domingo, setembro 24, 2017

PACOTEIRA MUSICAL DE CALIFORNIANOS DA GEMA: RANDY NEWMAN, DAVID CROSBY, LINDSEY BUCKINGHAM & CHRISTINE MCVIE, DREAM SYNDICATE E CHUCK PROPHET

por Chico Marques


A escritora novaiorquina e pernóstica profissional Dorothy Parker foi moradora de Los Angeles por quase duas décadas, entre os anos 1930 e 1940, e sempre teve por hábito falar muito mal da cidade que a recebeu tão bem, e que lhe rendeu mais dinheiro do que ela jamais conseguiu ganhar no Leste. Ela se referia maldosamente a LA como "setenta e dois subúrbios em busca de uma cidade."

Hoje, o Condado de Los Angeles é o maior do Estado da California, e os setenta e dois subúrbios viraram oitenta e oito cidades. As principais são Los Angeles (sede do condado), Beverly Hills, Burbank, West Hollywood e Santa Monica. Como a Região Metropolitana é dividida em distritos e cidades, a confusão é grande.

O Condado de Los Angeles (que inclui Santa Ana e Long Beach) possui hoje mais de dez milhões de habitantes. Três quartos de sua população é formada por imigrantes de outros Estados ou de outros países. Quem poderia imaginar que o pequeno povoado de Nuestra Señora La Reina de Los Angeles, fundado pelos mexicanos em 1781 e incorporado aos Estados Unidos em 1847, se tornaria a segunda Região Metropolitana mais populosa da América?

E então, quando a Indústria Cinematográfica começou a crescer e o cinema deixou de ser mudo, boa parte da Indústria Fonográfica começou a mudar de Nova York para lá. Em consequência disso, legiões de músicos do mundo inteiro seguiram em busca de um lugar ao sol na California. Hoje, LA é o maior centro musical do Estados Unidos.

Nossos cinco discos de hoje são de artistas da cidade. Artistas que nunca se contentaram em fazer de LA apenas um cenário para suas canções, e que preferem fazer da Cidade dos Anjos uma espécie de musa inspiradora.

Vamos a eles.


RANDY NEWMAN
DARK MATTER
(Nonesuch)

Randy Newman nasceu em Los Angeles numa família de judeus, mas foi criado em New Orleans, onde a música era hipnótica e onipresente. Assim que começou a aprender a tocar piano, o pequeno Randy correu atrás de todas aquelas sonoridades que pairavam em seu imaginário. Quando voltou a Los Angeles no final dos Anos 50 e começou a trabalhar como compositor profissional, passou a combinar esses pet sounds que trouxe da infancia na Louisiana com letras narradas em primeira pessoa por losers maluquinhos que ele inventava, criando com isso canções estranhíssimas absolutamente ímpares -- que, por sorte, tiveram uma ótima acolhida entre cantores e bandas pop em plena Era Psicodélica. A partir daí, não demorou até que, em 1968, ele recebesse da Reprise um convite para gravar seu primeiro disco como artista solo. Desde então, Mr. Newman compôs trilhas para nada menos que 25 filmes, ganhou Oscars, Golden Globes e Grammies, e já lançou 15 LPs repletos de canções que alternam histórias surreais com uma melancolia devastadora. Dark Matter é seu primeiro disco de inéditas em 9 anos. É um flerte aberto com a morte, só que com um bom humor cativante e a ironia fina habitual. A faixa de abertura do disco, The Great Debate, é um longo passeio pelos canais de um aparelho de TV e um retrato cruel e divertido no mundo em que vivemos nos dias de hoje. On The Beach é um número de soft-jazz sobre um sujeito metido a gostosão que não sentiu o tempo passar e continua hoje, já idoso, a abordar mulheres com a mesma conversa mole que usava 40 anos atrás -- sem sucesso algum, obviamente. Brothers é uma conversa imaginária muito divertida entre John e Bobby Kennedy sobre mulheres, música cubana, Célia Cruz e a invasão da Baía dos Porcos. Mas o grande destaque do disco vai para Sonny Boy, que conta, trocando em miúdos, a história de Sonny Boy Williamson, o único bluesman que não chegou a fazer pacto com o diabo para fazer sucesso, e agora está triste e solitário lá no céu, enquanto seus companheiros de geração estão todos juntos no Inferno, se divertindo. Dark Matter segue por aí. É um disco sensacional, indispensável para quem acredita em pop com vida inteligente. Encerro com as palavras sábias de David Byrne, fã incondicional de Newman, que disse certa vez: Na hora de nossa morte, deve existir uma canção bem irônica de Randy Newman esperando por nós, para saudar nossa chegada ao Purgatório.




