terça-feira, novembro 06, 2012

RICKIE LEE JONES PASSEIA POR CANÇÕES ALHEIAS E SE REINVENTA MAIS UMA VEZ


É comum ver cantores e compositores lançando discos de covers de tempos em tempos por motivos estratégicos e oportunistas.

Convenhamos: é sempre muito mais fácil vender um disco assim. A maioria das canções escolhidas já são conhecidas, e essas releituras tem entrada facilitada nas programações das rádios adultas.

Além do mais, discos de covers são sempre saídas honrosas para qualquer artista em crise criativa ou em final de contrato com uma gravadora, pois a gravadora raramente reclama desse tipo de disco e o artista não pode guardar suas novas canções para seu disco de estréia na sua próxima gravadora.

Nenhuma dessas regras oportunistas, no entanto, se aplica a Rickie Lee Jones,. garota de Chicago que circulou por toda a América até aparecer ao lado do namorado Tom Waits no disco "Foreign Affairs" (1977) a convite de seus amigos de infância Lenny Waronker e Russ Titelman.



Desde o momento em que apareceu com seu disco de estréia em 1979, Rickie Lee causou um frisson impressionante na cena musical. O que dizer de uma cantora e compositora com a sensibilidade de Joni Mitchell e a atitude de um moleque de rua? Ela era inclassificável, e tirou proveito disso emplacando discos originalíssimos na sequência de seu trabalho de estréia, sem jamais se deixar engolir pelo mainstream -- mas tirando, sempre que possível, bom proveito dele.

Bom, mas como estava dizendo, Rickie Lee vem gravando há quase 30 anos discos de covers, um a cada dez anos, e nenhum deles tem perfil.oportunista. Muito pelo contrário, são discos em que ela mergulha fundo em suas lembranças, seus anos de formação artística e sua alma inquiete.

O primeiro disco de covers que ela gravou, "Girl At Her Volcano" (1983) é de uma delicadeza aterradora. Uma combinação eclética de canções de várias épocas, num contexto dramático e que dava uma nova dimensão á sua persona artística.

O segundo, "Pop Pop" (1991), já tem um tom mais jazzístico e uma seleção de canções que alterna canções dos anos 40 e 50 com clássicos da psicodelia como "Up From The Skies", de Jimi Hendrix.

Já o terceiro, "It´s Like This", tem uma sonoridade um pouco mais soul que o habitual, mas a origem do repertório é novamente muito eclética. o resultado final, no entanto, é extremamente coeso.


E agora, eis que Rickie Lee retorna com mais uma aventura musical muito pessoal com repertório alheio.

Em "The Devil You Know", ela volta a trabalhar com Ben Harper como produtor, e juntos eles desenvolveram arranjos bem "no osso" -- piano e baixo, violão e baixo, coisas assim -- sobre um repertório bastante conhecido, que ganhou feições inteiramente novas em releituras muito inusitadas.

O disco abre com uma versão intimista, quase uterina, para Sympathy For The Devil" -- sem percussão, sem explosões, trabalhando uma espécie de catarse interna. Segue com a versão mais delicada e inocente já gravada para "Only Love Can Break Your Heart", de Neil Young. Um pouco adiante, temos uma versão voz e piano quase inacreditável para "The Weight", clássico de Ronnie Robertson e do The Band, E por aí vai. Tudo muito simples, e muito incomum.

Eu confesso que fiquei completamente cativado pela sua interpretação de "Play With Fire", dos Stones, com um tom desamparado e, ao mesmo tempo, perigosíssimo, que dá a dimensão exata do poder de fogo de Rickie Lee como intérprete.

Além disso, ela escolheu duas canções que fazem parte do disco 'Every Picture Tells A Story", de Rod Stewart: "Reason To Believe", de Tm hardin, e "Seems Like A Long Time" de Ted Anderson. Tanto uma quanto a outra seguem leituras bem menos vibrantes que as de Rod, mas são muito mais eloquentes e verdadeiras.

E não pára por aí. "The Devil You Know" tem algumas outras surpresas a ser descobertas. Canções de Donovan, Van Morrison, Ben Harper, etc.

Eu, no entanto, prefiro encerrar por aqui.



Apesar de ser um disco de covers, "The Devil You Know" está longe de ser um disco de apelo fácil.

Nenhum disco de Rickie Lee Jones gravado nos últimos 20 anos tem apelo fácil.

Muita gente vai chegar com as reclamações de sempre: de que seu trabalho está cerebral demais, jovial de menos, climático demais, urgente de menos...

Eu, na condição de admirador quase incondicional do trabalho de Rickie Lee Jones, não tenho nenhuma observação a fazer. Achei o disco ótimo, intenso, certamente o melhor dos 4 discos de covers que ela já gravou. Torço sinceramente para que venham outros.

Quanto ao fato dela insistir em trabalhos que não possuem apelo imediato ao longo desses últimos 20 anos, não há muito o que dizer. Joni Mitchell e Laura Nyro também promoveram viradas radicais em determinados pontos de suas carreiras, e o tempo provou que elas estavam no rumo certo. As chances de Rickie Lee estar também na rota certa não são pequenas.

Enfim, nada melhor que o passar do tempo para dar as perspectivas histórica e artística certas para essas coisas que nem sempre estão estampadas bem na cara da gente.


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