Lucinda Williams não é -- na verdade, nunca foi -- uma artista fácil.
Talentosa e temperamental, ela sempre foi cobiçada pela Indústria Fonográfica por suas habilidades como compositora, mas sempre foi considerada problemática como artista solo por desafiar produtores e executivos constantemente em nome de um perfeccionismo que muitas vezes soava mais como um capricho pessoal do que propriamente como uma atitude artística fundamentada.
Nascida em 1953 em Lake Charles, Louisiana, ela é filha de Miller Williams, professor de literatura e poeta de prestígio, com vários livros publicados e passagens por Universidades em todos os cantos dos Estados Unidos, além de Santiago, Chile, e Cidade do México.
Lucinda herdou do pai a paixão por country music e blues, e também o espírito aventureiro e o diletantismo artístico que, de certa forma, colaboraram muito para que ela demorasse a achar um foco claro para seu trabalho como cantora e compositora.
Perambulou anos e anos entre New Orleans, Austin, Los Angeles e Nova York como artista folk e só foi conseguir uma chance para gravar um LP através do selo Folkways no final dos anos 1970.
Mesmo assim, o blend de blues, country e folk de seus trabalhos iniciais não serviu para abrir portas em nenhuma dessas cenas musicais bem distintas.
E então ela passou a ser vista como uma artista inclassificável pela Indústria Fonográfica, que, por sua vez, era assumidamente avessa a qualquer coisa que não soasse como “Thriller”, de Michael Jackson, naqueles famigerados primeiros anos da década de 80.
Mas Lucinda insistiu, e conseguiu lançar seu LP seguinte pelo selo inglês Rough Trade, que operava basicamente com bandas independentes, como The Smiths e outras.
Com isso, conseguiu chamar a atenção de quem estava atento às novas manifestações musicais vindas do outro lado do Atlântico.
E então, suas canções começaram a ser descobertas e gravadas por gente como Mary Chapin Carpenter, Linda Ronstadt e, claro, Emmylou Harris.
Tudo isso abriu finalmente as portas de um selo americano, Elektra Records, onde Lucinda gravou o excelente “Sweet Old World” (1993), novamente mesclando diversos gêneros musicais.
Mas, dessa vez, deu a sorte de emplacar um single nas paradas country: a irresistível “Passionate Kisses”.
Foi quando sua carreira finalmente começou a decolar.
Seu trabalho seguinte, “Car Wheels On A Gravel Road”, resultado de um parto complicadíssimo envolvendo confusões com vários produtores – entre eles, Rick Rubin e Roy Bittan – e duas gravadoras em litígio, acabou vendo a luz do dia pela Mercury Records, e finalmente trouxe o reconhecimento do grande público ao trabalho de Lucinda Williams – que passou a ser vista como um Townes Van Zant ou um Steve Earle de saias, ou coisa que o valha.
De lá para cá, a carreira de Lucinda Williams parou de apresentar problemas -- ao menos, por algum tempo.
Apesar de continuar insistindo em desafiar classificações, ela foi muito bem recebida no selo Lost Highway, especializado em artistas country desalinhados do mainstream de Nashville.
Passou a gravar discos de 2 em 2 anos, sempre alternando canções de amor e desespero com números de rock and roll fulminantes, abraçando diversos segmentos de público e tornando-se cada vez mais popular.
Pois agora chegou a hora dela declarar independência e montar seu próprio selo: Highway 20 Records.
“Down Where The Spirit Meets The Bone”, seu mais novo trabalho, é altamente desafiador, e retoma uma veia mais rústica que havia se perdido em discos anteriores, produzidos por craques como Don Was, sempre de olho no mercado.
Trata-se de um álbum duplo com 20 -- ótimas -- canções e 105 minutos de duração que funciona como uma viagem pelo universo temático de Lucinda Williams: as relações imperfeitas e o amor que se confunde com outros sentimentos e se perde.