DAVID CROSBY
SKY TRAILS
(BMG)

No final dos Anos 70, Neil Young escreveu uma canção muito contundente (Thrasher) onde acusava abertamente seus companheiros do Crosby Stills and Nash de estar acomodados em vidinhas tranquilas com ar condicionado e piscinas aquecidas. David Crosby, que sempre desenvolveu o trabalho mais arrojado deles todos em termos musicais, ficou mordido com o comentário. Tanto que, a partir daí, tratou de retomar sua carreira solo e desenvolver discos com um sotaque mais pop e mais urgente que o dos discos do CSN. Infelizmente, esses discos não emplacaram conforme o esperado, e Mr. Crosby não viu outra alternativa senão buscar refúgio no porto seguro do CSN. Três anos atrás, já setentões, sem a menor paciência um com o outro, os três decidiram se separar e aproveitar o que talvez fosse a última chance de tentar mais um vôo solo. Desde então, Mr. Crosby, surpreendentemente, já lançou nada menos que 3 discos solo, um mais diferente do que o outro, mas todos de alguma maneira entrelaçados. Sky Trails, o mais recente deles, é um disco intimista, romântico e bem humorado, onde Mr. Crosby e seu filho Raymond Crosby promovem passeios pelos mais diversos gêneros musicais, indo do soft-jazz ao folk e ao flamenco em canções belíssimas como She's Got To Be Somewhere e Curved Air. Um belo momento do disco está na releitura que Mr. Crosby faz de Amelia, numa homenagem a sua amiga de uma vida inteira Joni Mitchell. Em suma: Sky Trails é um disco extremamente agradável, Mr. Crosby está em excelente forma aos 76 anos de idade e não atura mais desaforos de Neil Young há muitos e muitos anos.




LINDSEY BUCKINGHAM AND CHRISTINE MCVIE
LINDSEY BUCKINGHAM/CHRISTINE MCVIE
(Atlantic)

Em 1974, quando o então casal Lindsey Buckingham e Stevie Nicks gravou o clássico LP Buckingham Nicks -- que lhes rendeu o convite para ingressar no então semi-moribundo grupo inglês Fleetwood Mac -- ninguém poderia esperar que chegariam tão rapidamente ao megaestrelato. Pois chegaram. E com o megaestrelato veio toda sorte de encrencas artísticas, conjugais e farmacológicas, a ponto de, lá pelas tantas, cada um dos cinco integrantes da banda ter seu próprio empresário e seu próprio advogado. Cinco anos atrás, depois de muitos anos separados, os integrantes do Fleetwood Mac se reuniram para uma tournée mundial que visava, antes de mais nada, dar um gás nas contas bancárias de todos os envolvidos para que, ao final, todos pudessem retomar suas carreiras solo. Mas, estranhamente, quando a tournée acabou, só Stevie Nicks quis voltar para casa sozinha. Lindsay Buckingham e Christine McVie redescobriram o prazer de compor e tocar juntos, e o pessoal da cozinha Mick Fleetwood e John McVie também permaneceram na área. Daí nasceu esse Lindsey Buckingham/Christine McVie, que é tecnicamente um disco do Fleetwood Mac, mas prefere não se apresentar como tal. A ideia do projeto desde o início foi apostar numa certa leveza e preservar ao máximo o espírito musical aventuresco característicos de Mr. Buckingham. Para evitar provocações desnecessárias, desistiram de batizar o disco Buckingham/McVie, e assim criaram um dos discos mais agradáveis lançados neste ano. Não é um disco fundamental. Mas é sob medida para agradar àqueles fãs menos tradicionalistas do Fleetwood Mac que vibram quando Mr. Buckingham cruza Brian Wilson com Nine Inch Nails, entre outras maluquices que ele adora fazer.




