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domingo, julho 02, 2017

ENCAIXOTANDO EM TRÊS CDS E TRÊS DVDS QUATRO DÉCADAS DE CARREIRA DE GRAHAM PARKER & THE RUMOUR

por Chico Marques


Quem acompanhou de perto a cena pós-punk no final dos Anos 70, com certeza lembra com muito carinho de Graham Parker e seus comparsas do grupo The Rumour.

Assim como Elvis Costello, que buscou abrigo em seu início de carreira numa persona que combinava visualmente Woody Allen com Buddy Holly para defender suas canções irônicas e, às vezes, raivosas, Graham Parker criou uma persona bastante curiosa: um soulman punk que vomitava canções irônicas, irreverentes, e eventualmente debochadas, sempre urgentes e contundentes, que de tão consistente terminou por convencer a si mesmo.

Entre 1975 e 1982, enquanto esteve à frente do grupo The Rumour -- uma banda que reunia a nata do pub-rock londrino, com ex-membros dos grupos Brinsley Schwartz, Ducks DeLuxe e Bontemps Roulez --, setores da crítica muito atentos com a cena pós-punk logo perceberam que Parker era absolutamente original: uma figura dylaniana, mais ou menos nos mesmos moldes de Ian Hunter, com vocação para o estrelato e com o vigor criativo de um "angry young man" como Pete Townshend ou de um Van Morrison.

Resultado: trataram de empurrá-lo para a frente, para ver se vingava.

E, de certa forma, vingou: seus 4 primeiros discos para a Mercury Records são doses cavalares de rock and roll clássico mesclado com soul music pedestre de Memphis, onde o Rumour providenciava uma moldura sonora atemporal para canções sensacionais, despertando o interesse dos "ingleses moderninhos" da época na música de grandes mestres americanos como Al Green, Solomon Burke e Wilson Pickett.


Estranhamente, quando Graham Parker & The Rumour mudou de mala e cuia para a Arista Records e gravou "Squeezing Out Sparks" (1979), um pouco da velha magia soul se perdeu, pois confiaram nos executivos da Arista Records e no produtor Jack Nitsche, que prometeram mundos e fundos e um lugar ao sol na cena americana, mas, no final das contas, conseguiram entregar um grande disco -- o melhor que eles já gravaram, segundo a Rolling Stone -- que chegando bufando ao 40° posto da Billboard, mas não foi além disso.

Foi quando alguns executivos espertalhões da Arista concluíram que o problema estava na produção, e então chamaram o competente (e totalmente inadequado) Jimmy Iovine para tentar fazer um disco de Graham Parker & The Rumour que soasse parecido com os discos que Iovine produzia para Bruce Springsteen e Tom Petty.

Quando esse disco, "The Up Escalator" (1980), não só falhou em emplacar nas paradas americanas, como ainda foi recebido friamente pela crítica, acendeu o sinal vermelho na gravadora e na banda para o próximo projeto.

Incapazes de admitir seus erros, por mais evidentes que pudessem ser, os executivos da Arista concluíram que o Rumour não era a banda adequada para Parker emplacar na Década de 80, e que a saída para ele seria passar a gravar com músicos americanos. Encaminharam Parker para o produtor Jack Douglas, que vinha de experiências bem sucedidas com Aerosmith e John Lennon, para forjar uma espécie de estreia solo para ele. E então, gravaram um belo disco chamado "Another Grey Area", perfeito em todos os sentidos, menos em um: não conseguiu chegar ao Top 40 da Billboard.

A partir daí, Parker decidiu não mais dar ouvidos a executivos de gravadoras, e desistiu de tentar fórmulas mágicas para emplacar nas paradas americanas. Sentiu antes de muitos outros artistas que a Indústria Fonográfica americana começava a sofrer os primeiros efeitos da "Era Thriller", e que todo artista desalinhado iria acabar descartado do big business de uma hora para outra. Calejado de tombos anteriores, tratou de se recompor para poder se posicionar melhor nos tempos estranhos que estavam por vir.



De meados dos 80 para cá, Parker vem gravado discos excepcionais longe das grande gravadoras, transitando entre a Inglaterra e os Estados Unidos com seu inabalável status de cult-artist e casas sempre cheias, mantendo por perto velhos admiradores que nunca deixaram de aplaudir suas composições e seu timbre vocal cada vez mais rouco e mais parecido com o de Bob Dylan, só que afinado.

E então, em 2012, sem fazer alarde, Parker promoveu uma reunião descompromissada com os integrantes originais do The Rumour -- os guitarristas Brinsley Schartz e Martin Belmont, o tecladista Bob Andrews, o baixista Andrew Bodnar e o baterista Steve Goulding -- para propor gravarem um disco novo e uma tournée que serviria, em princípio, para reforçar o caixa dos envolvidos no projeto.

