quarta-feira, junho 01, 2011

BENVINDOS DE VOLTA À INVASÃO BRITÂNICA, COM SEUS ANFITRIÕES: THE KINKS E THE ZOMBIES (por Chico Marques)


A tournée mundial de Paul McCartney, que passou recentemente por São Paulo e pelo Rio de Janeiro, serviu para revelar uma faceta bastante irritante no comportamento de seus admiradores mais fervorosos.

Ao longo dessas quatro décadas que nos separam do momento fatídico em que os Beatles anunciaram que iriam pendurar as chuteiras, a beatlemania vem-se transformando pouco a pouco numa modalidade de idolatria muito semelhante ao lulismo, na medida em que, segundo seus adeptos mais fundamentalistas, ela inicia e encerra em si mesma, desprezando um fenômeno musical muito maior no qual está historicamente inserida: a British Invasion.

A British Invasion foi, na verdade, a mais eloqüente resposta dos ingleses aos americanos desde que foram postos para correr de volta ao Velho Continente durante a Revolução Americana de 1776. Obviamente, não ficou restrita aos Beatles. Junto com eles, vieram os Rolling Stones, o Who, os Yardbirds, os Small Faces, o Them, os Animals, e – entre muitos outros – os Kinks e os Zombies. Uma explosão de talentos que ajudou a mudar a cara da música popular e da Indústria Fonográfica – e que, sintomaticamente, inexistem no imaginário e nos iPods de mais de noventa por cento dos beatlemaníacos mais febris.
Cá entre nós: qualquer um que vá a um show de Paul McCartney nos dias de hoje segurando uma plaquinha com a sílaba NA -- isso quase 50 anos após a explosão da British Invasion nos Estados Unidos --, com certeza não faz a menor idéia do cataclisma que aquilo tudo causou no início dos anos 1960. Havia então uma cena musical dominada por produtores-compositores, como Burt Bacharach e Phil Spector, que moldavam os artistas que lançavam ao material e às tendências que criavam para o mercado. Tanto que, para conseguir ter acesso a ele, tanto os Beatles quanto os Rolling Stones, malandramente, aportaram na América em 1964 para suas primeiras tournées jogando pelas regras dele – ou seja: apresentando repertórios de covers com sotaque britânico de composições americanas bem conhecidas. Enquanto os Beatles passeavam pelo repertórios de Buddy Holly, Carl Perkins e de girl bands como as Shirelles e as Ronettes, os Stones preferiam rever sucessos de artistas de rhythm & blues como Solomon Burke, Marvin Gaye, Chuck Berry e Muddy Waters, dando a eles roupagens musicais inusitadas.

A princípio, a Indústria Fonográfica Americana não se assustou muito com a chegada dos ingleses. Acharam que seria uma moda passageira, como tantas outras. Mas, na segunda tournée dos Beatles e dos Rolling Stones pelos Estados Unidos no ano seguinte, as duplas de compositores Lennon & McCartney e Jagger & Richards já estavam devidamente estabelecidas no mercado, com vários singles nos primeiros postos das paradas. Chegava ao fim a era dos produtores-compositores e começava a era dos cantores-compositores. De uma hora para outra, toda a estrutura da produção musical estava de ponta cabeça, e nada mais foi como era antes.
Claro que os Beatles e os Rolling Stones tinham a vantagem de ser mais universais que as outras bandas que vieram no tsunami da British Invasion. O Who e os Small Faces, por exemplo, faziam a apologia do estilo de vida mod, um fenômeno tipicamente inglês que o resto do mundo não compreendia bem. Os Animals e o Them imprimiam no rhythm & blues deles toda a fúria e o inconformismo das classes operárias inglesas e irlandesas. Já os Zombies se pautavam por melodias pop envolventes que incorporavam elementos jazzísticos e música erudita, antecipando tendências que seriam melhor digeridas anos adiante, com o surgimento do rock psicodélico. E os Kinks... bem, os Kinks se divertiam muito satirizando os costumes ingleses e esculhambando com a Família Real Britânica – assuntos em princípio pouco atraentes para quem não vivia no Reino Unido.


