sábado, junho 30, 2012

OS TAPES DE JERRY GARCIA E DAVID GRISMAN: ROUBADOS PELO ENTREGADOR DE PIZZAS E RESGATADOS PELA WEB





Jerry Garcia e David Grisman são parceiros desde os anos 60 em diversos projetos.

Sempre foram amigos, e nunca desgrudaram um do outro por muito tempo, por mais longas e confusas que fossem as tournées do Grateful Dead.

No entanto, foi só em 1990 que os dois consideraram gravar discos em parceria, explorando vários gêneros musicais -- do folk ao jazz, além de canções infantis e até um pouco de blues -- sem fazer a menor cerimônia.

Essas brincadeiras resultaram em dois discos premiados com Grammies, e certamente teriam seguido adiante se não fosse pela morte de Garcia em 1995, que acabou repentinamente com a brincadeira saudável que rolava entre os dois velhos compadres musicais.

Mas como Garcia era velho habituée do estúdio caseiro de Grisman -- que, por sua vez, gravava muitas das sessões informais que eles faziam juntos --, de tempos em tempos David Grisman começa a fuçar em seu arquivo de gravações, recolhe mais algumas pérolas gravadas por eles dois em alguma noite inspirada e traz o bom e velho Jerry "Capitão Barato" Garcia de volta à vida novamente.

Daí, monta um novo disco da velha dupla só para matar a saudade -- dele, e também de seus fãs.


O álbum triplo "The Pizza Tapes", no entanto, não faz parte dessas gravações que Grisman guardou. Diz a lenda que Garcia e Grisman, mais o guitarrista Tony Rice, haviam tocado juntos por várias horas durante um dia inteiro, e aí decidiram pedir pizzas. Quando o entregador de pizzas chegou, as fitas DAT estariam em cima da mesa e teriam sido surrupiadas por ele e entregues ao mercado pirata.

Verdade ou não, essa história envolvendo esse entregador de pizzas deadhead virou uma espécie de lenda urbana, que foi alimentada ainda mais depois da morte de Garcia, quando discos com as tais sessões finalmente começaram a chegar ao mercado paralelo.

Pois Grisman foi ao resgate dos masters originais das sessões de gravação e então lançou "The Pizza Tapes" em 3 volumes diferentes, até reunir recentemente todos os 3 e mais alguma coisa nessa caixa tripla muito divertida "The Pizza Tapes - Extra Large", distribuída livremente pela web.


Para quem conhece os trabalhos anteriores da dupla, não há nenhuma grande novidade por aqui -- apenas um "mais do mesmo" extremamente descontraído e muito divertido, onde os três passeiam por um repertório tão eclético que nenhum outro artista ou grupo jamais ousaria combinar.

O passeio vai desde standards do jazz como "Summertime" e segue rumo a canções folk como "Man of Constant Sorrow", indo até clássicos do folk-rock como "Knockin' on Heaven's Door", de Bob Dylan, entre outras coisas inusitadas.

Com direito a conversas muito divertidas entre um número e outro, e muitas brincadeiras musicais que jamais caberiam num disco que não fosse 100% caseiro,. como esse.

"The Pizza Tapes": mais um episódio glorioso dessa "long strange trip" do pessoal do Grateful Dead que já vem durando mais de 45 anos.


BIO-DISCOGRAFIA 
http://www.allmusic.com/artist/jerry-garcia-mn0000328288 
http://www.allmusic.com/artist/david-grisman-mn0000809396
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FIONA APPLE DESCONSTRÓI SUAS CANÇÕES AO LIMITE DO IMPROVÁVEL NUM LP MAGNÍFICO.

Quando Fiona Apple surgiu com seu primeiro disco, eu confesso que fiquei com a sensação de que ela era a personificação de "Luka", personagem de Suzanne Vega que originou sua famosa canção.

E era mesmo, de alguma maneira.

Filha de artistas, Fiona teve treinamento musical desde bem pequena e deu o azar de ser estuprada na escadaria do prédio onde morava, em Manhattan, aos 12 anos de idade -- o que resultou numa adolescência interrompida, com muita assistência psicológica, já que ela passou a sofrer de transtornos obsessivos compulsivos e transtornos alimentares, que evoluiram para anorexia nervosa.

Conforme foi chegando à idade adulta, Fiona desenvolveu uma visão de mundo absolutamente peculiar, e, a exemplo de sua colega de geração Tori Amos, tratou de colocar todos os seus demônios para fora em suas canções -- estranhas, sem concessões ao mercado, e que caíram no gosto de uma parcela bastante significativa de público.

