sexta-feira, junho 02, 2006

A Rolling Stone Brasileira Chega Arrebentando (por Chico Marques)



















Tem gente que adora falar mal de argentinos.

Não é o meu caso. Sempre achei a Argentina um país interessantíssimo.

Tirando algumas barbeiragens políticas, não há nada de errado no jeito de ser do povo de lá. Prezo muito por meus amigos e conhecidos portenhos, e nunca misturei futebol com relações internacionais - por mais que isto esteja em voga de uns tempos para cá no Palácio do Planalto.

Mas confesso que nunca aceitei na boa o fato de existir uma edição argentina, ao lado, da revista Rolling Stone há mais de 10 anos, operando no verde e circulado por toda a América de língua hispânica (México inclusive), e nós aqui termos que nos contentar com a saudosa lembrança de uma edição brasileira - genial, com grandes colaboradores, mas totalmente perdulária e comercialmente suicida - que apareceu em 1972 e mal conseguiu sobreviver a 1973.

Por que nossos hermanos podem ter a Rolling Stone e nós não?

A resposta é muito simples: a edição argentina da Rolling Stone cobre a cena musical de todos esses países de língua hispânica do nosso continente, que, por mais insipientes que possam ser em termos econômicos, cultivam uma produção cultural popular no mínimo interessante - à qual a Rolling Stone argentina nunca fecha os olhos, ou as portas. Com isso, consegue manter-se fiel à proposta inicial da edição-mãe americana: ser uma revista de variedades que fala prioritariamente - e livremente - sobre música, e que conta com anunciantes de diversos segmentos, e ao contrário de outras publicações sobre música, não depende dos anúncios e do jabá da indústria fonográfica.

No Brasil, como todos sabemos, a nossa indústria cultural sempre fechou os olhos para o que acontece nos países vizinhos. Artista argentino aqui, só conhecemos Fito Paez e os Fabulosos Cadillacs, e isso graças ao lobby que Herbert Vianna e os Paralamas sempre fizeram dos talentos de nossos vizinhos. Se fossem depender do suporte promocional das multinacionais do disco instaladas aqui, estariam perdidos - não haveria artista argentino algum nas lojas de discos brasileiras.

E isso só tende a piorar. Ainda mais agora, com as nossas "majors' da indústria fonográfica combalidas financeiramente.

Daí, não deixa de ser no mínimo curioso o fato de que, justamente nesse momento incerto, surja finalmente nas bancas a tão aguardada edição brasileira, ao lado, da Rolling Stone. Com um suporte promocional fortíssimo, um time de jornalistas tarimbados, e um editor empenhado (Ricardo F. Cruz) em fazer a diferença no mercado editorial brasileiro.

Veja só o que ele diz no editorial do primeiro número, com a mesma petulância que sempre foi a marca registrada do editor da edição-mãe, Jann Wenner:

"Não se engane, aqui ninguém tem crachá de otário: sabemos que a história da nossa Rolling Stone começou a ser escrita agora, e não há 40 anos (em 1967, quando a edição americana foi lançada). Nossa missão, nesse primeiro momento, é ser uma revista relevante - isso, claro, até o dia, não muito distante, garanto, em que passarmos a ser referência".

Acreditem, ele está falando sério.

No primeiro número, essa relevância saltou aos olhos, a começar pelo material traduzido para o português. Bob Dylan foi o destaque principal, numa entrevista reveladora. Jack NIcholson ganhou destaque secundário, numa outra entrevista. O xamã Daniel Princhbeck, que prega o Santo Daime em Nova York, virou alvo de um perfil-entrevista muito interessante. E, de quebra, tivemos ainda uma reportagem sobre o que os pracinhas americanos estão ouvindo em seus iPods nas trincheiras do Iraque. Isso além de Gisele Bundchen, musa absoluta da edição americana, que a elegeu a namoradinha do mundo, abençoando a edição brasileira da revista com um ensaio fotográfico (com direito a capa) exclusivo e uma "inside story" sobre o making of do ensaio.

O segundo número trouxe uma matéria de capa engraçadíssima com Iggy Pop, e o terceiro nos presenteou com perfis extremamente reveladores de Ivete Sangalo e de James Brown, que ainda estava vivo quando a matéria foi publicada - que, diga-se de passagem, acabou virando um furo jornalístico involuntário, já que nenhuma outra publicação musical quis abrir espaço para a tournée de retorno do lendário soulman. E vem aí o número 4, com uma entrevista reveladora com Rodrigo Santoro revelando como é difícil conjugar carreiras como ator aqui e lá fora.

É inegável que a Rolling Stone chegou forte ao Brasil, dando uma aula de altivez, criatividade, independência e qualidade jornalística.

Seja bem-vinda ao Brasil de 2007.

(publicado na Trupe da Terra, Santos SP, em Janeiro de 2007)

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