sexta-feira, novembro 29, 2013

ERIC BIBB, COREY HARRIS E DAVID BROMBERG: UMA TRINCA DE ICONOCLASTAS DO BLUES


Blues é uma modalidade musical muito misteriosa.

Criado por músicos sem educação musical formal, que improvisavam harmonias seguindo critérios sempre muito pessoais, o blues serviu como sêmen para diversas formas musicais extremamente bem resolvidas -- como o jazz, o gospel e o rock and roll.

Mas, como frequentemente foi vítima de diluidores implacáveis, sempre teve que lutar por uma definição muito clara para manter-se vivo como uma forma musical autônoma.

Na contramão dos diluidores, temos os revisionistas, que cultivam as tradições do blues.

Mas, curiosamente, sempre que um revisionista vira investigador e começa a mergulhar muito fundo na obra de algum bluesman clássico, acaba descobrindo novas saídas musicais que acabam inviabilizando qualquer tentativa de manter o foco artístico unicamente no passado.

No final das contas, essas contradições revelam que é muito mais fácil encontrar uma postura musical ortodoxa em músicos de blues-rock, que investigam pouco as raízes do gênero, do que em pesquisadores que investigam o passado do blues.

Os 3 artistas que apresentaremos a seguir são iconoclastas admiráveis, que não cansam de pesquisar as riquíssimas origens do blues, que são inventivos ao extremo, e que se reinventam disco após disco.

Se o blues consegue ainda hoje manter-se vivo como uma forma musical original e voltada para o futuro, é graças a artistas como eles.  

ERIC BIBB
JERICHO ROAD 
(Stony Plain)

Quando surgiu com seus primeiros discos no início dos anos 1980, Eric Bibb foi rapidamente aclamado como uma espécie de príncipe herdeiro do folk-blues e anunciado mundo afora como a grande esperança branca para a renovação do gênero numa cena onde havia cada vez menos espaço para ele. As razões disso não eram poucas. Eric vem de uma família musical até demais. Seu pai é o grande cantor e guitarrista Leon Bibb. Seu tio, o notável pianista John Lewis, do Modern Jazz Quartet. E seu padrinho musical, nada menos que o lendário cantor negro da Broadway, Paul Robeson, Depois de se escolar musicalmente na casa de seu pai, por onde circulavam os músicos mais influentes da cena novaiorquina, Eric seguiu para Paris, onde estudou música e permaneceu mais de 15 anos trabalhando como músico profissional. Voltou para a América só quando sentiu que havia finalmente mercado para seu trabalho. De lá para cá, já gravou mais de 20 discos – alguns na tradição do folk-blues, outros musicalmente mais variados e com instrumentação eletrificada. Nesse mais recente, "Jericho Road, ele resgata sua velha parceria com o multi-instrumentista Glen Scott e mergulha no gospel com uma atitude exploratória e conceitual ao mesmo tempo, visando encontrar todas as matizes musicais que o blues é capaz de suportar. Não é um trabalho revisionista. Muito pelo contrário, é absolutamente moderno e pluralista, abrindo janelas musicais para a Africa e para o Oriente que com certeza vão assustar os blueseiros mais ortodoxos. "Jericho Road" é, com certeza, o trabalho mais aventuresco de Eric Bibb até o presente momento. Mais um belíssimo disco no curriculum desse "bluesman sem fronteiras".