O motivo de estarmos falando disso é que não é só Paul McCartney que continua com tudo em cima, com essa vitalidade invejável que demonstrou no Morumbi e no Engenhão. Os Rolling Stones também estão muito bem, vão sair em tournée mundial novamente no ano que vem comemorando 50 anos de carreira com direito a disco novo e tudo mais. O Who é outro que se prepara para uma tournée ano que vem – talvez com disco novo, mas, certamente, com a tão aguardada autobiografia que Pete Townshend finalmente nas vitrines das livrarias. Já os Kinks estão entrando em estúdio nos próximos meses para gravar seu primeiro LP com material inédito desde “To The Boné”, de 1994. E, para completar o quadro, os Zombies acabam de sair do estúdio, e estão lançando “Breathe Out Breathe In”, o primeiro disco de inéditas da banda desde “Odessey & Oracle”, seu épico pop de 1968.

Comecemos pelos Kinks. Logo que surgiram em 1964, emplacaram uma série de singles vitoriosos na Pye Records, como “You Really Got Me” (1965), que forneceu o aval para que a Reprise Records adquirisse a exclusividade de seus LPs e singles para lançar nos Estados Unidos. Infelizmwnte, num golpe de azar deflagrado por uma confusão até hoje mal explicada nos vistos de trabalho dos integrantes da banda em sua primeira tournée americana, os Kinks ficaram impedidos de pisar em solo americano por quatro anos. Isso afetou o desempenho de vendas dos LPs da banda na América, levando os irmãos Ray e Dave Davies a focar seu trabalho no público europeu, ainda que a contragosto. Mas mesmo sem tournées, álbuns como “The Village Green Preservation Society” e “Arthur” tiveram uma acolhida calorosa na América, e Ray Davies passou a ser visto como um gênio pop, uma espécie de Noel Coward da Era Psicodélica. Howard Kaylan e Mark Volman, do grupo californiano The Turtles, por exemplo, não sossegaram enquanto não gravaram um de seus discos em Londres, pois faziam questão que fosse produzido por Ray Davies.

Os Kinks voltaram a fazer tournées pelos Estados Unidos só em 1970, a reboque do sucesso internacional de “Lola” -- sobre um inglês insuspeito que se sente muito melhor vestido como mulher, mais ou menos como o cartunista Laerte --, e finalmente emplacaram nos primeiros postos das paradas de lá. Viraram fregueses, e passaram a voltar por lá todo ano, enquanto seguiam pelos anos 1970 produzindo LPs conceituais sempre muito bem humorados para a RCA, e depois, já na Era Punk, apostando em projetos mais urgentes e pesados para a Arista Records. Foram apagando aos poucos ao longo dos anos 1980, até decidirem encerrar atividades como banda em 1996. Mas Ray Davies continuou em frente. Dirigiu e escreveu para o cinema, casou-se com Chryssie Hynde e ajudou o produtor musical Bill Flanagan a esboçar a série de TV “VH1 Storytellers”, sendo o primeiro a se apresentar por lá. Recentemente, lançou dois LPs solo muito festejados com material inédito de primeira, mantendo seu prestígio criativo intacto.




Enquanto prepara novas novas canções para o tão aguardado LP de retorno dos Kinks, Ray Davies dedicou-se a dois projetos de ocasião extremamente simpáticos, onde recicla com muita dignidade o velho repertório dos Kinks. O primeiro deles é espetacular: “The Kinks Choral Collection”, onde regrava clássicos da banda com coral, banda e uma orquestra de câmara. Já o segundo projeto pretende ser, antes de mais nada, simpático e divertiodo: “See My Friends” também resgata o repertório clássico nos Kinks, mas em outro contexto -- vem repleto de duetos com amigos como Bruce Springsteen, Jackson Browne, Alex Chilton, Billy Corgan, Lucinda Williams e vários outros. Esses dois songbooks dos Kinks servem como introduções ao trabalho brilhante de uma banda que demorou a cair no gosto do grande público porque nunca facilitou as coisas além do limite do artisticamente aceitável.


