domingo, março 12, 2006

Entrevista Iggy Pop: Só Pop Salva (por Jonathan Shaw para TRIP)


Como é voltar ao Brasil depois de tanto tempo?
Eu fiquei bem puto por anos porque os brasileiros nunca me convidaram para o Rock in Rio... Eu ficava pensando: “Seus filhos-da-puta artificiais e superficiais, vão se foder!”. Fiquei bem ressentido com isso... Eu já havia tocado aqui antes, showzinho esquisito, com pouquíssimas pessoas na platéia.

Quando foi isso?
1989, em São Paulo, num ginásio de universidade, algo assim, com umas mil pessoas assistindo, na sua maioria estudantes [nota do editor: foi na antiga casa de shows Projeto SP, e em 88]. E depois aqui no Rio, onde foi bom para caralho — um clubinho sujo, não sei o nome, Copa alguma coisa... Lembro que tinha um gato e um rato nos camarins e adorei.

Como foi tocar aqui desta vez?
Senti um astral muito bom, acho que as pessoas realmente gostaram. Não tinha a menor idéia se elas nos conheciam ou não, ou se só gostavam de rock’n’roll tipo Billy Idol, que é só vestir jaqueta de couro, ser bonitinho e ter uma megaprodução. Sabia que vinha o Sonic Youth, que tem um som mais cabeça, e sei que aqui existe o “intelectual latino-americano superprotegido” [risos] — em todo país tem sempre um grupinho de gente com grau universitário que nunca é ameaçado... Pensei: “Bem, se eles gostam de Sonic Youth, o que vai ser de nós?”. Subitamente o público foi tão receptivo, as pessoas estavam com uma mente aberta. Não sei e não me interessa qual era a expectativa que elas tinham, mas era visível, enquanto tocávamos, que elas estavam com os olhos e ouvidos abertos e, aí, o público começa a entrar no ritmo. Essas coisas são bem básicas, mas são as mais importantes, sabe?

Quando o vejo no palco, me pergunto se em algum momento você se sente como se uma entidade o possuísse.
[Rindo] Uau, já me fizeram essa mesma pergunta... É isso o que você vê?

É como se eu o conhecesse como Jim, e o Jim é um carinha bacana... Aí ele sobe ao palco e se transforma no absurdo Iggy...
Bem, não sei bem o que acontece. Geralmente não me expresso muito. Mas quando estou no palco, fazendo um disco ou qualquer coisa que tenha a ver com música, aí digo “o.k., é aqui que eu preciso”. Sei lá, complete com o clichê de sua preferência: “expressar meu lado humano”; “fazer a diferença”; “passar para outra dimensão”, blablablá, qualquer merda, ser um palhaço, virar um chimpanzé, o que der na telha...

Sente como se estivesse servindo a um poder superior?
Isso eu já não sei... Poderia ser um poder inferior.

O que você costumava fazer nos anos 60?
Eu fazia coisas... Exemplo, depois que consegui montar uma casa para tentar fazer nossa música, eu tomava ácido, ligava um órgão elétrico que eu tinha no porão, colocava o amplificador no 10 e ficava com os pés no teclado por umas oito horas direto. Os pés em cima da porra das teclas, sem mexê-los, nem precisava, porque estava tudo se mexendo, saca? Então passei por toda essa merda idiota… Lembro de outra vez que tínhamos todos fumado DMT e eu vi um Buda enorme, rico em detalhes, no teto dessa casa. Me dei conta de que ele não estava lá de verdade, mas percebi que era detalhado demais, muito mais do que minha mente teria a capacidade de imaginar. Pensei que aquela devia ser minha mente superior, ou inferior, e disse: “Tenho que tirar as roupas”. Estava morando com três caras jovens, minha banda, e eles não ligavam: “Ele tem que tirar a roupa”. Então eu fiquei pelado por um ano [risos]…

E as pessoas da pequena Muskegon, onde você nasceu, que achavam disso?
Sentiam pena de mim. Toquei pelado em uma festa no Halloween de 1967 e todo mundo ficou constrangido. Mas não desistimos. Depois, um jornal universitário publicou um artigo a nosso respeito e só sabiam que meu nome era Pop graças a uma banda chamada Iguanas em que eu tinha sido baterista anos antes. Odiei aquilo. Quem é que quer ser chamado de Pop? Tente paquerar alguém, em 1968, dizendo: “Oi, meu nome é Pop”. As pessoas fazem careta, querem te bater, entende? Hoje funciona, algumas coisas mudaram.

Sabe que às vezes penso em “Search and Destroy” como a trilha sonora do apocalipse... Assim que voltamos a tocar juntos, eu e o The Stooges, alguém me disse: “Isso é maravilhoso, porque houve o Vietnã, agora a guerra no Iraque e vocês voltaram. É o momento perfeito para o The Stooges!”. Então tá, talvez tenha algo a ver: banda de guerra, de repente.