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COREY HARRIS
FULTON BLUES 
(CD Baby-Njumba)

Por vários anos, Corey Harris se especializou em aproximar o blues rural dos ritmos caribenhos e do reggae, surgindo na cena blueseira dos anos 90 com um blend musical facilmente identificável que o ajudou muito ao estabelecer sua carreira. É responsável por uma série vitoriosa de cds para os selos Alligator, Nesse seu primeiro trabalho totalmente independente, ele muda um pouco o foco de sua música e mergulha de cabeça no folk blues que era praticado em Fulton, North Carolina. assumindo um lado revisionista que seus fãs jamais imaginaram um dia conhecer. Mas, como já era de se esperar, acaba descobrindo links externos inusitados a partir da música que investiga. O resultado é surpreendente, até porque Corey Harris jamais vai conseguir ser um investigador musical com alma de "scholar", como Ry Cooder. Seu approach é passional por excelência, e isso acaba fazendo toda a diferença no resultado final de seus discos. "Fulton Blues" pode até não ser seu melhor trabalho. Mas vale a pena ser escutado por todos aqueles que acham que revisionismo tem que ser neo-tradicionalista e que experimentalismo não deve respeitar tradições culturais.


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DAVID BROMBERG
ONLY SLIGHTLY MAD 
(Appleseed)

Se tem um artista que é vítima de seu próprio ecletismo, esse cara é David Bromberg. Cantor e multi instrumentista onipresente nos discos de quase todo mundo que importava no final dos anos 1960 e início dos 1970, Bromberg nunca pretendeu definir um foco muito claro para seus muitos LPs solo, que mesclavam blues, rock and roll, country e folk music, sempre em partes iguais. Por conta disso, esses discos permaneciam inclassificáveis pela indústria, não tocavam em rádio alguma e terminavam perdidos na lojas. Viu sua carreira solo minguar na cena musical da Costa Oeste até praticamente desistir dela 20 anos atrás, quando passou a tocar violino e mandolin em Nashville para sobreviver. E então, em 2007, eis que ele reaparece de mansinho num selo independente com um disco todo acústico, quase caseiro, chamado “Try me One More Time”, e acaba chamando a atenção das pessoas certas. De lá para cá não parou mais. Em 2011, gravou “Use Me”, produzido pelo amigo Levon Helm (pouco antes de falecer), onde recebe canções de presente e participações especiais de amigos ilustres como Keb Mo, Dr. John, John Hiatt, Linda Ronstadt e Los Lobos. E agora temos aqui Mr. Bromberg de volta com sua banda e completamente à vontade em "Only Slightly Mad", uma coleção de blues e baladas country clássicas absolutamente cativante -- que inclui clássicos como "Lost My Drivin' Wheel" (gravada originalmente por Tom Rush) e "Last Date" (grande hit de Conway Twitty). Curiosamente, as 3 faixas finais são novas, todas de autoria de Bromberg, mas seguem no mesmo clima "laid back" do resto do disco. Bromberg, com certeza, não vai conseguir fazer novos amigos com "Only Slightly Mad". Mas vai deixar seus velhos admiradores sorrindo de prazer, como quem reencontra um velho amigo numa tarde de sol.

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quarta-feira, novembro 13, 2013

TONY JOE WHITE SAÚDA LOUISIANA RED E SAI NADANDO DE BRAÇADA NO "SWAMP-BOOGIE"


Assim como Elvis Presley, Tony Joe White tem sangue cherokee e sempre foi inquieto por natureza.

Poderia ter-se contentado em ser um dos compositores mais disputados do eixo Nashville-Memphis dos anos 60, autor de "Willie and Laura Mae Jones" (gravada por Dusty Springfield), "Rainy Night In Georgia" (gravada por Brook Benton) e "Polk Salad Annie" (gravada por Elvis), entre muitas outras grandes canções.

Mas não.

Ele queria mais.

E aproveitou a onda de singer-songwriters que estava nascendo -- além de sua semelhança física e vocal com Elvis -- para lançar-se como artista solo.

Indicado pelo amigo Kris Kristofferson, conseguiu em 1969 um contrato para gravar dois discos para a Monument Records.

Em pouco tempo, seu registro de tenor e seu jeito de cantar intenso e acolhedor ao mesmo tempo revelou o que muita gente já sabia: sua voz era o veículo perfeito para suas canções.

O sucesso inicial na Monument o levou naturalmente a um contrato bastante vantajoso para 3 LPs com a Warner Bros, que o queria a qualquer custo no seu time de compositores.