Todos deixaram os velhos ressentimentos de lado e embarcaram de coração aberto na empreitada -- que, no final das contas, acabou indo muito além do que eles próprios poderiam esperar.

"Three Chords Good", o disco de retorno de Graham Parker & The Rumour, foi uma surpresa muito bem-vinda, com uma sonoridade mais tranquila e bem menos urgente, mas com o mesmo suingue perigoso de 40 anos atrás, soando como uma consequência natural do trabalho solo de Parker nas últimas décadas.

A experiência deu tão certo que de lá pra cá eles não desgrudaram mais, e em 2015 gravaram um segundo disco de retorno: "Mystery Glue", mais pedestre, mais casual, e de certa forma mais urgente que o anterior, mostrando que The Rumour atingiu um padrão de afinidade musical que só se alcança depois de muitas tournées juntos e muita camaradagem e respeito mútuo entre os integrantes da banda. 

Na essência, nada mudou aos longo desses 40 anos de associação de Graham Parker com The Rumour. A persona musical de Parker forjada 40 anos atrás é a mesma, e agora está devidamente maturada. E a identidade musical do Rumour sempre foi elástica o suficiente para conseguir se adequar a novas épocas e novas situações do mercado musical, sem jamais se descaracterizar musicalmente.



Sendo assim, não dá para imaginar um momento melhor para lançar no mercado uma retrospectiva de carreira como esta caixa com 3 cds e 3 dvs "These Dreams Will Never Sleep - The Best Of Graham Parker" que a Universal acaba de colocar no mercado, e que promove um passeio cronológico por sua longa carreira.

Os dois primeiros cds cobrem quase a íntegra das gravações de estúdio de Graham Parker & The Rumour feitas para a Mercury e para a Arista entre 1976 e 1991, e são impecáveis. O terceiro cd faz uma panorâmica ligeira demais nos 30 anos de carreira solo de Parker, subestimando a qualidade do que ele produziu ao longo deste período, o que, na minha maneira de ver, é um enorme equívoco de quem organizou esta antologia.

Já o primeiro dvd traz as melhores gravações dele com o Rumour para a BBC, e o segundo e o terceiro dvds apresentam a íntegra do que talvez tenha sido o show derradeiro da banda, no Forum em Londres, encerrando a tournée de 2015.

Graham Parker é um artista de primeira grandeza no rock anglo-americano, mas que teve um quase-estrelato que passou rápido demais -- mas que ele, por sorte, soube absorver bem nunca entregando os pontos, se reinventando de tempos em tempos em gravações às vezes meio domésticas, outras vezes muito sofisticadas, às vezes solo, outras vezes à frente de bandas espetaculares, mas sempre apostando numa relevância musical que ele nunca deixou de perseguir nesses 40 anos de carreira.

Esta caixa infelizmente valoriza apenas o prólogo e epílogo desses 40 anos, e pode até satisfazer quem não está interessado em conhecer a fundo o recheio dessa carreira brilhante -- mas para mim, definitivamente, ficou na boca um gostinho de "foi pouco, quero mais."


AMOSTRAS GRÁTIS


      







CHICO MARQUES
é comentarista,
produtor musical
e radialista
há mais de 30 anos,
e edita a revista cultural
LEVA UM CASAQUINHO
e o blog musical
ALTO & CLARO 



segunda-feira, maio 25, 2015

UM NOVO DISCO DE GRAHAM PARKER AND THE RUMOUR É SEMPRE MOTIVO DE FESTA, MAS "MYSTERY GLUE" É FESTA DO COMEÇO AO FIM.


Quem viveu a cena pós-punk, com certeza lembra com carinho de Graham Parker e seus comparsas do grupo The Rumour.

Assim como Elvis Costello, que buscou abrigo em seu início de carreira numa persona que combinava visualmente Woody Allen com Buddy Holly para defender suas canções irônicas e, às vezes, raivosas, Graham Parker tentou adequar suas canções meio debochadas, meio irreverentes -- e sempre urgentes e contundentes -- a uma persona de soulman punk que inventou para si próprio, e que deu muito certo a princípio.