Tão significativa que conseguiu tornar seus 3 primeiros discos sucessos de vendas no mundo inteiro, algo que nem o executivo mais otimista da Epic Records imaginou um dia acontecer.



Agora ela está de volta com um novo trabalho ainda mais radical que os anteriores: "The Idler Wheel Is Wiser Than the Driver of the Screw and Whipping Cords Will Serve You More Than Ropes Will Ever Do".

Composto por canções que nasceram ao longo dos últimos sete anos, é um disco feito "no osso", sem banda, com Fiona cantando e tocando piano acompanhada apenas pelo veterano percussionista Charley Drayton.

E que canções...

Desde "Blue", de Joni MItchell, não se via um disco com essa levada: tão cru, e ao mesmo tempo tão denso e tão sofisticado, alternando momentos muito reflexivos com explosões de agressividade, sempre mantendo todas as termáticas que costuma abordar bem atadas ao chão, sem devaneios e sem subterfúgios -- atitude típica de quem fez muita terapia ao longo da vida.


"The Idler Wheel Is Wiser Than the Driver of the Screw and Whipping Cords Will Serve You More Than Ropes Will Ever Do" é um trabalho primoroso, extremamente envolvente tanto sob o aspecto musical quanto sob o aspecto temático.

Mas também bastante indigesto, levando a extremos todas as experiências terríveis abordadas em seus 3 primeiros discos.

É como se Fiona Apple tivesse se transformado numa caçadora de si mesma, e quisesse promover um acerto de contas consigo própria para conseguir chegar aos 40 com menos peso nas costas.

Quem sabe daqui a cinco anos, quando ele ressurgir com um novo álbum, já quarentona, ela venha linda e serena, e mais encantadora do que nunca.

Se for isso, Fiona Apple está desculpada pelo incômodo.



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quinta-feira, junho 28, 2012

PATTI SMITH VOLTA SERENA MAS SEMPRE CONTUNDENTE EM SEU NOVO LP, "BANGA"


O passar dos anos parece ter trazido serenidade a Patti Smith.

Em seu novo trabalho, "Banga", ela contempla os tempos atuais com algum inconformismo, mas sem aquele radicalismo filosófico de outras épocas. É como se já tivesse vivido quase tudo o que havia se preparado para viver, e agora procura manter sempre um olho no retrovisor antes de simplesmente seguir em frente. Patti parece estar aceitando com alguma tranquilidade o imponderável da vida, e a dificuldade em flertar com situações musicais-limite como as que peitava nos palcos nos anos 70.


Banga" tem algo de aconchegante para Patti, pois foi gravado com sua banda de costume -- os guitarristas Lenny Kaye e Tom Verlaine, o baterista Jay Dee Daugherty e o baixista Tony Shanahan --, no mesmo estúdio Electric Lady Studios onde gravou sua obra chave, Horses, disco de estréia, em 1975. Parece um portal do tempo, entre passado e futuro de Patti, e a essência da própria América, mais o Estado de Coisas do mundo atual.

A aventura começa como "Amerigo", uma reflexão sobre sobre a viagem de Américo Vespúcio ao Novo Mundo em 1497. Segue com "Fugi-San", um rock para o povo do Japão após os terremotos do ano passado. Que é seguido por "This Is the Girl", bela canção em homenagem a Amy Winehouse, e "Maria", em homenagem a Maria Schneider. E que culmina em "Constantine's Drigo" uma espécie de meditação sobre arte e natureza, e em "Nine", que compôs de presente de aniversário para seu amigo Johnny Depp, que comparece tocando guitarra.




Patti sempre foi assim.

Sempre se alimentou de um universo que, assim como a joga para a frente, possui fundações muito sólidas. Em seu inícío de carreira, foi acusada levianamente por alguns críticos de fazer um pastiche artístico-filosófico que envolvia poetas como Blake, filósofos como Rousseau, e compositores pop como Bob Dylan, Jim Morrison e Van Morrison. Demoraram a perceber que Patti tinha uma postura antropofágica em relação a todas essas frentes culturais, e que ninguém naquele momento -- meados dos anos 70 -- era dono de uma postura artística tão roqueira, radical e autêntica quanto ela.