Quanto aos Zombies, dizer que a música deles sempre esteve muito além do seu tempo equivale a chover no molhado. Quando o grupo surgiu num subúrbio londrino em 1961, não havia nada remotamente semelhante a eles em toda a Inglaterra. O piano e o órgão Hammond B-3 bem jazzísticos de Rod Argent pareciam ter sido feitos sob medida para emoldurar a voz delicada e cristalina de Colin Blunstone. E a alquimia resultante disso gerou logo de cara singles curiosos como “She´s Not There” e “Tell Her No” – que, por mais estranhos que fossem para a época, conseguiram pegar carona na British Invasion e acabaram emplacando nas paradas americanas, mesmo tendo passado quase despercebidos nas paradas inglesas. A maldição dos Zombies é que eles não conseguiam ser uma banda de singles. Eram arrojados demais para o hit parade britânico. Deram o azar de surgir numa época em que havia a obrigação de emplacar singles nas paradas para poder realizar um LP.

Depois de uma série de singles que infelizmente não emplacaram nas paradas, os Zombies foram descartados pela Decca Records. gravadora. Rod Argent e Colin Blunstone, desanimados, reuniram os membros da banda e decidiram que gravariam só mais um LP. Assinaram um contrato bem xinfrim com a Columbia, que repassou para eles uma verba quase ridícula, que os impedia até de contratar músicos adicionais para o projeto -- tanto que Argent teve que emular os arranjos da orquestra num mellotron, algo inédito na época. O descaso da Columbia para com eles era tamanho que ninguém se preocupou em enviar alguém para supervisionar o trabalho dos rapazes. Resultado: sem qualquer compromisso em emplacar um LP de sucesso, os Zombies produziram “Odessey & Oracle” (1967), uma pequena obra prima pop psicodélica, que acabou lançada sem publicidade na Inglaterra e por pouco não teve uma edição americana. Se Al Kooper, fã de banda e também contratado da Columbia, insistindo tanto, "Odessey & Oracle" nunca teria cruzado o Atlântico.


Então, o inusitado ACONTECE: quase dois anos após o lançamento do LP, com todos os membros da banda já trabalhando em outros projetos, alguém na Columbia americana decide lançar “Time Of The Season”, uma das canções de “Odessey & Oracle”, no formato single, e a música explode misteriosamente nas paradas do mundo todo. A saia justa dos integrantes dos Zombies foi terrível, pois nenhuma dos integrantes originais dos Zombies pretendia voltar atrás na decisão de aposentar a banda. Rod Argent já tinha montado o Argent, banda progressiva de muito sucesso nos anos 70, e Colin Blunstone estava gravando seu primeiro disco solo. Pela primeira vez na história da música popular, uma banda chegava ao seu apogeu dois anos depois de ter saído de cena.

Nos anos 1980 e 1990, Rod Argent e Colin Blunstone voltaram a contracenar em diversas ocasiões. Argent firmou-se como produtor de sucesso, ajudando a viabilizar as carreiras de vários artistas ascendentes, como Tanita Tikaram e Jules Shear, enquanto Blunstone seguiu com LPs solo sempre muito bem recebidos por crítica e público. Até que, em 2000, inventaram de gravar um disco juntos. E esse disco fluiu tão bem que os dois, saudosos dos velhos tempos, decidiram ressucitar os Zombies para uma pequena tournée de 6 datas. Que acabou durando mais de 10 anos, num sinal claro de que a velha sintonia entre os dois velhos parceiros permanecera inabalada depois de tantos anos.


