo a cada ano.

Estranhamente, no momento em que eles pareciam estar prestes a emplacar, Robin Pecknold e Skyler Skjelset anunciaram que os Fleet Foxes sairíam de cena por alguns anos para que eles dois pudessem ingressar na Universidade.


Agora, seis anos mais tarde, os Fleet Foxes estão de volta, e com um LP belíssimo, que começa exatamente onde “Helplessness Blues” terminava.

"Crack-Up" chega às lojas em Junho nos Estados Unidos e Europa, e é a estreia deles na Nonesuch, um selo forte atrelado ao grupo WEA com capacidade promocional infinitamente superior à da Sub Pop.

"Crack-Up" é quase um disco conceitual, pois algumas de suas canções foram inspiradas livremente nos textos e contos de F. Scott Fitzgerald sobre o fim da vida mansa dos americanos endinheirados na virada dos Anos 20 para os Anos 30, reunidos no livro "The Crack-Up".

 E se, ao menos em princípio, F. Scott Fitzgerald não parece adequado ao universo temático dos Fleet Foxes, basta uma audição nas 11 faixas de "Crack-Up" para constatar que, sabe-se lá como, está tudo em casa mais uma vez.



Tudo soa bastante familiar em "Crack-Up", apesar da banda evitar a todo custo zonas de conforto musicais e insistir em atirar para todos os lados.

A abertura, com "I Am All That I Need", trafega pelos mesmos temas exotéricos de "Montezuma", faixa de abertura do disco anterior, e consegue ser tão linda e impactante quanto ela.

"Third of May/Ōdaigahara" é uma ambiciosa composição com orquestra que possuí vários movimentos e traz vocais em uníssono duplicados infinitamente no mix final, criando ao longo de quase 9 minutos uma atmosfera sonora absolutamente singular  e original -- eu, pelo menos, nunca escutei nada remotamente semelhante em toda a minha vida.

Não faltam "canções assoviáveis" em "Crack-Up": "If You Need To, Keep Time On Me", "On Another Ocean" e "Fool's Errand" são exemplos claros disso. Mas é nas duas faixas que encerram o disco -- "I Should See Memphis" e "Crack-Up" -- que o bicho pega pra valer, e o panorama anunciado na faixa de abertura começa a se cristalizar.

E quando "Crack-Up" termina, a sensação que permanece é de que fizemos uma viagem por algum lugar mágico, em algum tempo incerto, e agora estamos de volta, melhores e diferentes do que éramos antes.

Há quanto tempo você não tem essa sensação depois de ouvir um disco? 



 Robin Pecknold  e Skyler Skjelset assinam a produção das 11 faixas de "Crack-Up", que foi quase inteiramente gravado no Electric Lady Studios e no Sear Sound, ambos em Nova York, na segunda metade de 2016, sem pressa alguma.

Para este ano, eles prometem uma tournée pela América, Europa, Japão e Austrália -- e, com um pouco de sorte, quem sabe acabam dando uma escapada até aqui num desses Lollapaloozas da vida. 

Se você ainda não conhece as dissonâncias psicodélicas e o folk barroco recheado de ousadias dos Fleet Foxes, não perca essa chance que "Crack-Up" está oferecendo.

Acredite: seus ouvidos ficarão imunes por um bom tempo a essas "besteirinhas de ocasião travestidas de artistas de verdade" que vivem sendo inventadas pela Indústria Fonográfica.

Mumford & Sons, por exemplo.





AMOSTRAS GRÁTIS

   






CHICO MARQUES
é comentarista,
produtor musical
e radialista
há mais de 30 anos,
e edita a revista cultural
LEVA UM CASAQUINHO
e o blog musical
ALTO & CLARO 



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