quarta-feira, maio 31, 2017

DUAS OU TRÊS COISAS SOBRE O ANIVERSÁRIO DE 50 ANOS DE "SGT PEPPER'S LONELY HEARTS CLUB BAND"

por Chico Marques


É uma merda não ser beatlemaníaco.

É quase como ter lepra. Seu acesso fica limitado em vários círculos de amigos, que simplesmente não se conformam com o fato de você -- eu, no caso -- nunca ter-se deixado arrebatar pelo encanto dos 4 de Liverpool.

Mas... fazer o que? Sempre gostei moderadamente dos Beatles. Nunca de forma incondicional, como os beatlemaníacos. E, francamente, jamais consegui entender como um fenômeno comportamental como a beatlemania -- que só fazia algum sentido dentro daquela vidinha besta que vivíamos nos Anos 60 -- conseguiu permanecer vivo e ativo após tantos anos.

O saco é que os beatlemaníacos insistem em idolatrar os 4 de Liverpool como um fenômeno isolado, pelo simples fato deles terem encabeçado a primeiríssima divisão da British Invasion. Já eu só consigo vê-los inseridos num "big picture" da cena musical britânica, onde eles emparelham com várias outras bandas contemporâneas igualmente vitais como The Kinks, The Animals, The Who, The Yardbirds, The Pretty Things, Cream e, claro, The Rolling Stones.

Meu problema maior com os beatlemaníacos é o sectarismo musical detestável que eles cultivam. Que é facilmente identificável nos fãs incondicionais da banda na faixa de 50, 60 e 70 anos anos de idade, mas que também aparece em muitos "fãs juniors" -- que, mesmo não tendo vivido aquela época, macaqueiam os mesmos velhos cacoetes ridículos e rançosos de certos "fãs seniors".




Pois bem: "Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band" completa 50 anos de vida nesta quinta, dia 1 de Junho.

Pipocam pela imprensa do mundo todo há vários dias aqueles indefectíveis (mas inevitáveis) textos de jornalistas-fãs exaltando o disco como "a obra máxima da banda", "a pedra fundamental do rock psicodélico", "o primeiro disco conceitual da história do rock" e "o disco que dividiu as águas no pop ocidental", entre outros lugares comuns. 
É confete que não acaba mais.

Como dizia Nelson Rodrigues, "toda unanimidade é burra". É como se qualquer pauta sobre "Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band" que não seja de natureza louvatória fosse declarada inadequada nesse "momento sagrado". Como se o disco fosse uma obra-prima intocável que não pudesse ser reavaliada de forma alguma, e nem mesmo ser submetida ao teste do tempo. Presumo que os beatlemaníacos devam ter medo que, depois de algumas revisões críticas contundentes, a "magnum opus" dos Beatles não se sustente mais em pé.

Por essas e outras, não tenho o menor receio de bancar o desagradável revisando "Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band" sem piedade. Ainda mais agora, que acaba de ser lançada uma daquelas caixas com 4 cds paquidérmicas e intermináveis, trazendo a versão stereo e a versão mono do disco original totalmente remixadas, além uma infinidade de takes e mixes alternativos das faixas do disco -- sem contar as versões iniciais de "Strawberry Fields Forever" e "Penny Lane", que acabaram ficando de fora deste LP para se transformar em Fevereiro de 1967 no single mais emblemático de toda a carreira da banda.



Para quem não sabe, "Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band" custou uma fortuna: 25 mil libras em dinheiro da época. Foram mais de 700 horas de estúdio empenhadas no disco, algo inédito até então na história da Indústria Fonográfica. Foi gravado num estúdio de 4 canais em Londres simulando os efeitos conseguidos apenas em estúdios de 8 canais que só existiam nos Estados Unidos na época. No final das contas, toda a criatividade e o primor técnico do engenheiro Geoff Emerick, somado aos arranjos ousados do produtor George Martin, serviam para dar um status grandioso a um conceito incipiente e boboca que permeia o disco do início ao fim, onde os Beatles se escondem na pele dos músicos da banda do Sargento Pepper.


