sexta-feira, fevereiro 24, 2006

Muito Cuidado Ao Falar Mal De Bono Vox (por Chico Marques para o Trupe Da Terra)


O caso a seguir aconteceu numa dessas noites quentes de fevereiro, numa mesa de bar. Estava eu com alguns amigos jornalistas bebendo e conversando sobre vários assuntos. Não havia nenhuma mulher na mesa. De repente um deles mencionou que havia comprado de presente para a namorada o último DVD do U2, “Vertigo Live In Chicago”. Perguntou o que achávamos da banda.

Pronto: a saia justa foi imediata.

Quem é casado, ou tem namorada, ou simplesmente convive com mulheres, sabe há muito tempo que fazer qualquer comentário jocoso ou maldoso sobre Bono Vox e o U2 equivale a correr o risco de virar alvo de represálias terríveis, como greve de sexo, envenenamento alimentar, espancamento no meio da madrugada e outras perversidades tipicamente femininas.

Mas então, de repente, veio o alívio. Estávamos apenas entre homens naquela mesa. Podíamos dizer o que quiséssemos sem sermos alvo de qualquer represália. Qualquer discussão decorrente do tema seguiria dentro das normas democráticas vigentes na mesa, e a conversa jamais seria encerrada abruptamente com uma expressão de mágoa de uma das partes.

Então, cada um deu a sua opinião. Um disse que odiava o U2, por vários motivos. Outro adorava, por outros vários motivos. Eu fiquei entre um e outro, mas sem ser vaselina. Tinha argumentos bem mais consistentes que eles.

Eu gosto do U2. Comprei o primeiro disco da banda, “Boy”, quando saiu, em 1980. Lembro de ter ficado muito impressionado com a massa sonora que a banda conseguia produzir com apenas 3 instrumentistas. O cantor, Bono, parecia uma espécie de versão irlandesa do Joe Strummer. O baixista e o baterista eram muito bons. Mas o grande destaque era para a guitarra de The Edge, um músico absolutamente original, uma espécie de Jimmy Page minimalista.

O disco veio a reboque de uma campanha publicitária genial que Chris Blackwell, da Island Records, publicou no Melody Maker e no New Musical Express para promover o lançamento. Apresentava o U2 como “a melhor coisa vinda da Irlanda desde W.B.Yeats, James Joyce e a Cerveja Guiness”.

Os ingleses, claro, esnobaram a banda, o que não foi nenhuma surpresa, já que raramente artistas irlandeses são aceitos logo de cara na boa e velha Inglaterra. Os americanos, no entanto, ficaram encantados e adotaram o U2 de imediato, depois de uma rápida tournée americana com os Pretenders. Com isso eles acabaram repetindo a proeza clássica do Led Zeppelin no início dos anos 70, que explodiu na América antes de ganhar o público britânico.

Por conta dessa aceitação americana, o U2 seguiu a fórmula vitoriosa de “Boy” nos discos seguintes, carregando na politização e nas mensagens libertárias das letras. Tem gente que gosta desses dois discos, “October” e “War”, ambos produzidos por Steve Lillywhite. Eu confesso que não senti a menor empatia por eles na época, e continuo não sentindo até hoje. É um sub-Clash, sem humor e sem anarquia. Tudo muito pesado, monocórdico e chato.

Até por isso, não pude deixar de ficar impressionado com o que veio a seguir. Em “The Unforgettable Fire”, o U2 se deixa levar pela orientação da dupla de produtores Brian Eno e Daniel Lanois, e todo aquele som e toda aquela fúria deixam de ser simplesmente uma parede sonora para virar algo orgânico e muito intenso em termos musicais. Veio seguido de “The Joshua Tree”, dando seqüência ao mesmo conceito musical. Depois disso, “Rattle & Hum”, um disco bastante duvidoso, que mostrava a banda numa encruzilhada.

E enfim chegamos ao primeiro momento de maturidade da banda, “Actung Baby”, o disco definitivo do U2. O primeiro em que eles se assumem como uma banda européia composta por cidadãos do mundo. O primeiro em que eles não embarcam nas lamúrias da Irlanda e olham para o mundo com olhos cosmopolitas. A partir de ”Actung Baby”, David Bowie e Wim Wenders passam a ser modelos a ser seguidos, e a banda dá um grande salto qualitativo.

Felizmente, esse disco não foi um fenômeno isolado na carreira do U2. Veio seguido de mais dois trabalhos intensos, climáticos e ousados: “Zooropa” e “Pop”. Que não foram exatamente bem compreendidos, tanto pela crítica quanto pelos fãs mais tradicionais da banda.

Depois deles, o U2 entrou em um período de baixa criativa. Confesso que não vi nada tão marcante e tão intenso nos dois últimos discos da banda, “All That You Can´t Leave Behind” e “ How To Dismantle An Atomic Bomb”. No entanto, não consegui desgostar de nenhum dos dois. São discos honestos, maduros e muito dignos. Só não são superlativos.
Mas, isso é o U2 em estúdio. A pergunta é: o que dizer do U2 ao vivo?

