quinta-feira, junho 15, 2006

Bob Dylan volta com novo disco, "Modern Times", em Agosto (por Chico Marques para o Trupe da Terra)


Não existe – e nunca existiu, e talvez nunca mais venha a existir – nada na música popular americana que se compare a Bob Dylan. Em grandeza poética, existencial, musical…não adianta, qualquer comparação com qualquer outro artista se revela inútil nesse caso.

Nasceu em Hibbing, Minnessota, em 24 de Maio de 1941, há 65 anos. Desde criança já era bem diferente de seus colegas de escola. Na adolescência, gostava de motos, Marlon Brando, literatura, rock and roll, e virava as madrugadas cometendo um pecado mortal para um judeu caipira americano: ouvindo estações de rádio negras de Chicago especializadas em blues, cujas ondas alcançavam a distante região de Minnessota graças ao fabuloso espelho d’água dos Grandes Lagos do Meio-Oeste americano.

Não demorou muito até ele perceber que Hibbing não era grande o suficiente para ele, e zarpou para Nova York, onde começou a cantar em bares no Greenwich Village ao lado de alguns grandes heróis musicais seus – mestres do blues como Lonnie Johnson, Sonny Terry, Little Junior Parker e Jimmy Reed, e do folk moderno como Fred Neil e Dave Van Ronk.

Enquanto seus dotes como músico floresciam, sua poesia ganhava força, e esses dois fatores unidos acabaram chamando a atenção de John Hammond, o grande descobridor de talentos da Columbia Records, que não sossegou enquanto não arrumou um contrato para ele gravar um disco.

Seu primeiro disco, de 1961, apresentava canções de vários artistas, principalmente de Woody Guthrie, com certeza a influência mais forte naquele momento de sua carreira, e foi um sucesso estrondoso nos círculos folk. De um momento para outro, Dylan virou uma estrela no gênero, Isso aconteceu de forma mais intensa logo após o lançamento de seu segundo disco, “The Freewheelin’ Bob Dylan”, só com canções próprias, e ficou mais forte ainda após o lançamento do terceiro, “The Times They-re A-Changin’”.

Por volta de 1964, não havia na América um cantor folk mais sintonizado com sua época e com uma poesia tão forte e imagética quanto ele. Daí em diante, sua fama passou a seguir bem além dos círculos folk. Aos poucos os limites estreitíssimos desse gênero começaram a virar uma prisão.

Foi quando que Bob Dylan ensaiou a grande virada musical na sua carreira – a mais contundente de toda a a história da música popular americana. É um pouco difícil para as novas gerações entender a importância desse ato naquele momento histórico, mas Dylan resolveu que estava na hora de deixar o violão e os palcos do Village de lado, e pegar uma guitarra elétrica para se comunicar com o público do rock and roll, que crescia absurdamente na América por conta da explosão da contracultura em meados dos anos 60.

Ao contrário das platéias folk, que abominavam o rock and roll, Dylan adorava – cresceu ouvindo Elvis, Chuck Berry e Little Richard. E, à revelia das expectativas das platéias folk, resolveu de uma hora para outra virar um artista de rock and roll.

A reação dos velhos fãs foi extremamente truculenta. Dylan entrou empunhando uma guitarra Fender e acompanhado pela Paul Butterfield Blues Band no Newport Folk Music Festival, em 65, e levou as primeiras grandes vaias da sua vida. Vaias intermináveis, seguidas de uma debandada geral na platéia, inconformada com a transformação radical de seu grande herói.

Mas, na medida em que as platéias folk o abandonavam, as platéias roqueiras ganhavam o porta-voz dos anseios de toda uma geração e de toda uma época. Ele rapidamente se transformou no artista de rock and roll número um da América, com discos magníficos como “Bringin’ It All Back Home”, “Highway 61 Revisited” e principalmente “Blonde On Blonde”, que traziam canções poderosíssimas como “Subterran Homesick Blues”, “Like A Rolling Stone”, “Rainy Day Women” e “Just Like A Woman”.De repente, Dylan some da cena novamente. Motivo: um acidente de motocicleta, bastante grave. Sua recuperação foi muito lenta. Por conta disso, ele seguiu para a cidade de Woodstock, no estado de Nova York, alugando uma casa cor de rosa com um porão enorme onde montou um estúdio de gravação. Que acabou virando um hotel para músicos amigos que passavam os dias tocando com ele.

Como o engenheiro de som e produtor Rob Fraboni havia se mudado para lá, e gravava tudo o que rolava, o resultado dessas sessões foi selecionado e enviado à Columbia Records, que recusou os tapes alegando que eles eram pouco comerciáveis e rústicos demais.