Só agora Rod Argent e Colin Blunstone tomaram coragem para lançar um LP repleto de canções inéditas. “Breathe Out, Breath In” é impecável, composto inteiramente de canções deliciosas que eles andaram testando ao vivo nos shows. Não pretende em momento algum atualizar a sonoridade dos Zombies e muito menos recomeçar de onde “Odessey & Oracle” parou. Na verdade, funciona como um registro de como Argent e Blumstone pensam e agem musicalmente nos dias de hoje. “Breathe Out, Breath In” traz baladas pop lindíssimas, como a homenagem aos Beach Boys “Shine On Sunshine” e a barroca “Let It Go”, àmoda do Procol Harum. Que se contrapõem a números mais suingados como “Play It For Real” e “Any Other Way”, além da faixa título, simplesmente magnífica. Não é nenhum exagero afirmar que desde “Before We Were So Rudely Interrupted” (1977), dos Animals, não se via um LP de retorno de uma banda clássica tão honesto e íntegro quanto este. “Breathe Out, Breath In” é tudo isso, podem ter certeza. Isso para não dizer que é um prazer ver uma banda tão vital quanto os Zombies – que influenciou bandas seminais como The Doors e Steely Dan – voltando à cena com tamanha leveza e galhardia.


Diante de toda a vitalidade e criatividade demonstrada nesses novos trabalhos desses veteranos da cena inglesa dos anos 1960, é totalmente inaceitável que a beatlemania queira agora se afirmar através dos fan-clubs como um fenômeno isolado e desconectado dos diversos outros fenômenos artísticos da British Invasion.

Verdade seja dita: bandas como os Zombies e os Kinks só não tiveram o mesmo apelo de público dos Beatles porque uma série de circunstâncias adversas não permitiram.

Queiram ou não, gostem ou não, os Beatles pertencem a um contexto histórico e artístico muito bem definido, histórica e artisticamente. E nunca estiveram sozinhos. Sempre estiveram em ótima companhia.

Querer negar isso é tão inócuo e tão ridículo quanto ir a um show de Paul McCartney segurando uma placa com a sílaba NA para participar de uma coreografia idiota para “Hey Jude” digna de um desenho do Gasparzinho. Pronto, falei.





HIGHLIGHTS - Ray Davies
The Kinks Choral Collection - See My Friends






HIGHLIGHTS - The Zombies
Breathe Out, Breathe In




SENHORAS E SENHORES... THE ZOMBIES


“Um negócio que me agrada muito nesse novo álbum é justamente o fato dele ser totalmente descomplicado e poder ser tocado ao vivo em nossas tournées sem o menor problema.” (Rod Argent)


“Recentemente, num show na América, um dos promotores apareceu no nosso camarim com alguns amigos achando que estaríamos no maior embalo antes do show. Para a surpresa deles todos, três de nós estávamos lendo e os outros três descansando.” (Colin Blunstone)


“Nos reunimos em 2000 para o que deveria ser uma pequena tournée de apenas seis apresentações. Não conseguimos encerrar essa tournée até hoje.” (Rod Argent)


“É meio assustador lembrar que nossos primeiros ensaios aconteceram em 1961, há exatos 50 anos, e mesmo assim ter um disco novo sendo lançado.” (Colin Blunstone)


“Poucos meses atrás, estávamos tocando num clube francês para uma platéia de garotos de 25 anos de idade. No intervalo, comentei com a banda: Acreditem ou não, estamos repetindo basicamente o mesmo setlist de shows que fizemos aqui mesmo, na França, 40 anos atrás para um público dessa mesma faixa etária... (Rod Argent)



LPS THE ZOMBIES
She´s Not There-Tell Her No (1964)
The Zombies Begin Here (1965)
Bunny Lake Is Missing (OST 1966)
I Love You (1966)
Odessey & Oracle (1968)
New World (2001)
Live At The BBC (2003)
As Far As I Can See (2004)
Odessey & Oracle: 40th Anniversary Live Concert (2008)
Live At The Bloomsbury Theatre (2009)
Breathe In, Breathe Out (2011)

WEBSITE OFICIAL
http://thezombies.net/

SENHORAS E SENHORES... THE KINKS


“Eu gosto de contar histórias. Se não gostasse, não teria virado compositor. É o que sei fazer melhor na vida.” (Ray Davies)


