segunda-feira, agosto 03, 2015

RICHARD THOMPSON MERGULHA FUNDO NO LADO ESCURO DA ALMA, E CONTA O QUE VIU

por Chico Marques


Richard Thompson é um artista que dispensa apresentações em qualquer canto do mundo -- menos aqui no Brasil, onde nunca teve um disco sequer lançado. 

Membro fundador do seminal grupo de folk-rock britânico Fairport Convention, Mr. Thompson desenvolve há 46 anos um trabalho que desafia convenções e rótulos, mesclando em sua guitarra toques de jazz e de música erudita com influências de rock, blues, folk e música oriental.

Nunca deixou de ser um “cult artist”, até porque nunca aceitou se "adequar" aos requisitos do mercado. Bem que tentaram promovê-lo perante um público mais amplo no final dos Anos 80, mas não funcionou direito. O caso é que Mr. Thompson já tinha um público cativo extenso a essa altura do campeonato. Sua integridade artística e sua liberdade criativa sempre foram fatores inegociáveis. Estava satisfeito com o que havia conquistado, e não fazia sentido o menor abrir mão disso.   

Graças a essa teimosia, Mr. Thompson produziu alguns dos discos mais festejados pela crítica nos últimos 46 anos, como “I Want To See The Bright Lights Tonight” (1974) e “Shoot Out The Lights” (1982), ambos com sua ex-mulher Linda Thompson –, ou os trabalhos solo "Hand Of Kindness" (1983), "Across A Crowded Room" (1985) e "Daring Adventures" (1986), todos dignos de figurar em qualquer antologia de melhores LPs desse período.

Aos 66 anos de idade -- época da vida em que a maioria dos artistas prefere trabalhar tranquilamente dentro de Zonas de Conforto artísticas, dispensado desafios -- Richard Thompson mergulha em mais uma "daring adventure", gravando seu novo disco em Chicago, no The Loft Studio do grupo Wilco -- com Jeff Tweedy, guitarrista do Wilco, como produtor e parceiro musical.


Para surpresa geral, "Still", seu novo disco (um lançamento Fantasy), não é um trabalho alegre e festivo. O encontro entre ele e Jeff Tweedy acabou resultando num disco reflexivo, onde temas como repressão, emoções contidas e vidas sem rumo dão o tom. Não são temas novos no universo thompsoniano -- muito pelo contrário, são temas recorrentes até demais. Mas, cá entre nós, algumas das histórias que ele conta nessas novas canções são de arrepiar.

O disco abre com “She Never Could Resist A Winding Road”, que tenta vender a idéia de que chegou a hora de se aventurar menos na vida e buscar um pouco de paz e tranquilidade. Logo a seguir, "Beatnick Walking" relata uma aventura nada moderada pela Holanda no início dos Anos 70. Dá a entender que de lá para cá ele sossegou. e que finalmente deixou de lado o "look back in anger" dos tempos de juventude. Mas é ilusório. O que vem a seguir segue justamente na contramão disso tudo, com medos e desejos se contrapondo de forma incessante, e razão e instinto dando as cartas ao mesmo tempo.

É um disco surpreendente em termos musicais. A guitarra de Mr. Thompson sempre foi pródiga em pontuar com intervenções dramáticas algumas de suas canções mais assustadoras, e sua banda composta basicamente pelo baixista Taras Prodaniuk e pelo baterista Micheal Jerome é precisa e inusitada. O que esse time conseguiu realizar em "Still" com certeza deve ter deixado o produtor Jeff Tweedy arrepiado. No bom sentido, é claro.

Os personagens das canções de Richard Thompson sempre podem ser anjos ou monstros, dependendo do momento. Um exemplo perfeito disso é a assustadora “Dungeons For Eyes“, que mostra um assassino que vira um político, e que banaliza o mal em seu dia a dia. Não é a única canção contundente do disco. Existem outras. Todas implacáveis.  

"Still" encerra com um número chamado “Guitar Heroes”, onde Richard Thompson viaja ao passado e reencontra a si próprio menino, apaixonado por sua guitarra e encantado ao descobrir os guitarristas que seriam vitais em sua formação musical: Django Reinhardt, Les Paul, Chuck Berry, James Burton, Scotty Moore e The Shadows. Seu perfeccionismo obsessivo está claro nos versos: 

“Well I played and played until my fingers bled,
 I shut out all the voices but the voice in my head, now I stand on the stage and I do my stuff,
 and maybe it’s good but it’s never good enough.”


Richard Thompson nunca teve medo de puxar os temas de suas canções para o lado confessional. 

E nunca se importou em incluir canções doloridas de seu repertório de anos passados nos set-lists de seus shows atuais. 

Sempre mergulhou de cabeça tanto no lado brilhanteo quanto no lado escuro de sua mente. Poeta de mão cheia, nunca hesita em deixar seus ouvintes constrangidos com toda a sua franqueza existencial. 

E continua fazendo tudo isso com uma maestria artística única neste belo e estranho "Still".



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