Mas, estranhamente, seus discos na Warner, apesar de ótimos, não tiveram a mesma recepção de público, e então, em 1974, Tony Joe White estava sem gravadora, e com sua carreira completamente à deriva numa cena musical que já não queria mais saber de artistas com o perfil dele -- daí, o jeito foi seguir em frente trabalhando como compositor de aluguel em Nashville.

Só 15 anos mais tarde, em 1989, Tony Joe White ressurgiu -- graças à velha amiga Tina Turner, que o chamou para compor 4 canções e tocar guitarra em seu LP "Foreign Affair".

De 1990 para cá, Tony Joe White foi aos poucos reassumindo com todas as honras seu lugar de direito na cena do "swamp-boogie", uma modalidade musical que mescla blues com todo aquele molho musical da sua Louisiana natal.

Calejado, passou a medir melhor seus passos e a querer menos -- até porque descobriu a duras penas que, muitas vezes, menos é mais.

Vem gravando discos para selos independentes, ganhando prêmios com bastante frequência e fazendo tournées low-profile pela América, Europa e Japão.


"Hoodoo", seu mais recente trabalho, é o primeiro para o selo Yep Roc, e é o mais blueseiro de seus discos recentes.

O caso é que Tony Joe White sempre teve um respeito muito grande pelo grande bluesman Louisiana Red, falecido ano passado, e nunca teve chance de expressar isso tão plenamente como faz aqui.

Quem espera encontrar em "Hoodoo" baladas climáticas como as que Tony Joe compunha nos anos 70, vai perder a viagem.

O mesmo vale para quem cultuava seu vozeirão grave, que, com o passar dos anos, foi ficando cada vez mais áspero e perigoso.

"Hoodoo" é um LP que segue numa mesma toada da primeira á última faixa, e é "swamp-boogie" para ninguém boar defeito.

Tony Joe White vem acompanhado por quatro músicos encarregados de dar ritmo e cor às suas canções, e que seguem à risca a clássica orientação que John Lee Hooker sempre passava para suas bandas: nunca deixar a música deixar de ser pedestre e levantar vôo.

As canções de "Hoodoo" seguem num suingue quase monocórdico, mas extremamente envolvente, e funcionam como veículos para as histórias sobre a vida no Sul que Tony Joe White quer contar -- e conta como ninguém, aos 70 anos de idade.

Ao final das 9 faixas que compoem "Hoodoo", fica a sensação de que o tempo não passou. Ou passou rápido demais. Ou as duas coisas ao mesmo tempo.

E, acreditem: é uma sensação extremamente satisfatória.


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segunda-feira, novembro 11, 2013

THE BAND BRILHA AO VIVO NO REVEILLON DE 1972 EM 4 CDS MAGNÍFICOS

HARRY NILSSON, REVISTO, REAVALIADO E REDESTILADO

O UNIVERSO MUSICAL DE GARLAND JEFFREYS SEGUE VIVO E BEM NAS RUAS DO BROOKLYN

A primeira vez que se ouviu falar no nome Garland Jeffreys foi em 1969, quando John Cale, recém-saído do Velvet Underground, gravou seu primeiro LP solo pela Columbia Records.

O disco se chamava "Vintage Violence", e Garland fazia uma participação em uma das faixas.

Como era de praxe naqueles tempos, Garland foi contratado por uma gravadora -- Atlantic Records -- muito interessada em suas habilidades como compositor, mas que não sabia ao certo o que fazer com ele como artista solo.

Em meio a essa indefinição, três anos se passaram sem que Garland pudesse dar o pontapé inicial em sua carreira. Só em 1973, ele finalmente estreou solo. Num disco muito bom, diga-se de passagem. Mas que, infelizmente, tinha mais a cara musical do produtor Dr. John do que a sua, e passou totalmente despercebido por crítica e público.

Tudo bem, a música de Garland Jeffreys é meio difícil de definir, e ele nunca facilitou as coisas para achar mais rapidamente o seu público..