Sua carreira é magnífica e sua obra de uma grandeza única, tanto como artista pop quanto como poeta e memorialista. Seu ex-namorado nos anos 70, o teatrólogo Sam Shepard, sempre fez questão de afirmar que Patti é um original americano. Bob Dylan, Bruce Springsteen e Neil Young são seus fãs confessos. E depois de "Só Garotos", o mundo inteiro parece ter-se apaixonado por Patti Smith. Até Jean-Luc Godard ficou encantado com ela, e a incluiu em seu "Film Socialisme".



"Banga" é o primeiro disco de originais de Patti em oito anos.

A arte que envolve o disco faz alusão direta à capa de "After The Goldrush", belo álbum de Neil Young de 1970.

Os dois discos possuem em comum a mesma serenidade aparente e o mesmo desencanto.

Mas Patti, assim como Neil em seu disco clássico, vislumbra manhãs melhores conforme avançam as canções do Lado B.

E ela, por sua vez, não deixa por menos e encerra seu "Banga" com um cover iluminado da faixa título visionária do disco de Neil.

É a nossa Patti Smith desafiando sua própria Maturidade com sua serenidade radical.

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ITHAMARA KOORAX SE REINVENTA MAIS UMA VEZ COMO INTÉRPRETE EM "GOT TO BE REAL"



Lembro bem da primeira vez que vi e ouvi Ithamara Koorax cantando.

Foi num programa da extinta TV Manchete, com Marcos Valle ao piano, cantando alguns de seus grandes sucessos dos anos 60 e 70.

Fiquei impressionado com sua vitalidade pop e sua atitude vocal bem jazzística – dois elementos que, bem combinados, sempre faltaram a 90 por cento de nossas cantoras.

Claro que também me impressionou sua beleza: Ithamara era uma gata, toda vestida em couro, linda, irremediavelmente sensual, e o velho beach boy de Ipanema sentado ao piano mal conseguia esconder o prazer de ter suas canções cantadas por uma cantora com tantos predicados.

Vinte anos e quinze discos mais tarde, Ithamara Koorax é -- ao lado de Joyce, Flora Purim e Leny Andrade – uma das cantoras mais bem sucedidas em carreiras internacionais que o Brasil já produziu.

Escolha o país que quiser: pode ter certeza que Ithamara já cantou lá, provavelmente com músicos de lá, já fez amigos por lá, e já deve estar com convites para voltar a cantar lá em breve.

 


Ao longo desse período, Ithamara se desdobrou um várias cantoras diferentes.

Tem a Ithamara embaixatriz da bossa nova , que brilha em discos aclamados pela DownBeat como “The Luiz Bonfá Songbook” e “Bim Bom – The Complete João Gilberto Songbook”.

Tem também a Ithamara mais experimental -- herdeira musical de Flora Purim -- dos belíssimos discos “Serenade In Blue” e “Love Dance”, ambos gravados para o selo Milestone, que a lançou com todas as honras no mercado americano no final dos anos 90.

E tem ainda a Ithamara pop jazz, que às vezes flerta com o drum & bass, e outras vezes pega mais leve, dividindo a cena com o pianista José Roberto Bertrami, do Azymuth, em aventuras musicais bem internacionais, mas sempre com um molho carioca delicioso e irresistível.



É o caso desse “Got To Be Real”, seu mais novo trabalho, gravado ao vivo num estúdio carioca no último verão de encomenda para a gravadora IRMA, com sua banda de apoio e o grande Bertrami criando os climas mais adequados à bela voz de Ithamara em seus teclados.

A primeira parte traz versões cover arrebatadoras para clássicos pop como “Got To Be Real”, “Never Can Say Goodbye”, “Can’t Take My Eyes Off Of You”, “Goin’ Out of My Head” e “Up, Up and Away”.

Arrebatadoras mesmo.

Climáticas ao extremo, envolventes de uma maneira extremamente perigosa, e nada óbvias.

Já as canções da segunda parte do disco demonstram que havia, aparentemente, um plano B para o caso da gravadora preferir trabalhar um trabalho com um foco mais carioca, e traz releituras bem interessantes para “Pigmalião”, de Marcos Valle e “Toque de Cuíca” do Azymuth.

Se bem que, no final das contas, vingou o repertório internacional mesmo, com um resultado muito superior a, por exemplo, o último disco de Eliane Elias, "Light My Fire", que veio mais ou menos nesse mesmo tom.