Temos aqui menos melancolia e mais atitude que o habitual -- uma atitude bluesy, truculenta, bem crua, forjada em guitarras rasgadas, como o próprio título do disco sugere.
Pode-se dizer sem engano que o disco 1 é mais mundano, funcionando do umbigo para fora, enquanto o disco 2 lida com temas mais pessoais, do umbigo para dentro.
Ou seja: tem desde comentários sociais contundentes como "West Memphis" e "East Side Of Town" quanto canções de amor rasgadas como "Everything But The Truth" e "This Old Heartache" -- isso além de um poema de seu pai que ela decidiu musicar, entitulado "Compassion", a abre o disco.
Sua banda de apoio é, basicamente, The Imposters, cedida gentilemente pelo amigo Elvis Costello.
E as participações especiais de guitarristas de naturezas tão diferentes quanto Bill Frisell e Tony Joe White já deixam claro que "Down Where The Spirit Meets The Bone" trafega por diversas vertentes musicais -- nenhuma delas estranha a Lucinda Williams.
Se o disco tem algum defeito, é justamente ser longo demais, e menos conciso que outros grandes discos de Lucinda, como "Car Wheels In A Gravel Road" e Essence" -- mas antes pecar pelo exagero do que pelo racionamento de talento.
O importante é que Lucinda Williams não nega fogo em momento algum em "Down Where The Spirit Meets The Bone", e se afirma como uma artista inconformada com as regras do mercado musical respaldada por de um "cult following" grande o suficiente para aplaudir suas atitudes e dar sinal verde para que ela siga o rumo que achar melhor em sua carreira.
Pois foi isso que ela fez aqui.
"Down Where The Spirit Meets The Bone" não é só um triunfo artístico indiscutível.
É o álbum que a coloca definitivamente no mesmo patamar artístico de seus contemporâneos Bob Dylan, Neil Young, Joni Mitchell e John Hiatt.
Assim como Elvis Presley, Tony Joe White tem sangue cherokee e sempre foi inquieto por natureza.
Poderia ter-se contentado em ser um dos compositores mais disputados do eixo Nashville-Memphis dos anos 60, autor de "Willie and Laura Mae Jones" (gravada por Dusty Springfield), "Rainy Night In Georgia" (gravada por Brook Benton) e "Polk Salad Annie" (gravada por Elvis), entre muitas outras grandes canções.
Mas não.
Ele queria mais.
E aproveitou a onda de singer-songwriters que estava nascendo -- além de sua semelhança física e vocal com Elvis -- para lançar-se como artista solo.
Indicado pelo amigo Kris Kristofferson, conseguiu em 1969 um contrato para gravar dois discos para a Monument Records.
Em pouco tempo, seu registro de tenor e seu jeito de cantar intenso e acolhedor ao mesmo tempo revelou o que muita gente já sabia: sua voz era o veículo perfeito para suas canções.
O sucesso inicial na Monument o levou naturalmente a um contrato bastante vantajoso para 3 LPs com a Warner Bros, que o queria a qualquer custo no seu time de compositores.
Mas, estranhamente, seus discos na Warner, apesar de ótimos, não tiveram a mesma recepção de público, e então, em 1974, Tony Joe White estava sem gravadora, e com sua carreira completamente à deriva numa cena musical que já não queria mais saber de artistas com o perfil dele -- daí, o jeito foi seguir em frente trabalhando como compositor de aluguel em Nashville.
Só 15 anos mais tarde, em 1989, Tony Joe White ressurgiu -- graças à velha amiga Tina Turner, que o chamou para compor 4 canções e tocar guitarra em seu LP "Foreign Affair".
De 1990 para cá, Tony Joe White foi aos poucos reassumindo com todas as honras seu lugar de direito na cena do "swamp-boogie", uma modalidade musical que mescla blues com todo aquele molho musical da sua Louisiana natal.