“Eu adoro quando gravam minhas canções e dão a elas um toque que eu não soube ou não pude dar quando as gravei frente dos Kinks. Eu fico arrepiado sempre que escuto Tom Jones cantando “Sunny Afternoon”, por exemplo. Aquilo é simplesmente estupendo.” (Ray Davies)



“É complicado gravar um LP como See My Friends. Você vira uma espécie de Buda e todo mundo envolvido no projeto quer saber como você acha que deve ser isso ou aquilo. Demora até relaxar. Mas quando isso finalmente acontece, o prazer de contracenar com grandes artistas como esses é indescritível.” (Ray Davies)


“Minha parceria com meu irmão Dave Davies sempre fluiu perfeitamente bem. É engraçado, sempre que eu vejo um filme muito bom, como esses últimos dos Irmãos Coen, eu penso: Puxa, que pena que Dave não está aqui! Quando ouço alguma coisa surpreendente, e ele não está por perto, ligo imediatamente e aviso para que ele também ouça. É assim que nós funcionamos.” (Ray Davies)


“É engraçado como minhas primeiras canções tinham letras curtas e grossas e as canções dos meus dois discos solo são extensas. Quem diria que, com a idade, o texto das minhas canções iria ficar novelístico.” (Ray Davies)


LPS THE KINKS
Kinks (1964)
Kinda Kinks (1965)
The Kink Kontroversy (1965)
Kinkdom (1965)
Kinks-Size (1965)
You Really Got Me (1965)
United Kinksdom (1966)
Face To Face (1966)
Something Else By The Kinks (1967)
Live At Kelvin Hall (1968)
The Village Green Preservation Society (1968)
Arthur (1969)
Lola Vs The Powerman & The Money-Go-Around (1970)
Muswell Hillbillies (1971)
Percy (1971)
Everybody´s In Showbiz (1972)
The Great Lost Kinks Album (1973)
Preservation Act #1 (1973)
Preservation Act #2 (1974)
A Soap Opera (1975)
Schooboys In Disgrace (1975)
Sleepwalker (1977)
Misfits (1978)
Low Budget (1979)
One For The Road (1980)
Give The People What They Want (1981)
State Of Confusion (1983)
Word Of Mouth (1984)
Think Visual (1986)
Road (1988)
UK Jive (1989)
Phobia (1993)
To The Bone (1994)

LPS RAY DAVIES SOLO
Return To Waterloo (1985)
The Storyteller (1998)
Opther People´s Lives (2006)
Working Man´s Café (2007)
The Kinks Choral Collection (2010)
See My Friends (2011)
WEBSITE OFICIAL
http://www.raydavies.info/www/main.php?content=news

sexta-feira, maio 27, 2011

TRÊS DIVAS: ALISON KRAUSS, K D LANG E MARIANNE FAITHFULL (por Chico Marques)


É triste, mas desde que inventaram os especiais de TV da série “Divas VH1” cerca de 15 anos atrás, qualquer cantora cafona e chata -- como Mariah Carey e Celine Dion, por exemplo – parece ter ganho o direito de se autodenominar Diva, mesmo sendo apenas uma gralha pop.

Quem já viu esses shows de horrores na TV sabe bem do que estou falando. Nada mais constrangedor do que ver nesses programas cantoras de verdade sendo obrigadas a contracenar com essas criaturas que miam nos microfones. para com isso se manterem no mainstream da cena musical.

Aretha Franklin – essa sim, uma Diva de verdade -- chutou o balde em grande estilo quando foi chamada para gravar uns duetos no "Divas VH1". Não teve piedade, e jantou três ou quatro dessas matracas pop em menos de 4 minutos, enquanto cantava "You Make Me Feel Like A Natural Woman", de Carole King . E nenhuma delas chiou. Reclamar equivaleria a passar recibo de incompetência. Foi engraçadíssimo. Moral da história: Diva de verdade pode o que quiser, e ponto.

