sexta-feira, março 06, 2015

JOE ELY RESGATA SUA ALMA DE DELINQUENTE MUSICAL JUVENIL EM DEMOS DE 30 ANOS ATRÁS


Quando Joe Ely surgiu nos anos 1970 no grupo texano The Flatlanders, ao lado dos amigos Jimmie Dale Gilmore e Butch Hancock, ninguém poderia suspeitar que ele pudesse ser tão inquieto em termos musicais.

The Flatlanders era uma combinação aparentemente impossível de talentos, reunindo três compositores de naturezas muito distintas, mais ou menos como o Crosby Stills and Nash, e teve vida curta: em menos de dois anos de carreira, seus integrantes zarparam para carreiras solo.

Joe Ely foi o que demorou mais tempo para emplacar seu primeiro disco -- mas quando conseguiu, foi como um daqueles tornados que assolam o Texas de tempos em tempos, mesclando country music da fronteira com rock and roll rasgado e explosivo.

Seu segundo disco, "Honky Tonk Masquerade" (1978), até hoje tido como uma obra-prima do country rock texano, é tão vigoroso e tão truculento que rendeu a ele um convite do Clash para abrir a tournée americana de "London Calling" e a descoberta de que ele e Joe Strummer eram almas gêmeas.


A partir daí, Joe Ely aproveitou a deixa e passou a se posicionar artisticamente não mais como uma artista de country-rock texano, mas como um roqueiro pós-punk, aberto a todo tipo de experiências musicais sem a menor preocupação com rótulos classificatórios.

O auge desse momento foi justamente no ano de 1984, quando Joe montou uma banda nova e começou a trabalhar com sintetizadores, buscando uma sonoridade situada mais ou menos entre "Trans", de Neil Young, e os discos de Gary Numan.


Essa aventura musical deu no disco "Hi Res", co-produzido por Joe Strummer, que, de tão estranho, nem chegou a ser lançado nos EUA, e foi um fiasco tanto de crítica quanto de vendas.

Depois disso, Ely voltou para os EUA com o rabo entre as pernas e fez de conta que esse disco nunca existiu, dando sequência a sua carreira e canalizando seu lado "delinquente musical" para outros fronts artísticos.

Pois bem: agora, no final de 2014, Joe Ely decidiu resgatar os demos que antecederam aquele disco fatídico, ainda sem banda.

E o que surgiu dessa resgate é quase uma revelação.


"B4 84" (um lançamento Rack'em Records) foi inteiramente gravado num computador Apple IIe, com recursos extremamente ousados na época, mas seguindo a cartilha DIY (Do It Yourself) da Era Punk. 

E não só recupera algumas grandes canções que acabaram atoladas em arranjos duvidosos como também proporciona aos ouvintes com alma geek uma certa nostalgia tecnológica de 30 anos atrás. 

A começar pela arte e encarte de capa com um grafismo realizado em 8-bits -- hoje paupérrimo em termos visuais -- e pelas notas de contracapa do próprio Steve Wozniak, da Apple Computer, que dão o tom deste resgate, muito mais emocional do que meramente musical.

Segundo Ely, o Apple IIe foi o primeiro computador que ele usou para gravar canções, e foi como retornar ao jardim de infância do métier. 

Naquele brinquedinho, ele tratou de se reinventar como compositor e músico. 

Tudo era novidade e tudo parecia possível, e ele mergulhou de cabeça no que ele podia proporcionar.


Ouvindo essas demos hoje, fica a sensação de que elas são  muito superiores ao resultado final dessas mesmas canções em "Hi Res".

Quase todas elas soam ainda modernas ouvidas 30 anos depois de terem sido gravadas, enquanto tudo em "Hi Res" soa irremediavelmente datado.

“Imagine Houston”, por exemplo, usa bateria eletrônica e sons sintetizados, e consegue ser mais vigorosa que todas as outras versões já gravadas dele -- inclusive por Joe Ely em seus vários álbuns ao vivo com sua banda.

"Cool Rockin' Loretta", outro número que nunca pode faltar em seus shows, também está perfeita aqui, com um arranjo simples mas apimentado e bem humorado, como pede a letra.

Várias passagens de "B4 84" lembram coisas que ouvimos hoje nos discos do Daft Punk e classificamos apressadamente como "novidades".


Enfim, não deixa de ser curioso que Joe Ely tenha conseguido achar sua essência musical num brinquedinho eletrônico, mas acreditem: é exatamente isso que acontece aqui.

Joe Ely pode até parecer hoje um senhor pacato de 68 anos de idade, cantor e compositor consagrado e estabilizado em sua carreira musical.

Mas não se engane: dentro desse senhor mora um delinquente musical juvenil perigosíssimo, e sempre muito divertido.

Não é à toa que o Texas é o Estado mais desalinhado da Federação.

Com cidadãos como Joe Ely circulando livremente por lá, estranho seria se não o fosse. 





AMOSTRAS GRÁTIS

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