Calejado, passou a medir melhor seus passos e a querer menos -- até porque descobriu a duras penas que, muitas vezes, menos é mais.
Vem gravando discos para selos independentes, ganhando prêmios com bastante frequência e fazendo tournées low-profile pela América, Europa e Japão.
"Hoodoo", seu mais recente trabalho, é o primeiro para o selo Yep Roc, e é o mais blueseiro de seus discos recentes.
O caso é que Tony Joe White sempre teve um respeito muito grande pelo grande bluesman Louisiana Red, falecido ano passado, e nunca teve chance de expressar isso tão plenamente como faz aqui.
Quem espera encontrar em "Hoodoo" baladas climáticas como as que Tony Joe compunha nos anos 70, vai perder a viagem.
O mesmo vale para quem cultuava seu vozeirão grave, que, com o passar dos anos, foi ficando cada vez mais áspero e perigoso.
"Hoodoo" é um LP que segue numa mesma toada da primeira á última faixa, e é "swamp-boogie" para ninguém boar defeito.
Tony Joe White vem acompanhado por quatro músicos encarregados de dar ritmo e cor às suas canções, e que seguem à risca a clássica orientação que John Lee Hooker sempre passava para suas bandas: nunca deixar a música deixar de ser pedestre e levantar vôo.
As canções de "Hoodoo" seguem num suingue quase monocórdico, mas extremamente envolvente, e funcionam como veículos para as histórias sobre a vida no Sul que Tony Joe White quer contar -- e conta como ninguém, aos 70 anos de idade.
Ao final das 9 faixas que compoem "Hoodoo", fica a sensação de que o tempo não passou. Ou passou rápido demais. Ou as duas coisas ao mesmo tempo.
E, acreditem: é uma sensação extremamente satisfatória.
Desde seu excelente disco de estréia, gravado na virada dos anos 60 para os 70 com o pessoal da Muscle Schoals Rhythm Section, sua voz estranhamente maleável e sua postura “laid-back” vem intrigando a Indústria Fonográfica, que sempre tentou, mas nunca conseguiu, rotulá-lo para o mercado, mesmo depois dele ter emplacado alguns singles muito bem sucedidos nas paradas.
Aliás, uma pequena correção. Tem alguém que canta parecido com Boz Scaggs, sim: o soulman de Memphis Al Green -- ou vice-versa, já que os dois são compenheiros de geração e surgiram na cena musical mais ou menos ao mesmo tempo, só que em lugares diferentes. Na medida em que Scaggs nunca se definiu claramente como um artista de rock, de pop ou de R&B, parecia uma boa idéia tomar emprestado um pouco daquela levada pedestre dos singles soul de Memphis produzidos por Willie Mitchell para Al Green em seus discos gravados na motorizada e frenética Los Angeles.
Em “Slow Dancer”, seu grande LP de 1974, produzido pelo craque Johnny Bristol, Scaggs chegou muito próximo de assumir em definitivo essa sua persona soul. Só não foi adiante porque David Foster o desviou dessa rota no disco seguinte, “Silk Degrees”, emplacando “Lowdown”, clássico absoluto da era disco, que catapultou Boz Scaggs ao estrelato do dia para a noite, depois de dez anos de trabalho árduo tentando sair da periferia do big business musical.
Apesar de nunca ter conseguido, nem de longe, igualar o sucesso de “Silk Degrees”, Boz Scaggs vem mantendo uma regularidade muito peculiar em seu trabalho nesses 35 anos, apostando suas fichas em discos com um sotaque R&B bastante acentuado, e sempre acompanhado de músicos de primeira em suas tournées.
Tudo bem que os tempos mudaram, e o gosto do público também mudou, mas seu estilo inconfudível e seu padrão de qualidade permaneceram intactos em discos excelentes como "Some Change" (1994) e "Come On Home" (1998).
E então, eis que aos 69 anos de idade, Boz Scaggs ressurge com esse inesperado “Memphis”, uma homenagem à cidade que ele tanto admira musicalmente.