Bom, eu sempre achei o U2 ao vivo muito chato, o oposto do que costuma ser nos discos. O cantor Bono Vox parece ter prazer em cometer todos os excessos possíveis e imagináveis nos shows da banda. Até a tournée ‘Rattle & Hum”, ele tinha o hábito de brindar o público com discursos libertários intermináveis entre uma musica e outra – alguns deles constrangedores.

Imagino que alguém próximo à banda tenha tomado coragem e dito que aquilo era irritante, e daí eles trocaram aquele messianismo verbal por esse messianismo audiovisual que vigora até hoje, sempre em prol de alguma(s) causa(s) humanitária(s).

Eu assisti ao show de São Paulo no telão de TV do Bar Heinz, aqui em Santos. Devidamente acompanhado por chopp gelado e canapés de roastbeef, eu confesso que até deu para encarar. Mas eu tenho certeza que, se eu estivesse lá no Morumbi, no meio da multidão, sendo compelido a gastar a bateria do meu celular bestamente, iria ficar bastante incomodado, tanto com a tentativa de me manipular quanto com o uso que eles fazem daquela parafernália audiovisual politicamente correta deles.

Eu odeio ser orientado por mensagens audiovisuais. Acho um insulto à minha inteligência. Imagino que boa parte do público que estava lá no Morumbi também se irrite com isso, caso contrário não teriam vaiado a imagem do Presidente Lula utilizada pela banda em uma de suas pregações humanitárias.

Será possível que os rapazes do U2 não tem mais nenhum amigo que chegue para eles e diga: “Gente, isso aqui está um pouco demais, vocês não acham?”

Está certo o Ivan Lessa quando diz que Bono Vox parece ter saído da prancheta do Stan Lee, da Marvel Comics. Segundo Ivan, ele seria uma espécie de X-Man humanitário, que usa um par de óculos ridículo para proteger as pessoas das emissões mortais que brotam de seus olhos. Seu ímpeto humanitário seria decorrente da culpa que sente por matar sem querer tudo o que está à sua volta sempre que está sem os óculos protetores. Ivan Lessa odeia Bono Vox.

Eu não. Mas torço sinceramente que, ao final de “Vertigo”, o U2 deixe de lado essas bobagens cênicas e faça de suas próximas tournées recitais vigorosos, sem essa tranqueira audiovisual, só com o excelente repertório que a banda tem.

O U2 está comemorando 30 anos de carreira este ano. Já tem duas gerações de fãs. Não precisa ficar prisioneiro desses expedientes pegajosos e duvidosos. A receita da longevidade do sucesso da banda é bem mais simples. Basta achar um jeito de manter o sex-appeal ativo e continuar compondo belas canções de amor para que o público feminino nunca os abandone.

E quanto ao público masculino? Bem, o público masculino vai continuar como sempre na maior saia justa antes de começar a falar mal do U2 perto das mulheres. Para não ser penalizado com greves de sexo, envenenamentos alimentares e espancamentos noturnos. É simples assim.

3 comentários:

Zé Augusto Aguiar disse...

adoro o bono e o u2, especialmente o som único do the edge e fui ao show no morumbi. sim, o telão da banda é incrível mas realmente "quebra" um pouco o show pq é muito usado. por isso o show do pearl jam foi muito mais emocionante. eddie é muito mais natural, se comunicou melhor com o público, mostrou mais alegria em estar ali. e o público cantou muito mais as canções, talvez pq os fãs ali eram mais genuínos, não influenciados pelo excessivo marketing do u2.
bom, belo texto, bem equilibrado, só não concordo com os elogios ao zooropa e pop, duas belas merdas para mim e com frescuras demais.
espero que bono um dia volte à simplicidade e garra mais natural, dos tempos em que era cabeludo e esclava torres feito um louco enquanto bradava sunday bloody sunday. braço e bacana o blog, zé augusto
ps-permita os comentários anônimos, pq senão poucos vão comentar pois não tem senha no blogger

Adalberto disse...

É difícil para qualquer artista manter a mesma qualidade em todos os discos e shows, pois experimentar também faz parte da criatividade do artista. E ser unanimidade é impossível, mas a excessão de algumas músicas de POP e ZOOROPA, que são extremamente comerciais por exigências da gravadora e de patrocinadores, o U@ consegue manter a qualidade acima da média.

Adalbero disse...

É difícil para qualquer artista manter a mesma qualidade em todos os discos e shows, pois experimentar também faz parte da criatividade do artista. E ser unanimidade é impossível, mas a excessão de algumas músicas de POP e ZOOROPA, que são extremamente comerciais por exigências da gravadora e de patrocinadores, o U2 consegue manter a qualidade acima da média.