Assim como Aretha, que manteve sua dignidade inabalada nesse episódio, existem várias artistas bem estabelecidas na cena musical anglo-americana que ainda conseguem se preservar desse tipo de exposição indecente.

A americana Alison Krauss é uma que foge desses eventos sempre que pode. Foi esnobada pelas TVs musicais por muitos e muitos anos, até que faturou um Grammy por seu LP em parceria com Robert Plant três anos atrás. Daí em diante, passou a ser muito requisitada para diversas festas idiotas aqui e acolá. Nunca disse tantos “Obrigado, Não” quando nesses últimos anos.

A canadense K D Lang é outra que sempre foi preterida nesses programas. Não que eles tenham preconceito contra lésbicas – para quem não sabe, K D foi a primeira cantora da cena country a sair do armário na América. Prefiro acreditar que as Divas da VH1 tenham morrido de medo de ser literalmente devoradas por ela, até porque seu apetite sexual voraz por outras cantoras já virou lenda no meio.

E tem ainda a londrina Marianne Faithfull, veteraníssima, que nunca foi e nunca será convidada para participar de qualquer coisa por lá porque provavelmente nenhuma das Divas da VH1 jamais conseguiria cantar no timbre estranhíssimo dela.

Todas as três são de primeiríssimo time, e estão de volta com novos trabalhos de alto gabarito, que não fazem concessões ao mercadão. Vamos a elas. E a eles:


Alison Krauss está comemorando 40 anos de vida e 28 anos de carreira. Se alguém dissesse que, um dia, uma violinista adolescente com formação clássica iria se tornar um dos expoentes máximos da country music americana, certamente seria chamado de louco. Pois Alison usou o violino clássico para tentar mergulhar na alma do bluegrass e do folk, e não só deu certo como também chegou onde nenhum rabequeiro de Nashville jamais esteve. Sempre com sua incansável banda, The Union Station, ela estreou em disco aos 14 anos de idade, e nunca mais parou, somando até agora 13 LPs gravados que são apreciados tanto por platéias country quanto por fãs de jam bands e de jazzistas crossover. Havia até dois meses atrás uma grande expectativa em torno do que seria seu trabalho seguinte a “Raising Sand”, seu premiado disco em parceria com Robert Plant, que ganhou o Grammy 3 anos atrás.


Pois a espera compensou. ‘Paper Airplanes” é, certamente, o mais conciso de todos os LPs de Alison Krauss & The Union Station. A loura de Illinois está cada vez melhor como intérprete, esbanjando sensibilidade em releituras para “Dimming Of The Day”, de Richard Thompson, e “My Opening Farewell”, de Jackson Browne. Já como compositora, ela surpreende com canções tristes e reflexivas, conseqüência de um casamento recém-terminado, como “Miles To Go” e “Sinking Stone”. "Paper Airplanes" é um trabalho maduro, muito bem seqüenciado, onde o bluegrass de câmara do Union Station afirma mais uma vez que country music pode ser recheada com música instrumental de primeira grandeza. E aos que desconfiaram que, depois do estrelato recente, Alison iria ficar muito maior que sua banda a ponto de engolí-la, “Paper Airplane” prova justamente o contrário – tanto que o guitarrista Dan Tyminski assume os vocais em nada menos que 3 canções do disco. Um LP belíssimo, sob medida para fazer com que pessoas normalmente reticentes a country music revejam seus conceitos. E se rendam.


K D Lang veio da região de Alberta, e tem sangue esquimó, Dona de uma voz magnífica e apaixonada pelos legados musicais de Patsy Cline e Roy Orbison -- mas adepta de um visual andrógino que nunca lhe facilitou as coisas na conservadora cena country --, K D conseguiu aos poucos seu passaporte para a mesma cena alternativa americana que abrigara outros artistas de difícil classificação, como Lyle Lovett e Steve Earle. Seus 3 LPs para a Sire Records são primorosos – em particular o terceiro, “Absolute Torch & Twang”, que a lançou internacionalmente. Mas de "Ingénue" em diante, ela optou por uma musicalidade mais convencional dentro do pop mainstream e, paralelamente a isso, assumiu em entrevistas sua opção pelo lesbianismo, o que segmentou seu público de forma perigosa para sua carreira – que ia de vento em popa até então. E justo quando parecia que iria conseguir reverter esse quadro a seu favor -- em duetos magníficos com Roy Orbison e Tony Bennett --, ela própria sabotou esse esforço embarcando num ativismo homossexual meio duvidoso que acabou por ofuscar seu trabalho musical em LPs excelentes como “Drag”, “Hyms Of The 49th Parallel” e “Watershed”.