Inesperado porque, apesar de trazer apenas duas canções inéditas de sua autoria para abrir e fechar essa coleção de clássicos – nada óbvios, diga-se de passagem -- da soul music, elas são as primeiras que ele grava desde “Dig”, de 2001. Inesperado também porque "Memphis” escancara algo que Scaggs sempre sugeriu: que gostaria de ter sido um artista de Hi Records. Não foi nada acidental a escolha do velho e lendário estúdio de Willie Mitchell, o Royal Recordings Studio, como base para as sessões de gravação de "Memphis". Era lá mesmo que ele "tinha" que ser gravado.
O produtor (e baterista) Steve Jordan fez de tudo para resgatar o clima das velhas gravações. Chamou o tecladista Spooner Oldham, o baixista Willie Weeks e o guitarrista Ray Parker Jr. para compor a banda e trabalhar os arranjos. Só faltou mesmo fazer uma sessão de mesa branca para invocar a presença da alma do velho e genial produtor no estúdio. O resto eles fizeram.
E os resultados são estupendos. Na segunda faixa, “So Good To Be Here”, de Al Green, Scaggs já está completamente em casa, soltando seu falsete inconfundível nos momentos chave da canção e dando um toque ainda mais suave à gravação original. O mesmo acontece em “Rainy Night In Geórgia”, de Tony Joe White, e em “Can I Change My Mind”, grande sucesso de Tyrone Davis, ambas impecáveis e precisas ao extremo.
Outro dado curioso em “Memphis” é a sutil homenagem prestada por Scaggs ao grande artista novaiorquino Willy DeVille, que brilhou na cena pós-punk americana no grupo Mink DeVille. Duas das canções de seu álbum de estréia, “Cabretta”, de 1979, estão aqui, em releituras um tanto quanto surpreendentes. “Mixed Up Shook Up Girl”, por exemplo, perdeu seu jeitão latin-soul e subiu aos céus graças a um coro negro delicadíssimo. Já “Cadillac Walk” ficou menos urgente e mais perigosa. Coisa de quem tem bagagem de sobra para usar como bem entender.
“Memphis” tem muito mais que isso para mostrar, mas eu paro por aqui e deixo o resto por conta de Boz Scaggs e sua banda magnífica, e por conta de vocês, claro!.
Acreditem, “Memphis” é um disco que tem aquele gostinho de chegar em casa depois de um bom tempo distante.
Não tem contra-indicações. É, provavelmente, o melhor disco de covers que vocês irão ouvir em 2013. Não é pouca coisa.
Quarenta anos atrás, esses três jovens "cosmic cowboys" da foto acima -- Jimmie Dale Gilmore, Joe Ely e Butch Hancock -- tentaram emplacar na conservadora Nashville um trio chamado The Flatlanders que tinha como proposta musical derrubar as cercas que separam as terras maltratadas do rock and roll dos pastos mais verdes da country music e do folk. Quebraram a cara, obviamente. Gravaram um LP que acabou lançado apenas no formato 8-track (fita em cartucho com 8 pistas) e que despontou a largos passos para o anonimato. E a banda se desintegrou naquele mesmo ano.
Basicamente ao mesmo tempo em que isso (não) acontecia, um excelente músico de estúdio da Philadelphia chamado David Bromberg, habituado a trabalhar com gente do gabarito de Bob Dylan e George Harrison, lançava seu primeiro LP solo repleto de belas canções e com um invejável elenco de amigos estrelares convidados. Mas, por uma série de questões logísticas muito mal administradas, infelizmente nenhuma dessas canções conseguiu acesso às emissoras de rádio na ocasião. Para piorar a situação, mais da metade do amigos estelares de Bromberg que participaram das sessões de gravação não tiveram autorização de suas gravadoras para que seus nomes constassem na ficha técnica do LP -- Dylan e Harrison, por exemplo, estão lá sob pseudônimos. Resultado: um grande sucesso de crítica, do qual o público jamais tomou o menor conhecimento.