"Got To Be Real” começou bem sua carreira internacional e vem sendo bem recebido em vários cantos do mundo, com críticas muito efusivas para tudo o que tem de ousado e arrojado.

Falta ainda Ithamara conseguir ter aqui no Brasil um séquito semelhante ao que possui lá fora.

Não vai ser fácil -- ainda mais depois da diretoria do SESC-SP ter considerado sua música “elitista” e pouco atraente ao público paulista.

Mas tudo bem, Flora Purim passou exatamente pela mesma via crucis antes de explodir internacionalmente, e conseguiu sobreviver bravamente à obtusidade alheia. É só Ithamara ter um pouquinho de paciência que já já alguma coisa acontece.

Ouça "Got To Be Real" e fique indiferente ao talento implacável de Ithamara Koorax, se for capaz.


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terça-feira, junho 26, 2012

RORY BLOCK VISITA MAIS UM GRANDE MESTRE DO BLUES NUM SONGBOOK ADMIRÁVEL


Aurora “Rory” Block sempre soube o que faz e onde queria chegar.

Novaiorquina de Greenwich Village nascida em 1949 que começou a tocar guitarra aos 10 anos de idade incentivada pelos pais -- que sempre a levavam para ver todo tipo de música que o bairro abriga tradicionalmente desde sempre.

Seu pai era dono de uma sapataria e violinista de uma banda folk chamada Elektra String Band Project, da qual Rory fez parte, e com a qual gravou um disco aos 12 anos.

Teve aulas com Reverend Gary Davis e outros bluesmen que viviam em Nova York nos anos 1960, e aos 15 anos, emancipada pelos pais, caiu na estrada para conhecer a música do sul dos Estados Unidos in loco.

Foi quando cruzou o caminho de Skip James e Mississipi John Hurt, suas duas maiores influências musicais na juventude.

O caso é que, depois de gravar seu disco solo de estréia -- aos 16 anos -- na Chrysalis Records, em Berkeley, Califórnia, Rory nunca mais sossegou em sua busca pelas raízes americanas.

Curiosamente, Rory Block só foi descoberta pelo grande público – da noite para o dia, a velha piada pronta de sempre – no início dos anos 1990, quando já tinha 10 Lps gravados e 20 anos de carreira nas costas.



Se engana quem pensa que, por tocar blues acústico, Rory Block é uma neo-tradicionalista do gênero.

Não é bem assim.

Rory segue tradições musicais mais por prazer do que por obrigação. De blueswoman xiita ela não tem absolutamente nada. Seus LPs recentes refletem bem isso.

Apesar de “The Lady & Mr. Johnson”, seu songbook de Robert Johnson gravado em 2006, ser extremamente reverente ao approach musical original das gravações de Johnson, o mesmo não pde ser dito de “Blues Walkin´ Down Like A Man”, seu tributo a Son House de 2008, e do recém-lançado “Shake ‘Em On Down”, todo dedicado a Mississipi Fred McDowell.

Na medida em que conviveu bastante com os dois em seus anos finais, Rory sentiu-se à vontade para brincar com seus repertórios e reinventá-los à sua maneira, sem a reverência que demonstrou quando abordou o repertório de Robert Johnson.


Nesse recém lançado “I Belong to the Band”, Rory passeia pelo songbook de Reverend Gary Davis  com um pé no blues e outro nos gospels.

Apesar de dispensar uma banda de apoio para suas performances, faz questão de contar com o suporte de um grupo vocal negro bem eloquente -- e isso traz um diferencial muito interessante a suas versões para clássicos como "Sansom & Delilah" e "Lord I Feel Like Going On", muito gravados pelos bluesmen da California que foram alunos do Reverendo nos anos 60.

Rory mantém nesse disco a mesma atitude acústica irreverente de seus songbooks. Altera alguns trechos das letras para que elas façam sentido quando cantadas por uma mullher. E. de quebra, imprime seu estilo inconfundível de folk blues urbano a números já gravados por centenas de artistas, como "Death Don´t Have No Mercy".

Como os discos do Reverend Gary Davis foram gravados sem maiores requintes de produção, não deixa de ser curiosa a abordagem de Rory Block a seu repertório.

Sua atitude, mais uma vez, pode não agradar alguns puristas do gênero.

Mas, convenhamos, é sob medida para aqueles já não viam mais graça alguma em ouvir esses números com Jorma Kaukonen e com Bob Weir, dois de seus ex-alunos mais aplicados, sempre tocado da mesma maneira.