Curiosamente, essas gravações vieram à tona no início dos anos 70 em discos piratas disputadíssimos, que venderam um milhão de cópias, o que deve ter matado os executivos da Columbia de ódio. Dylan não se importou com isso. Achou ótimo. Até porquê daí em diante a Columbia nunca mais iria recusar nenhum disco dele, fosse o que fosse.

Depois desse período de reclusão, gravou uma sequência genial de LPs -- “John Wesley Harding”, “Nashville Skyline” e “New Morning --, onde flerta abertamente com a country music, e, de quebra, com várias outras modalidades musicais americanas tradicionais. E então fez questão de embarcar num projeto do cineasta Sam Peckinpah, o filme “Pat Garrett & Billy The Kid”, onde estreou como ator e como compositor de trilhas sonoras.

Por volta de 1973, ele, que não fazia uma tournée há cinco anos, caiu na estrada novamente. E o melhor de tudo: conseguiu convencer seus velhos companheiros das sessões de gravação na casa cor de rosa em Woodstock a ser novamente sua banda de apoio numa longa tournée. Detalhe: esses velhos companheiros, ilustres desconhecidos em 1968, eram agora The Band, a banda mais prestigiada da América, e eles toparam a brincadeira.

Primeiro gravaram um disco belíssimo de estúdio juntos – “Planet Waves”—e depois brilharam nos palcos da América – e essa tournée vitoriosa está registrada no magnífico album ao vivo “Before The Flood”. Com isso, Dylan fez mais uma grande reentrada na cena musical americana. Gravou discos belíssimos como “Blood On The Tracks”, “Desire” e “Street Legal”, e passou a engatar uma tournée na outra, levando uma vida nômade.

Essas tournées eram louquíssimas. A “Rolling Thunder Revue”, por exemplo, correu a América toda em 1976 com um elenco de grandes estrelas passando só por cidades pequenas, com shows mambembes montados em cinemas e praças públicas.

Já na tournée seguinte, Dylan veio acompanhado por uma pequena orquestra de soul music, para trazer aos palcos o clima carregado do belíssimo disco "Street Legal".

E depois disso teve ainda o flerte de Dylan ao cristianismo, que deixou a comunidade judaica americana perplexa por dois anos e 3 discos de temática gospel, decorrente de um perído extremamente sombrio em sua vida pessoal.

O mundo inteiro aplaudiu o retorno de Dylan ao ceticismo judaísmo habitual em discos brilhantes como “Infidels”, Ëmpire Burlesque” e “Oh Mercy”, e novas tournées acompanhado pelo Grateful Dead e por Tom Petty & The Heartbreakers.

Dez anos atrás, Dylan teve uma doença no coração que quase o matou. Do balanço dessa experiência, ele produziu o disco mais sombrio e mais denso de sua carreira. “Time Out Of Mind” é uma descida ao inferno com passagem de volta, onde o personagem principal se vê diante de toda a fragilidade e de todas as contradições da condição humana. Uma pequena obra prima, com a produção climática e a "musicalidade orgânica" de Daniel Lanois.

Cinco anos atrás, Dylan voltou à cena fonográfica em grande estilo com um disco leve e de altíssimo astral, na contramão de "Time Out Of Mind": “Love And Theft”, repleto de canções delicadas e assoviáveis, pequenos clássicos instantâneos de um artista magistral que vive se perdendo por aí, mas sempre consegue voltar para casa renovado. Quem leu "Chronicles", seu primeiro livro de memórias, lançado ano passado, sabe do que estou falando.

E agora, depois de brilhar à frente de "Theme Time Radio Hour", um programa de rádio absolutamente eclético que estreou dia 3 de maio na rádio por satélite "XM", Dylan anuncia que tem um novo disco pronto para lançamento mundial no próximo dia 28 de Agosto. O nome do disco é "Modern Times", e pouco se sabe sobre ele, a não ser que traz 10 novas canções gravadas de forma bem despojada com sua banda habitual em algum estúdio em algum lugar misterioso no início deste ano, em pleno inverno.

Enquanto isso, ele segue em frente com sua “The Never Ending Tour”, em cartaz há dez anos pelo mundo todo, sempre alternando apresentações em casas de porte médio em grandes cidades com apresentações em clubes no interior, como já havia feito na lendária "Rolling Thunder Revue", em 1976. No melhor estilo cigano. No melhor momento de sua longa carreira. Aos 65 anos de idade.

Isso é Bob Dylan. Dele, esperem sempre o inesperado.

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