Era um "tempo mágico" aqueles primeiros anos da década de 1970. Tony Joe White, um dos compositores mais bem sucedidos da época -- mestre absoluto do rhythm & blues pantaneiro do Estado da Louisiana, autor de clássicos como "Polk Salad Annie" e "Rainy Night In Georgia" -- viu sua carreira solo altamente promissora naufragar impiedosamente de uma hora para outra, e até hoje não entende como foi que isso aconteceu. Seus 3 LPs na Warner Bros Records estavam em perfeita sintonia com a época, eram ótimas coleções de canções e foram bem promovidos pela gravadora. Como explicar então que tenham tido uma vendagem tão inexpressiva? Bobagem querer entender. Até porque não faz o menor sentido.
Felizmente, aqueles tempos sombrios passaram.
Mas logo a seguir vieram os anos 1980, também conhecidos como a Idade Média da Música Pop.
Convenhamos: qualquer artista que tenha conseguido sobreviver a essas duas décadas, sobrevive a qualquer coisa.
Pois eis que, quarenta anos mais tarde, contrariando toda a lógica do mercado musical, quatro desses bravos azarões -- Jimmie Dale Gilmore, Joe Ely, David Bromberg e Tony Joe White -- continuam na área, firmes e fortes, todos na cena musical independente, com trabalhos altamente pessoais que não vendem muito mas garantem uma agenda lotada de shows para o ano todo nos quatro cantos do mundo.
Para juntar-se a eles, ALTOeCLARO convocou o ex-guitarrista dos Blasters Dave Alvin, um cowboy fora da lei da California que é da mesma linhagem deles, só que um pouco menos veterano -- tem apenas 35 anos de carreira.
Conheçam agora os novos discos que eles acabam de lançar no mercado:
JIMMIE DALE GILMORE HEIRLOOM MUSIC http://www.jimmiegilmore.com/ Quando Jimmie Dale Gilmore e seus amigos texanos Joe Ely e Butch Hancock foram tentar a sorte em Nashville com The Flatlanders, eles logo perceberam que eram a banda certa no lugar e no momento errados, e trataram de forjar carreiras solo o quanto antes. Ely & Hancock saíram na frente. Gilmore, justamente o melhor compositor deles três, desistiu: mudou para Denver e deixou de tocar profissionalmente. Só em meados dos anos 1980, com a cena de Austin pegando fogo, aceitando música dos mais diversos gêneros e se apresentando como um antídoto à caretice de Nashville, Jimmie Dale tomou coragem, soltou sua voz suave e gravou finalmente seu primeiro LP repleto de serenatas honky-tonk que, apesar de novas, tinham um jeito bem familiar, como se tivessem sido compostas 20 ou 30 anos anos. De lá para cá, tem gravado esporadicamente, solo ou com The Flatlanders, que voltaram a trabalhar juntos em meados dos anos 1990. Curiosamente, seus dois últimos LPs, “Come On Back” e “Heirloom Music”, não possuem canções de sua autoria: são investigações sobre canções que seu pai e seu avô gostavam. Nos dois, o amigo Joe Ely é sempre o produtor. E tanto um disco quanto outro funcionam como verdadeiros mapas arqueológicos musicais e afetivos da música do Estado da Estrela Solitária. Country Music da gema.