Sem dúvida, faltava uma homenagem como essa ao grande Reverendo Gary Davis, um dos compositores de blues mais brilhantes da história do blues da Costa Oeste.

Não falta mais.

O que falta agora são novos discos de Rory Block com repertório bem variado, como os que ela gravava antes de iniciar essa onda de songbooks, que permitam a ela demonstrar toda a sua amplitude musical e toda a sua versatilidade.


Eu, pessoalmente, vou torcer bastante por isso, por mais que eu goste de investidas conceituais como esse "I Belong To The Band - A Tribute To Reverend Gary Davis"

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terça-feira, junho 19, 2012

BÉLA FLECK E MARCUS ROBERTS TROCAM FIGURINHAS NUM LP BELO E INUSITADO



Há pelo menos 25 anos, o banjo de Béla Fleck vem desafiando gêneros musicais, e tirando o sono de qualquer um que tente classificá-lo.

Bela já gravou discos de bluegrass, de música erudita, de rock e de jazz, e nunca escondeu que sente tanto prazer tocando com seus mestres Chick Corea e Stanley Clarke quanto com jam bands como o Grateful Dead, Allman Brothers e a Dave Matthews Band.

Nascido na cidade de Nova York, Béla Fleck descobriu o banjo ainda bem criança ouvindo temas de Lester Flatt e Earl Scruggs que tocavam na série de TV “A Família Buscapé (The Beverly Hillbillies)”.

Daí para a frente, foi atrás dos LPs da lendária dupla country e descobriu, pouco a pouco, que ainda havia um universo muito extenso a ser explorado naquele instrumento tão menosprezado.


Aliás, “explorar” é a palavra chave no universo musical de Bela Fleck.

Ele é, antes de tudo, um explorador musical.

Aos 15 anos de idade, já imaginava maneiras de tocar bebop no banjo, incitado por seu professor de música Tony Trichska -- outro que nunca se conformou com o uso restrito do banjo nas formações de bluegrass.

Muitos anos e várias bandas se passaram desde então.

Ao longo de todo esse tempo, Béla vem se dividindo entre o tradicionalismo do New Grass Festival e o experimentalismo dos Flecktones, além de brilhar em discos solo espetaculares e muitas vezes surpreendentes, ao lado de craques como David Grisman, Mark O´Connor e Jerry Douglas -- inaugurando um gênero que o pessoal do A&R da Warner passou a chamar de “blubop”, um mix de bluegrass e bebop.


"Across The Imaginary Divide”, seu novo disco, é mais uma dessas aventuras musicais inusitadas.

Depois de embarcar numa jam com o sisudo Marcus Roberts Trio no Festival de Jazz de Savannah, Louisiana, rolou uma afinidade musical forte entre eles, apesar de seus estilos extremamente díspares.

Fleck sempre viajou por todas as sonoridades disponíveis na América, sem distinção.

Já Roberts sempre procurou manter a cidade de New Orleans impregnada na música de seus grupos – o tamanho deles sempre variou muito, sendo o Trio sua formação mais básica, com Jason Marsalis na bateria e Rodney Jordan no contrabaixo.

A sintonia musical com a música de New Orleans foi abraçado por Fleck logo de cara, e Roberts aproveitou a deixa para providenciar que essa viagem musical abrangesse toda a história musical da cidade.

Com isso, despertou o espírito explorador de Béla Fleck, e o resultado prático disso foi uma série de números lindíssimos e performances magníficas.

“Across The Imaginary Divide” foi composto e gravado rapidamente, e tudo nele flui de forma muito expontânea e natural.

É uma colaboração no melhor sentido do termo -- extremamente bem sucedida, diga-se de passagem.



“Across The Imaginary Divide” funciona como uma brincadeira muito espirituosa entre músicos que ninguém jamais imaginaria atuando juntos, e que -- de tão ecumênica -- vem surpreendendo o público por todos os lugares onde vem passando.

Aliás, vem surpreendendo também a todos os que achavam Béla Fleck hiperativo e impetuoso demais em termos musicais, e também aos que viam em Marcus Roberts um neotradicionalista sisudo como muitos de seus colegas de geração na cena de New Orleans.

Trocando em miúdos: “Across The Imaginary Divide” é um disco espetacular e tem tudo para agradar tanto aos fãs mais heterodoxos de Fleck quanto aos fãs mais ortodoxos de Roberts.