Seu novo trabalho, “Sing It Loud”, tenta corrigir alguns desses equívocos. E até consegue. Aqui, pela primeira vez em 22 anos, K D Lang se reassume como artista country pop, produzindo afinal a tão aguardada seqüência para seu melhor LP, “Absolute Torch & Twang”, e seguindo um padrão musical alt country que -- nunca houve a menor dúvida quanto a isso -- cai como uma luva para ela. Os flertes com o pop permanecem, mas bem equilibrados, numa levada musical que remete ao trabalho de grupos como Son Volt e Wilco. Todas as canções do disco são memoráveis e de sua autoria – com excessão de “Heaven”, dos Talking Heads. “Sing It Loud” beira a perfeilão. Se K D Lang não fosse tão teimosa, esse belo disco não teria levado tantos anos para vir à tona. Mas antes tarde do que nunca. Só nos resta torcer para que seu público de outras épocas ainda não tenha desistido dela. Conheço dois ou três velhos admiradores que vão vibrar com essas boas novas.


Marianne Faithfull é outro caso complexo. Linda e muito popular em 1964, quando ganhou o mundo com o compacto “As Tears Go By”, de Mick Jagger & Keith Richards, ela conseguiu impor através de sua voz frágil e docemente ríspida um padrão novo e original que, de tão pessoal, poucas cantoras ousaram tentar seguir na época. Extremamente bem sucedida a princípio, foi terrivelmente prejudicada por seu casamento turbulento com Mick Jagger, por suas pretenções como atriz e, last but not least, por sua dependência de heroína e constantes tentativas de suicídio. Demorou muito para Marianne perceber que nada daquilo tudo apontava para lugar algum. Foi quando tentou retomar sua carreira musical. Em vão.

Passou a primeira metade dos anos 1970 num limbo artístico muito cruel. Só conseguiu achar foco para seu carreira ao se reinventar por completo, já em plena era punk, com o LP “Broken English” -- certamente o trabalho mais contundente de uma cantora-compositora inglesa naquela período. Daí em diante, encontrou um público fedelíssimo que nunca mais iria abandoná-la. Mergulhou de cabeça no repertório de Kurt Weill em “20th Century Blues”, e gravou vários LPs alternando canções próprias com outras de seus amigos Tom Waits e Nick Cave. Três anos atrás, recuperada de uma mastectomia, topou fazer “Easy Come Easy Go”, um álbum de covers com duetos para acabar com todos os outros álbuns de covers com duetos -- onde contracenou com amigos como Antony, Rufus Wainwright, Nick Cave, e até Keith Richards.


Agora, Marianne está de volta, com um LP mais inusitado ainda. “Horses & High Heels” foi inteiramente gravado em New Orleans com os jovens músicos do excelente grupo Lower 911, que vem trabalhado com Dr. John nos últimos anos. O resultado é desconcertante e inusitado, contrapondo a abordagem musical sombria de Marianne com o frescor musical desses jovens músicos. Suas canções recentes são todas ótimas -- provas irrefutáveis de que ela, com o passar dos anos, conseguiu tornar-se uma compositora de mão cheia. Mas é em “Goin' Back”, de Carole King e Gerry Goffin, um dos quatro covers do disco, que o bicho pega pra valer. Quem diria que, um dia, alguém conseguiria inserir numa canção tão blasé quanto esta uma carga existencial tão intensa. É como se Marianne, aos 65 anos de idade, finalmente conseguisse enxergar novamente em si mesma aquela linda menina de 17 anos que em 1964 encantou o mundo todo, e que há muito havia perdido de vista. Só esse resgate emocional já faria de “Horses & High Heels” um disco essencial. Mas tem mais, muito mais, de onde veio essa pérola. Cabe a vocês descobrir. Não tenham medo de Marianne Faithfull. A turbulência ficou para trás.


