segunda-feira, dezembro 28, 2015

2 OU 3 COISAS SOBRE "LOST CITIES", NOVO LP DO VETERANO ED KUEPPER

por Chico Marques


Se não é a figura mais inclassificável da riquíssima cena musical australiana, Ed Kuepper deve ser, muito provavelmente, o singer-songwriter mais desalinhado daqueles lados de lá -- em todos os tempos, claro!

O histórico artístico de Ed Kuepper já diz bastante a seu respeito. Surgido em plena era punk, e co-líder (com Chris Bailey) do The Saints, o grupo número um da Austrália na segunda metade dos Anos 70, ele deixou a banda no auge do sucesso em 1979 para montar um grupo meio jazzístico, meio experimental, muito idiossincrático e muito menos popular chamado The Laughing Clowns.

Foi quando Ed, para surpresa geral, deu início a sua carreira solo com um disco nada idiossincrático e extremamente pop, chamado "Electrical Storm". Foi o primeiro de uma série de 3 grandes discos nesse tom, culminando com "Rooms Of the Magnificent" e "Everybody's Got To". Todos fizeram sucesso na Australia, e ganharam edições pelo mundo afora. Mas, de certa forma, falharam por não garantir a ele a mesma projeção que outros artistas australianos, como Paul Kelly e Nick Cave, ganharam pelo mundo afora.

Então, já nos Anos 90, Ed passou a gravar um disco após o outro compulsivamente, sempre de forma independente e sempre com o apoio incondicional de um grupo nada desprezível de seguidores fidelíssimos, disposto a tolerar e aplaudir qualquer extravagância musical promovida por ele. Vem nessa toada até os dias de hoje.

Aqui em Santos, poucos o conhecem. Mas dentre esses poucos, há gente como o veterano jornalista Lane Valiengo, que possui praticamente todos os discos de Ed Kuepper. Aliás, faço questão de frisar aqui que foi Lane quem me apresentou ao trabalho de Ed Kuepper, e ao de seu ex-parceiro Chris Bailey também. Sou muito agradecido a Lane por isso.



Pois bem: Ed Kuepper acaba de chegar ao seu 50º disco. Seu nome é "Lost Cities" (um lançamento Prince Melon Records, selo dele próprio), e é tudo o que um fã de Kuepper poderia esperar dele a essa altura da vida: um projeto "back to basics", só com guitarra e uma moldura de teclados bem sutil e climática, que compõem de forma extremamente orgânica com sua voz encorpada e suave, dispensando qualquer tipo de acompanhamento adicional.

"Lost Cities" funciona como uma trilha sonora para uma espécie de road movie que está em cartaz desde sempre na mente criativa de Ed Kuepper. É extremamente acessível a qualquer não-iniciado em seu trabalho. O tom lembra um pouco o de "Nebraska" de Bruce Springsteen, ou o de algumas produções de Rick Rubin para a American Recordings. Mas não é assustador. Pelo contrário, é tudo muito ensolarado. A beleza de cada uma das 9 canções do disco fica evidente logo de cara, pois todas elas são apresentadas praticamente no osso no disco, como se fossem demos bem acabadas.

A viagem de Kuepper começa com a belíssima ‘Pavane’, e segue de forma intensa nas atmosféricas "Making Friends With the Leader", "Free Passage To Mars", "In The Ruins" e "Fever Dream". Mas a viagem termina de forma meio insólita em "Some Said" e "Queen Of The V.A.L.E.", dois flertes com o desespero e com o surreal que parecem sugerir um encontro musical altamente improvável entre Syd Barrett e Lou Reed.


O trabalho de guitarra extremamente criativo de Ed Kuepper pontua "Lost Cities" da primeira à última faixa, sempre de forma mansa e perigosa. Os teclados e sintetizadores foram todos arranjados e tocados por ele. E a produção é toda dele também, que define o disco como "solo orquestral".

Segundo Ed Kuepper: “Desde muito jovem eu sempre visualizei discos como um todo, daí quando eu tocava eu sempre me imaginava como sendo uma orquestra inteira, e não como um instrumentista no canto esquerdo do palco. Nos discos com The Saints já era assim, e continua sendo assim agora, 50 discos mais tarde. A grande diferença é que sigo hoje num tom extremamente oposto ao que seguia no início".

Eu diria que "Lost Cities" soa um grupo de canções acústicas tocadas numa guitarra elétrica com uma levada deliciosamente hipnótica.

Extremamente bem sucedido em termos artísticos, é sem dúvida um dos grandes discos de 2015.



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