DREAM SYNDICATE
HOW DO I FIND MYSELF HERE?
(Anti-Epitaph)

Quando uma banda como o Dream Syndicate decide retornar à cena depois um longo afastamento, a primeira coisa que as pessoas imaginam é que as carreiras solo de seus integrantes não andam bem e eles devem estar com problemas em suas contas bancárias. Tudo bem: quase sempre isso corresponde à verdade. Mas mesmo assim, é muito comum, já nos primeiros ensaios de reencontro dos integrantes de banda, acontecer a redescoberta de velhas afinidades que, por algum motivo, nunca mais foram sentidas no convívio com outros músicos em suas carreiras solo. E então, acontece o inesperado: esse reencontro, que deveria ser ocasional, acaba apontando para o futuro, perdurando, e gerando novos discos e novas tournées. Pelo visto, isso acaba de acontecer com o Dream Syndicate, lendária banda do Paisley Underground, que marcou época em Los Angeles nos Anos 80, e agora acaba de lançar seu primeiro álbum de inéditas em 30 anos, How Do I Find Myself Here? O curioso deste retorno é que talvez este seja o melhor disco que a banda já gravou -- melhor inclusive que os discos clássicos mais emblemáticos da banda, como The Days Of Wine And Roses (1982) e The Medicine Show (1984). O som atmosférico angustiante que inspirou tantas outras bandas da época, como R.E.M. e Uncle Tupelo, permanece preservado, mas incorporando as experiências musicais -- acreditem, não foram poucas! -- que o guitarrista e cantor Steve Wynn andou desenvolvendo enquanto andou circulando pelo mundo afora. O baterista Dennis Duck e o baixista Mark Walton, ambos da formação original, estão de volta ao batente, e a banda conta ainda com o suporte luxuoso do guitarrista Jason Victor -- parceiro de Wynn em vários projetos solo -- e do tecladista Chris Cacavas -- ex-parceiro de Chris Phophet no grupo Green On Red. Os destaques não são poucos, mas podemos mencionar números poderosos como The Circle, Out of My Head, 80 West e Like Mary, que a banda esboçou 35 anos atrás e terminou. Sem contar Kendra's Dream, que traz de volta a cantora e primeira baixista da banda Kendra Smith numa participação afetiva mais que especial. Daí, quando alguns críticos afirmam que o Dream Syndicate é o equivalente losangeleño do Velvet Underground, acreditem: não há exagero algum nisso. Uma grande banda.




CHUCK PROPHET
BOBBY FULLER DIED FOR YOUR SINS
(Yep Roc)

Muita gente ainda associa o nome de Chuck Prophet ao grupo Green On Red, do qual ele fez parte entre 1979 e 1992. No entanto, a carreira solo dele já conta com nada menos que 12 LPs muito festejados pela crítica ao longo dos últimos 25 anos, e não são poucos os que fazem questão de afirmar com propriedade que Mr. Prophet é um compositor do mesmo quilate de Ray Davies, Alex Chilton e Dwight Twilley. Se mais novo trabalho, Bobby Fuller Died For Your Sins, é nada menos que estupendo. Combina o que Mr. Phophet tem de mais aventuresco -- seu lado storyteller, com influências de Bob Dylan e Ian Hunter -- com o que tem de mais apelativo -- seu dom para desenvolver melodias grudentas que desafiam gêneros musicais, mesclando rocks e blues com baladas country e números de soul music. Por conta dessa versatilidade como compositor, Mr. Phophet fixou base em Nashville alguns anos atrás, e passou a abastecer com canções muitos artistas da variada e rejuvenecida cena musical local. Com isso, sua carreira não só ganhou um novo fôlego como ainda ainda lhe garantiu um contrato bem sólido com a independente (mas forte) Yep Roc Records para sua carreira solo. Um dos temas mais presentes em Bobby Fuller Died For Your Sins é o estado de coisas atual do rock and roll, abordado com brilhantismo em Bad Year for Rock and Roll, We Got Up and Played e In the Mausoleum (esta última em homenagem ao velho parceiro Alan Veja, recentemente falecido). Mas há espaço também para, entre outras coisas, canções de amor fora do padrão clássico, como as delicadas e contundentes Your Skin e Coming Out in Code. Se você ainda não conhece a carreira solo de Mr. Prophet, ou perdeu o contato com ele depois do fim do Green On Red, Bobby Fuller Died For Your Sins é perfeito para redescobrir esse artista talentosíssimo que sempre esteve por aí, mas poucos prestavam a devida (e merecida) atenção.





CHICO MARQUES
é comentarista,
produtor musical
e radialista
há mais de 30 anos,
e edita a revista cultural
LEVA UM CASAQUINHO
e o blog musical
ALTO & CLARO 

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