Voltando ao início da conversa, e tentando fechar o assunto: para ser Diva de verdade é preciso ter, antes de mais nada, estofo artístico e um talento excepcional para a vida.

Alison Krauss, por exemplo, é Diva porque reinventou o bluesgrass e o folk com uma atitude quase camerística, que nunca havia sido tentada antes.

K D Lang é Diva porque nunca teve medo de arriscar uma carreira de sucesso numa empreitada perigosa que a afastou de seu lugar de direito na cena musical atual por quase 15 anos.

E Marianne Faithfull... bem, Marianne é Diva porque já foi ao Inferno e voltou algumas vezes, sempre encarnando uma Ofélia junkie que possui todas as características de uma personagem trágica, menos uma: insiste em permanecer viva, ativa, e bem.

Convenhamos: não é para qualquer uma.

Entendeu, Mariah Carey? Entendeu, Celine Dion? Entendeu, VH1?



ALISON KRAUSS
Discografia, Trechos de Entrevistas e Fotos



K D LANG
Discografia, Trechos de Entrevistas e Fotos



MARIANNE FAITHFUL
Discografia, Trechos de Entrevistas e Fotos





HIGHLIGHTS
Alison Krauss & Union Station
"Paper Airplanes"






HIGHLIGHTS
K D Lang
"Sing It Loud"







HIGHLIGHTS
Marianne Faithfull
"Horses & High Heels"





quinta-feira, maio 26, 2011

SENHORAS E SENHORES... ALISON KRAUSS


“Gosto de acreditar que nós do Union Station sejamos da mesma linhagem de Bill Monroe, Ralph Stanley, e Earl Scruggs & Lester Flatt. Gostamos muito da música dos homens das montanhas. É um prazer ajudar a manter essa tradição viva.”


“Minha atitude perante a música sempre foi de ecletismo. Ouvia de tudo quando era menina, desde folk, bluegrass e música clássica até ACDC, Carly Simon, Rolling Stones, ELO...”


“Quando estive com Robert Plant pela primeira vez num concerto tributo a Leadbelly, fiquei arrepiada. Lá estava ele, com aquela cabeleira enorme, conversando com os roadies, e eu cheguei e disse: Olá, Robert. Ele colocou seus óculos, sorriu para mim e disse: Ora, aí está você! Logo em seguida, descobri que ele era fã incondicional de Ralph Stanley, assim como eu. Desnecessário dizer que nos entendemos rapidamente.”


“Depois desse LP com o Union Station, devo entrar em estúdio com Robert Plant novamente para um segundo disco juntos. Mas a idéia dessa vez é fazer algo totalmente diferente, como se o primeiro disco nunca tivesse sido feito. Esperem para ver.”


“Sou de Illinois, e ainda estou me acostumando aos poucos a viver no Tennessee. Não tenho uma vida social muito intensa, trabalho muito, e acho ótimo não ter perdido minha privacidade mesmo depois do sucesso estrondoso do disco com Robert Plant. É legal não ser do mainstream, as pessoas te deixam em paz.”



LPS ALISON KRAUSS & UNION STATION
Too Late To Cry (1987)
Two Highways (1989)
I´ve Got That Old Feeling (1990)
Everytime You Say Goodbye (1992)
I Know Who Holds Tomorrow (1994)
So Long So Wrong (1997)
Forget About It (1999)
New Favorite (2001)
Live (2002)
Lonely Runs Both Ways (2004)
Raising Sand (com Robert Plant 2007)
Indiana Fiddlers Gathering (2009)
Paper Airplanes (2011)

WEBSITE OFICIAL
http://alisonkrauss.com/