Mas o caso é que, entre 1975 e 1982, enquanto esteve com o Rumour a tiracolo -- uma banda que reunia a nata do pub rock londrino, com ex-membros dos grupos Brinsley Schwartz, Ducks DeLuxe e Bontemps Roulez --, setores da crítica, muito comprometidos com a cena punk, não entenderam que Parker era mais uma figura dylaniana, nos moldes de Ian Hunter, do que qualquer outra coisa, e insistiram em vendê-lo como um "angry young man", que ele, na verdade, nunca foi. 
Bastou Graham Parker começar a gravar canções não tão urgentes e tentar aproximar seu trabalho do gosto americano, que sua carreira começou a perder altitude. The Rumour o deixou para gravar discos próprios e boa parte do público sumiu -- o que foi uma pena, pois seu primeiros álbuns solo, como "Mona Lisa's Sister", estão entre seus melhores trabalhos até hoje.

Nesses últimos 30 anos, Graham Parker vem tocando sua carreira em frente por selos independentes e mantendo por perto velhos admiradores que nunca deixaram de aplaudir suas composições e seu timbre vocal admirável -- cada vez mais rouco e semelhante ao de Bob Dylan, só que afinado.

E então, quatro anos atrás, sem grande alarde, aconteceu uma reunião de Parker com os integrantes originais do The Rumour -- os guitarristas Brinsley Schartz e Martin Belmont, o tecladista Bob Andrews, o baixista Andrew Bodnar e o baterista Steve Goulding.

Poderia ser apenas mais uma tournée oportunista, visando reforçar o caixa dos envolvidos no projeto. Mas não. Decidiram gravar um disco de retorno, "Three Chords Good", que, para surpresa geral, tinha pouco a ver com a sonoridade urgente que a banda trabalhava nos Anos 1970 e 1980, e soava como uma consequência natural do trabalho solo de Parker nas últimas décadas, com o apoio luxuoso do The Rumour nos arranjos e nas performances -- mais mansas, mas também muito suingadas que as de 35 anos atrás, um diferencial curioso e saudável. 

Na essência, nada mudou aos longo desses 40 anos de associação. A personalidade musical de Parker já estava pronta naquela época, e agora está maturada. E a identidade musical do The Rumour sempre foi elástica o suficiente para conseguir se adequar a novas situações, sem se descaracterizar musicalmente.
Eis que eles estão de volta com "Mystery Glue" (um lançamento Cadet/Universal, sem previsão de lançamento no Brasil), que marca o segundo retorno de Graham Parker & The Rumour.

É um disco mais pedestre e mais casual -- e até mais urgente -- do que o anterior "Three Chords Good", revelando que The Rumour voltou a um nível de entrosamento musical do tipo que só se alcança depois de alguns meses de tournée juntos e muita camaradagem e respeito mútuo entre os integrantes da banda.

Tudo funciona às mil maraviilhas em "Mystery Glue", desde o repertório ligeiro às performances sem exageros, em canções que evocam todos os temas clássicos da banda -- mulheres, carros, vida noturna, amores confusos -- e mais alguns, como envelhecimento, amadurecimento e como conseguir continuar se divertindo apesar disso tudo.

Eu, se tiver que escolher meus números favoritos, fico com "Long Shot", uma ode à longevidade, "Flying Into London", sobre o prazer de voltar ao velho lar depois de uma longa temporada americana de mais de 30 anos, e "Transit Of Venus", uma pequena obra-prima, repleta de ironias, sobre masculinidade e maturidade. Se bem que "Going There", com ecos de Bob Dylan e Van Morrison, chega bem perto da perfeição. 

Pensando melhor, melhor não escolher coisa alguma. Escolher é perder. E "Mystery Glue" é ótimo da primeira à última faixa, "My Life In Movieland", um belo e inusitado número nostálgico, diferente de tudo o que a banda já fez. 
Graham Parker é um artista de primeira grandeza no rock angloamericano. Nunca deixou de crescer musicalmente nesses mais de 30 anos em carreira solo, sem The Rumour. Mas é inegável que "Mystery Glue" -- mais ainda que o anterior "Three Chords Good" -- tem um sabor forte de resgate.

Não o resgate de um estrelato que passou rápido demais, pois isso não dá para alcançar mais, aos 65 anos de idade. Mas o resgate de um espírito jovial que se perdeu um pouco a partir do momento em que o trabalho de Graham Parker começou a ficar solitário demais.

Parker é o tipo do cara que desabrocha à frente de uma banda como The Rumour -- que, por razões geracionais e afetivas, sabe melhor que ninguém não só onde ele quer chegar como sabe exatamente como facilitar o acesso.

É um disco sensacional, que eu não canso de ouvir há uma semana, e sobre o qual estava até hesitando em escrever para não ter que pular para o próximo disco a ser comentado.

"Mystery Glue" já está na minha lista de melhores discos de 2015. 

Não sai dela até Dezembro, mas nem a pau.

AMOSTRAS GRÁTIS