Afinal, o Jazz não foi inventado para quebrar regras e desrespeitar fronteiras?



BIO-DISCOGRAFIAS
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WEBSITES OFICIAIS
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segunda-feira, junho 18, 2012

DIÁRIO DE BORDO - SANTOS JAZZ FESTIVAL - 17/06/2012 - ENCERRAMENTO COM ROBERTO SION E YAMANDU COSTA


Depois de 5 workshops bastante concorridos, 10 shows no Palco da Rua XV, 6 shows mais intimistas no palco do velho Pregão da Bolsa do Café, e uma noite de abertura triunfal no Teatro Coliseu com Hermeto Pascoal acompanhado da Sinfônica de Santos e da Jazz Big Band, eis que o Santos Jazz Festival finalmente entra em sua reta final, desacelerando aos poucos e já contemplando, com um certo saudosismo, tudo o que rolou em 4 dias de muita música, muita camaradagem entre artistas, e absolutamente nenhuma confusão – algo surpreendente num evento que atraiu 10 mil pessoas.

As atrações desse domingo pipocaram em vários cantos da cidade, e não vieram em sequência como os shows das Maratonas Musicais de Sexta e Sábado na Rua XV.

Logo pela manhã, no Theatro Guarany, o Jazz Combo do Conservatório de Tatuí brindou o público com uma aula de arranjo para formações com mais de 10 músicos, num meio termo curioso entre workshop e show.

Passearam por um repertório variado de música brasileira e clássicos do jazz, e mostraram para os que ainda não os conheciam porque são considerados um dos grupos-escola mais importantes das Américas.


No início da tarde, na Bolsa do Café, foi a vez do Sambália Trio mostrar o seu suingue e a sua delicadeza musical para as pessoas que circulavam pelo Centro Histórico de Santos        

Comandado pelo pianista, arranjador e produtor Theo Cancello, jovem veterano da cena local e também da cena paulistana, o Sambália Trio é um dos grupos instrumentais mais promissores dessa nova safra, e parece ter um futuro bem promissor pela frente.



Já no final da tarde, o clarinetista americano John Berman, estudioso de música brasileira, trouxe seu projeto Choro In Jazz e revelou as várias afinidades musicais que os dois gêneros tem em comum.

Berman, que agora vive aqui no Brasil, vem desenvolvendo esse trabalho há já alguns anos, sempre fazendo uso de um approach mais acadêmico e bastante empírico – se bem que, nessa descontraída apresentação de ontem, o que se viu e ouviu de sisudo não tinha absolutamente nada.

Um belo concerto.


E então, às 20 horas, no Theatro Coliseu, chega a hora do Santos Jazz Festival encerrar sua primeira edição.

O primeiro dos dois shows da noite foi uma grata surpresa.

O saxofonista e maestro Roberto Sion, santista da gema, veio sozinho ao palco, munido apenas de um sax-alto e uma flauta.

Tocou, brincou, contou histórias da cena jazzística de Santos nos anos 60 e 70, quando iniciou sua carreira musical. Homenageou Tom Jobim, tocou “Brigas Nunca Mais” e “Body & Soul”. Falou de seu pai, que foi um dos fundadores do Clube de Jazz de Santos nos anos 50 e lembrou de Stan Kenton hospedado em sua casa.



E então, para surpresa geral, deixou o sax e a flauta de lado, sentou-se ao piano e tocou algumas canções de que gosta muito, como “All The Things You Are” e uma canção inédita de sua autoria, composta especialmente para Santos no final dos anos 60, quando foi estudar música na Europa, que estava guardada na gaveta e acaba de ser devidamente resgatada.

Sion deixou o palco do Coliseu sob aplausos calorosos, mas não sem antes dar sua bênção ao Santos Jazz Festival.









É chegada a hora do segundo e último show da noite.

E eis que surge no palco do Coliseu o jovem gaúcho de Passo Fundo, Yamandu Costa. Apesar de seus 32 anos de idade, Yamandu já é veterano: acaba de completar 18 anos de carreira e já tem 15 discos gravados.

O que mais impressiona em sua técnica é a maneira irreverente com que mistura diversas estilos diferentes de tocar violão num formato único, vigoroso, intenso e muito dramático.

Yamandu não faz a menor cerimônia ao tocar um choro tradicional como se fosse jazz mamouche, ou uma valsa bem brasileira com toques flamencos – pelo contrário, parece estar sempre se divertindo muito com essas “malcriações” musicais.