Mulato nascido no Brooklyn, NYC, há 69 anos, ele sempre trafegou por todas as sonoridades do bairro, indo desde o doo-wop e o rock and roll, passando pela soul music e pelas sonoridades latinas, e seguindo em direção ao reggae e ao blues.

Mesmo com um disco na bagagem, Garland Jeffreys continuou um ilustre desconhecido em meados dos anos 70.

Só que um ilustre desconhecido com amigos influentes, como Lou Reed e James Taylor, que não se conformavam com o fato dele ter estreado de forma tão torta, e não sossegaram enquanto não conseguiram para ele um novo contrato com garantia de liberdade artística e direito a escolher seu produtor.

E então nasceu "Ghost Writer" (1976), produzido por David Spinozza para a A&M Records, um dos discos mais emblemáticos da cena novaiorquina pré-CBGB's, que estava em grande evidência com o sucesso internacional de "Born To Run" de Bruce Springsteen e de "Horses" de Patti Smith.

Garland Jeffreys chegou e não perdeu tempo, emplacando logo de cara nas paradas o single "Wild In The Streets", que rapidamente virou uma espécie de hino das ruas nos subúrbios de Nova York.

Daí em diante, sua carreira finalmente engatou dos dois lados do Oceano Atlântico, seguindo de vento em popa por 5 ou 6 anos de tournées constantes, muita exposição na Imprensa Musical e discos anuais sempre bem recebidos.

Infelizmente, depois de outros 2 LPs para a A&M -- "One-Eyed Jack" e "American Boy And Girl" -- e outros 2 para a Columbia -- "Escape Artist" e "Rock & Roll Adult", ambos com a banda The Rumour, de Graham Parker, emprestada --, Garland começou a perder o foco de sua carreira.

Um flerte desastrado com o mainstream no LP "Guts For Love", produzido pelo inadequadíssimo Bob Clearmountain, o levou a um fiasco retumbante de vendas.

Daí em diante, nenhuma grande gravadora quis saber de comprar seu passe, e o jeito foi seguir de mala e cuia para a cena alternativa, onde acabou se dando bem, gravando discos mais esporádicos, mas sempre escapando com frequência para a Europa e Japão, onde nunca deixou de ter uma excelente acolhida de público.

Pois Garland está de volta com "Truth Serum", seu disco mais urgente e menos conceitual em muitos anos.

Como não podia deixar de ser, ele continua flertando com os mais diversos gêneros musicais -- para o desespero da Billboard, que há 40 anos tenta classificá-lo em algum segmento, em vão.

O disco abre com a faixa título, um bluesaço à moda de John Lee Hooker, com harmonica e guitarras distorcidas seguindo num mesmo tom, onde ele fala de excessos com o alcool e da proximidade dos 70 anos.

Mas antes que esses temas comecem a tomar conta do disco inteiro, Garland segue firme em direção a outras direções nas faixas seguintes -- seja falando de amor, de dificuldades do dia a dia, de "generation gaps", ou até mesmo de questões políticas e raciais que sempre fizeram parte do universo de suas canções.

Sua banda, comandada pelo baterista e produtor Steve Jordan, proporciona performances coesas e muito intensas. Garland acertou em cheio na escolha de seus bandmates. Nada melhor do que trabalhar com músicos que sabem exatamente como proporcionar a melhor moldura musical para as canções que vão compor um disco.

Graças a essa integração temática e musical que flui às mil maravilhas nas 10 faixas de "Truth Serum", não é nenhum exagero afirmar que esse novo disco de Garland Jeffreys não só deve agradar em cheio aos velhos fãs que, por um motivo ou outro, o perderam de vista nesses últimos 30 anos, quanto pode cativar novos admiradores que talvez descubram o quanto artistas mais jovens como Ben Harper foram influenciados por ele.

Está mais do que na hora de Garland voltar a ter um público mais extenso.

Ele merece.


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