JOE ELY SATISFIED AT LAST http://www.ely.com/ A associação do cantor e guitarrista Joe Ely com seus parceiros Jimmie Dale Gilmore e Butch Hancock não vingou em sua primeira investida, em 1972, com The Flatlanders, mas está fadada a durar para o resto da vida. Quase todos os mais de 20 LPs de estúdio gravados por ele -- desde o primeiro, “Joe Ely”, de 1975, até esse novíssimo “Satisfied At Last” -- trazem canções suas mescladas com canções compostas por seus dois velhos parceiros. Ely sempre foi o mais ligeiro e o mais roqueiro dos três. Vive levando tombos, mas sempre cai de pé. Essa sua nova coleção de canções não traz grandes novidades. Nem pretende. Gravado em poucos dias com a nata dos músicos de Austin, “Satisfied At Last” é rock and roll pedestre no chão batido da terra vermelha do Texas, na mesma tradição de seus LPs mais conhecidos, como "Honky Tonk Masquerade" e "Musta Notta Gotta Lotta". Música texana de primeira grandeza, sem dúvida, que chega ao estúdio já devidamente batizada e testada na estrada. Joe Ely é um cara engraçado. Sempre que produz discos para amigos é muito meticuloso. Quando se autoproduz, ele é tão desencanado que até parece estar sendo displicente consigo mesmo. Mas não se engane: Joe Ely gosta do perigo. E isso tem de sobra nas dez faixas de "Satisfied At Last".
DAVE ALVIN ELEVEN ELEVEN http://www.davealvin.net/home.html Dave Alvin tem sido o grande embaixador do roots rock na Califórnia há 25 anos, desde que deixou o grupo The Blasters para explorar todas as variantes musicais da country music praticadas entre o Texas e as Carolinas -- passando pelo blues de Chicago e pelo legado de seu grande herói musical Bo Diddley. Dono de uma voz poderosa e de um ataque perigoso na guitarra, Dave tem na bagagem 10 LPs solo impecáveis – alguns acústicos, outros elétricos -- onde mostra, sempre de forma nada acadêmica, que a música popular do sul dos Estados Unidos é, no fundo, uma coisa só, mudam apenas os temperos e o jeito de tocar. Em “Eleven Eleven”, seu décimo primeiro trabalho, ele retoma a urgência de seus LPs clássicos com os Blasters em 11 números certeiros. Para isso, convoca o piano barrelhouse de seu velho parceiro dos Blasters, Gene Taylor, e ainda chama seu irmão Phil Alvin para um dueto muito divertido em “What's Up With Your Brother”. É música fora da lei de responsa, à moda de Johnny Cash e Waylon Jennings, só que muito mais selvagem. As canções foram compostas durante a tournée de seu disco anterior. Tudo foi gravado nas pausas de uma tournée, em várias sessões com vários músicos diferentes, e ainda assim é surpreendentemente uniforme. Canções magníficas como “Murieta´s Dead” e “Dirty Nightgown” mostram o quanto o talento de Dave Alvin como compositor permanece inabalado. “Eleven Eleven” abre com “Harlam County Line”, tema vibrante do seriado “Justified”, e encerra com um dueto bem camarada com seu amigo Chris Caffney, recém-falecido, em “Two Lucky Bums”. Só nos resta torcer para que este seja o disco que irá apresentar Dave Alvin a um público mais amplo.
TONY JOE WHITE THE SHINE http://www.tonyjoewhite.com/ Quem lembra dos primeiros (ótimos) LPs de Tony Joe White no início dos anos 1970, não consegue entender como sua carreira desandou a ponto dele achar melhor mudar para a França para aproveitar a popularidade que ainda lhe restava no Velho Continente. Com várias de suas canções sendo regravadas constantemente por artistas de diversos gêneros, é difícil entender como nenhuma gravadora americana demonstrou interesse em contratá-lo durante os anos 1980. Tony Joe White só foi resgatado no final da década, pela amiga Tina Turner, que encomendou quatro canções para seu LP “Foreign Affairs”, e ainda o chamou para participar das sessões de gravação. Foi a salvação da lavoura. De lá para cá, sua carreira aos poucos renasceu. Manteve seu selo Swamp Records, preservou sua independência artística e passou a desfilar seu vozeirão num blend de folk e blues da Louisiana muito peculiar numa seqüência de LPs surpreendentemente bons, ainda que low profile. “The Shine” é o mais recente. E também o melhor e mais atmosférico deles todos. Trabalho de mestre, tanto como compositor quanto como performer e band leader. Não vale a pena medir elogios para o trabalho de Tony Joe White.