Acredita em Deus?
Gosto de um monte de deuses, o deus da xícara de café, o deus da mulher gostosa, deus de todas as coisas. Tem uma palavra para isso... politeísta, é isso, sou politeísta.

E como é que você voltou a trabalhar com os seus antigos comparsas?
É um astral totalmente diferente, porque o tipo de profissional que você consegue quando contrata nunca é tão bom quanto aqueles com quem você está em pé de igualdade.

Então é um lance de lealdade?
Yeeaahh... Mas detesto admitir isso [risos]. Quando aparecem esses sentimentos, penso [voz mecânica]: “Perigo! Este é um sentimento babaca e destrutivo. Pare por aqui. Se liga...”.

Qual é sua impressão a respeito do Brasil depois desses anos todos?
[Sorrindo como uma criança] Grande. Aberto. Descontraído. Legal. Aqui as pessoas não esqueceram como sorrir, elas sorriem até nos encontros normais do dia-a-dia. Sei que existe uma realidade por trás disso, um monte de outras coisas, mas as pessoas são calorosas. Quando cheguei na imigração, no aeroporto, já dava para perceber um mundo totalmente diferente. Eu meio que invejo você, morando aqui. Na verdade não gosto de morar nos Estados Unidos, continuo lá só porque não desisto, esse é o único motivo. Eles não vão se livrar de mim tão facilmente, hã hã. As ruas têm um astral bem bacana e as pessoas em geral são mais magras que as norte-americanas. Dá a sensação também de que elas têm mais tempo, e me identifico com isso porque sou do Meio Oeste americano, onde temos muito tempo livre porque não há porra nenhuma para fazer.

Você vê potencial pra ter esse mesmo nível de popularidade aqui?
Não diria que não. Estava falando à minha namorada, Nina: “Ei, talvez a gente conseguisse trabalhar de verdade aqui, tipo vir de novo e tocar um pouco mais...”. Mas não sei qual é a força da MTV aqui, porque eles tendem a distorcer tudo e a TV é uma potência.

Fico me perguntando, são as pessoas que assistem à TV ou a TV que assiste a elas?
É bem sinistro. Tem um bairro aqui que é inteirinho uma TV, passamos por ele indo para o show [Projac, da Rede Globo]... E tem a Barra, 30 quilômetros de lixo pré-fabricado e aquela horrível merda moderna, um lugar chamado New York City Center e um Hard Rock Cafe totalmente horroroso.

Bem-vindo ao McGlobo, posso tirar seu pedido para uma nova ordem mundial?
[Risos] Com queijo… Mas, cara, eles têm uns 150 quilômetros de praia lá, e eu queria ter aquela praia.

Por falar em Brasil, ouvi uns sons “secretos” que você fez há alguns anos e nunca mostrou pra ninguém, antigas canções da bossa nova que você tocou de brincadeira com sua outra banda, lembra disso?
Cara, merda... Sim, aquela história de bossa nova que eu estava fazendo, uau, você ouviu aquilo?

Vocês estavam tocando João Gilberto, Tom Jobim, alguma coisa da Elis Regina...
Agora me lembro. Realmente gosto dessas canções. Na época eu estava vendo se sabia alguma coisa de música tradicional que pudesse usar para gravar um álbum. Gosto de toda bossa nova, e também da tradição da música popular brasileira. Não sou tão versado nela quanto gostaria, não sei a história do tropicalismo e tudo mais, mas já ouvi muita música brasileira. Conheço o Caetano Veloso, já fui a shows dele, e fui com você ao show da Astrud Gilberto em Nova York, lembra? Sempre penso em fazer alguma palhaçada dessas. Quem sabe um disco de Natal? Mas tenho que esperar o Rod Stewart parar de fazer os seus [risos].

O que te diverte mais no rock’n’roll?
Dos 18 até uns 40 anos de idade, meu ideal de diversão era basicamente fumar um grande baseado durante um dia lindo, fazer sexo e... só, entende? Os únicos outros momentos em que me sentia bem eram quando eu criava algo novo musicalmente, como a primeira vez em que ouvi o playback de “Search and Destroy” no estúdio e me dei conta: “Caramba, isso aqui tem mesmo qualidade, tem um pouco de imortalidade aqui”. Houve um momento específico que foi um daqueles momentos clássicos, que definem a sua vida. Era primavera, aula de álgebra, primeiro colegial. A professora era uma velha, falando sem parar, o dia lá fora estava lindo e eu me senti mal. Fiquei com dor de estômago, a pele ficou mal, engordurada. Fiquei com falta de ar, não conseguia mais ouvir a voz dela e só queria pular aquela janela. Pensei: “Se fosse um músico, não estaria aqui agora mas fazendo qualquer bosta que me desse na telha”. Para mim, sempre foi sobre liberdade.

Um comentário:

Anônimo disse...

boa postagem.