E é justamente isso que torna essa revisão de "Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band", uma experiência constrangedora. Difícil entender como as pessoas conseguiram passar 50 anos idolatrando uma seleção de canções tão fraca e inexpressiva sem questionar isso, e ainda saudar o produto final como o "crème de la crème" do rock anglo-americano da época. O nível qualitativo do repertório do disco é surpreendentemente baixo, ainda mais se comparado ao repertório dos dois discos anteriores "Rubber Soul " e "Revolver", ambos excelentes. A ruindade da maioria das canções do LP chega a ser gritante.

Os highlights do disco são apenas três: duas canções de Paul McCartney ("Lucy In The Sky With Diamonds" e "She's Leaving Home") e uma de John Lennon ("A Day In The Life"). George Martin sentiu esse deficiência no nível do repertório durante a concepção do disco, e insistiu para que "Strawberry Fields Forever" e "Penny Lane" fossem incluídas para dar um reforço. Mas foi voto vencido, pois Lennon e McCartney não queriam nenhum single já lançado dentro do disco. Queriam separar bem o lado "banda de singles" do lado "banda de álbuns" dos Beatles.

 Em última instância, 70% do repertório de "Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band" nunca passou de um amontoado de besteirinhas musicais, e os beatlemaníacos sempre fizeram vista grossa para esse fato. Eram canções que já despontavam para o esquecimento na época em que o disco foi lançado. E que hoje, 50 anos depois de seu lançamento, soam extremamente datadas para todos os que a escutam -- menos para os beatlemaníacos, claro.



Beatlemaníacos em geral tendem a romancear tudo o que envolve os Beatles. Já era assim quando a banda estava na ativa, e isso estranhamente persiste até hoje.

Vivem reinventando a história da banda, sempre deixando de lado o que não é conveniente. Esquecem deliberadamente que John Lennon era completamente bipolar, que a relação entre os quatro não era lá muito amistosa, que a banda tinha negócios atrapalhados, relações estranhas com sua gravadora, seus empresários e –- mais importante de tudo -– não sabia lidar com o ‘big business’ dos anos 60, tanto que acabou engolida por ele durante o processo de falência da Apple Records.

Na hora de tentar apontar as verdadeiras causas dos Beatles terem encerrado as atividades em 1970, esses beatlemaníacos sempre acabam buscando explicações em questões pessoais, colocando a culpa em Yoko Ono, Linda Eastman, Allen Klein ou em quaisquer outros que, eventualmente, fizessem parte da corte dos rapazes, quando na verdade o buraco era bem mais embaixo: trata-se de um simples caso de incompetência gerencial.

Diante de tudo isso apresentado até agora nesse desabafo, eu não deveria me espantar ao ver que, 50 anos depois do lançamento, ainda existem beatlemaníacos ávidos por adquirir uma caixa de 4 cds chata, previsível, desinteressante, e caríssima como essa. Mas me espanto, sim. Aliás, não me conformo, pois tenho certeza de que essa falta de espírito crítico dos beatlemaníacos em relação ao próprio legado dos Beatles conspira contra a importância da banda para a história do rock. Mas sei que estou falando para as paredes...

Pois comemorem bastante os 50 anos de "Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band". Só não me convidem para a festa, por favor.






CHICO MARQUES
é comentarista,
produtor musical
e radialista
há mais de 30 anos,
e edita a revista cultural
LEVA UM CASAQUINHO
e o blog musical
ALTO & CLARO 




Um comentário:

Luiz Thomas disse...

Vc não está falando para as paredes
Sinto o mesmo sobre o Beatles e já briguei com muitos qdo digo que conjunto de música pop e nada a ver com banda de rock
Esse disco encalhou qdo lançado
Lembro de ver prateleiras das lojas americanas cheia deles é ninguém comprando
Não me atrevo a escrever tão bem qto Vc no desabafo do óbvio mais escondido da música.
Mas Beatles tinha letras ridículas para ser rock
Ela ama Vc
Socorro
Eu sou um perdedor
É por aí vai
Nada que o rock propaga que é o sexo e quebra das regras
Beatles tinha público de meninhas
E a propaganda ainda segurou os últimos anos (Paul estava morto e o que estava no grupo era um sosia)
Can't buy me love e A hard days'night parecem sair do repertório dos Menudos
Estou com Vc Chico