DAVID BROMBERG USE ME http://www.davidbromberg.net/ Se tem um artista que é vítima de seu próprio ecletismo, esse cara é David Bromberg. Cantor e multi instrumentista onipresente nos discos de quase todo mundo que importava no final dos anos 1960 e início dos 1970, Bromberg nunca pretendeu definir um foco muito claro para seus muitos LPs solo, que mesclavam blues, rock and roll, country e folk music, sempre em partes iguais. Por conta disso, esses discos permaneciam inclassificáveis pela indústria, não tocavam em rádio alguma e terminavam perdidos na lojas. Viu sua carreira solo minguar na cena musical da Costa Oeste até praticamente desistir dela 20 anos atrás, quando passou a tocar violino e mandolin em Nashville para sobreviver. E então, cinco anos atrás, eis que ele reaparece de mansinho num selo independente com um disco todo acústico, quase caseiro, chamado “Try me One More Time”, e acaba chamando a atenção das pessoas certas. Para voltar agora em grande estilo com “Use Me”, produzido pelo amigo Levon Helm, onde recebe canções de presente e participações especiais de amigos ilustres como Keb Mo, Dr. John, John Hiatt, Tim O´Brien, Linda Ronstadt e dos grupos Los Lobos e Widespread Panic. “Use Me” é uma verdadeira festa. Bem produzido, bem cadenciado, e com uma dinâmica de produção que a maioria dos LPs solo de Bromberg jamais sonharam ter. Talvez por isso mesmo, seja a melhor maneira de apresentar às novas gerações os inúmeros talentos desse gênio musical um tanto quanto atrapalhado.
DISCOGRAFIAS
LPs JIMMIE DALE GILMORE Jimmie Dale & The Flatlanders (1972) Fair & Square (1988) Jimmie Dale Gilmore (1989) After Awhile (1991) Spinning Around The Sun (1993) Braver Newer World (1996) One Endless Night (2000) The Flatlanders Now Again (2002) The Flatlanders Wheels Of Fortune (2004) The Flatlanders Live '72 (2004) Come On Back (2005) The Flatlanders Hills & Valleys (2007) Heirloom Music (2011)
LPs JOE ELY Jimmie Dale & The Flatlanders (1972) Joe Ely (1977) Honky Tonk Masquerade (1978) Down On The Drag (1979) Live Shots (1980) Musta Notta Gotta Lotta (1981) Hi-Res (1984) Lord Of The Highway (1987) Dig All Night (1988) Live At Liberty Ranch (1989) Love & Danger (1992) Letter To Laredo (1995) Twistin' In The Wind (1998) Live @ Antone's (2000) The Flatlanders Now Again (2002) Streets Of Sin (2003) The Flatlanders Wheels Of Fortune (2004) The Flatlanders Live '72 (2004) Happy Songs From Rattlesnak Gutch (2007) Silver City (2007) The Flatlanders Hills & Valleys (2007) Live Cactus! (2008) Satisfied At Last (2011)
LPs DAVE ALVIN Every Night About This Time (1987) Blue Blvd (1991) Tennessee Border (with Sonny Burgess 1992) The Pleasure Barons Live In Vegas (1993) Museum Of Heart (1993) King Of California (1994) Interstate City (1996) Blackjack David (1998) Public Domain: Songs From The Wild Land (2000) Out In California (2002) Ashgrove (2004) West Of The West (2006) Live From Austin TX (2007) Dave Alvin & The Guilty Women (2009) Eleven Eleven (2011)
LPs TONY JOE WHITE Black & White (1969) ...Continued (1969) Tony Joe White (1971) The Train I'm On (1972) Homemade Ice Cream (1973) That On The Road Look Live (1973) Eyes (1976) Real Thang (1980) Dangerous (1983) Closer To The Truth (1991) The Path Of A Decent Groove (1993) Lake Placid Blues (1995) One Hot July (1998) The Beginning (2001) Snakey (2002) The Heroines (2004) Live From Austin TX (2006) Uncovered (2006) Take Home The Swamp (2007) Live In Amsterdam (2010) The Shine (2011)
LPs DAVID BROMBERG David Bromberg (1971) Demon In Disguise (1972) Wanted Dead Or Alive (1994) Midnight On The Water (1975) How Late Will You Play Till (1976) Hillbilly Jazz (1977) Reckless Abandon (1977) Bandit In A Bathing Suit (1978) My Own House (1978) You Should See The Rest Of The Band (1980) Long Way From Here (1987) Sideman Serenade (1990) The David Bromberg Quartet (2006) David Bromberg & Angel Band (2007) Try Me One More Time (2007) Use Me (2011)
PORTA RETRATO
“Foi muito natural a maneira como os Flatlanders se juntaram. Butch Hancock trabalhava como arquiteto e fotógrafo em San Francisco, mas queria de alguma maneira voltar para Austin. Joe Ely tinha passado alguns anos na Europa com um grupo de teatro, mas também estava saudoso do Texas. E lá estava eu, desocupado, sem banda e procurando por uma..." (Jimmie Dale Gilmore)
“Esse novo LP tem uma pegada bem mais roqueira que os anteriores. Consegui reunir vários guitarristas bem ferozes com quem trabalhei nos últimos anos, e eles acabaram dando o tom da brincadeira. No fundo, é apenas mais um lote de canções sobre idéias que tenho pensado ultimamente, lugares onde estive, coisas que vivi." (Joe Ely)
“A cena musical de Los Angeles não é mais o que era antes. Hoje em dia eu prefiro Austin. É muito mais agitada, plural, autêntica, vibrante. E o melhor de tudo: é muito menor, e muito mais concentrada." (Dave Alvin)
“Lightnin' Hopkins e John Lee Hooker são definitivamente meus grandes heróis musicais. Os dois são o ponto de partida para tudo o que desenvolvi até hoje como músico. Já como compositor, me sinto mais próximo de J J Cale e Waylon Jennings." (Tony Joe White)
“Esses puristas do blues e do bluegrass são, em sua maioria, nazistas disfarçados de amantes da música. Nunca tive a menor paciência com essa gente que tem a cara de pau de chegar e questionar o porquê de você usar um determinado acorde que não existia na versão original da música. Ô gente chata!" (David Bromberg)
“Nashville no início dos anos 70 era um lugar difícil de se trabalhar, tanto que eu fui embora para Denver por quase 10 anos, não aguentava aquilo. Mas nunca larguei a música. Só larguei o negócio da música por alguns anos." (Jimmie Dale Gilmore)
“Eu sempre fui fascinado pela fronteira com o México, com essa coisa de um país de Terceiro Mundo fazer esquina com um dos países mais ricos do mundo, e principalmente com a música que surge dessa justaposição, tanto de um lado da fronteira quanto do outro" (Joe Ely)
“Eu acho que sou basicamente um artista de blues. Tenho influências fortes de country e folk, e, apesar dos puristas do blues acharem que isso que estou dizendo é uma grande bobagem, o caso é que quando começo a tocar minha guitarra eu sinto que estou tocando basicamente blues." (Dave Alvin)
“É um grande prazer para mim saber que Rainy Night In Georgia já foi gravada por 140 artistas diferentes, e Polk Salad Annie por quase 80. Poder viver confortavelmente com o faturamento dessas canções é um prazer maior ainda." (Tony Joe White)
“Eu sempre achei que o ato de corrigir é o que muitas vezes mata a originalidade da música. A necessidade de enquadrar todas as manifestações musicais em contextos rígidos é muito cruel. Eu sou a favor da liberdade de expressão."(David Bromberg)