Mas surpreendente mesmo é ele ter conseguido desenvolver um estilo tão pessoal com apenas 18, 20 anos de idade. Como bem definiu um amigo ainda há pouco, Yamandu é uma verdadeira máquina de tocar violão.


Na apresentação do ontem, ao lado de um violonista e de bandolinista, Yamandu tocou basicamente canções próprias.

As exceções foram uma releitura de um belo número de Radamés Gnattali, e um bis com “Carinhoso”, de Pixinguinha – um pequeno mimo para uma platéia que soube se comportar tão bem diante de um recital de mais de uma hora de duração com um repertório nada conhecido.


Enfim, encerrada a última noite do Santos Jazz Festival, nós aqui da Equipe de Produção fechamos para balanço, até o anúncio da próxima edição no ano que vem.

Antes de encerrar, uma saudação a todos que estiveram envolvidos nessa empreitada gloriosa que trouxe a Santos um sonho que muitos já tiveram, mas que, por um motivo ou outro, não conseguiram realizar.

Que todos estejam de alma lavada, é o que desejamos de coração.

Vida longa ao Santos Jazz Festival!

Da esquerda para a direita:  
Nívio Mota (Projeções Visuais)
Conceição (Gerente Backstage)
Denise Covas e Jamir Lopes (Produtores)
André Azenha (Assessor de Imprensa)
Dino Menezes (Vídeo) 
Fred Cappellato (Fotografia). 

Ausentes na Foto:  
Michel Pereira (Gerente de Palco) 
Chico Marques (Textos e Redes Sociais)

domingo, junho 17, 2012

DIÁRIO DE BORDO - SANTOS JAZZ FESTIVAL - 16/06/2012 - SEGUNDO DIA DA MARATONA DE SHOWS



A expectativa era grande para um sábado de sol maravilhoso na segunda maratona de shows de rua do Santos Jazz Festival.

Desde as primeiras apresentações à tarde, no palco camerístico da Bolsa do Café, havia alguma coisa no ar que indicava que teríamos um dia muito especial.

O astral pacífico das performances vespertinas bem intimistas, e lotadas, do guitarrista Alexandre Birkett e seu Trio, e do pianista Robson Nogueira com o cantor Celso Lago, já indicavam que tudo estava em seu devido lugar, e que dalí para a frente bastaria simplesmente deixar rolar, sem sobressaltos.

Pois foi exatamente o que aconteceu, desde o início da primeira atração do Palco da Rua XV.

Às 6 horas da tarde, a cantora Babi Mendes subiu ao palco acompanhada pelo saxofonista Maurício Fernandes e seu quarteto, e começaram a apresentar canções de seu disco "Short Stories" -- um trabalho extremamente bem produzido e "empacotado" da maneira mais adequada para promover seus talentos como cantora quanto como compositora.

Perfeitamente integrada com seu time de músicos -- todos empenhados em aparecer pouco, e "fazer escada" para Babi --, ela conseguiu realizar um show muito superior ao do lançamento de seu disco no SESC-Santos meses atrás. Na metade do tempo regulmentar, dispensou a banda e chamou o hábil guitarrista Marcos Canduta para um set de duetos voz e guitarra com clássicos do jazz, muito bem recebidos pela platéia.

E então, depois de três números bem intimistas, volta ao palco o poderoso quarteto de Maurício Fernandes para fechar a apresentação em grande estilo com "Grapefruit" e com uma releitura deliciosa para "I Got Rhythm", de George & Ira Gershwin, onde a banda mostrou todo o seu suingue invejável.

Verdade seja dita: Feliz o cantor ou cantora que conta com músicos como esses na retaguarda.



Por volta das 7 e meia da noite, o veterano Filó Machado e sua banda subiram ao palco, com seu approach musical extremamente arrojado, que une um blend personalíssimo de soul bem brasileiro com improvisos jazzísticos sempre surpreendentes.

Filó é um desses caras que sempre teve uma entrada muito mais fácil no mercado estrangeiro do que por aqui.

Veterano, com mais de 30 anos de carreira, muita gente se lembra bem de seus discos do início de carreira, mas a grande maioria não sabia ao certo por onde ele andava desde então.

Pois acabaram descobrindo da melhor maneira possível, numa performance brilhante e vibrante à frente de uma banda impecável.


Mais adiante, às 9 e meia da noite, subiu ao palco o aguardado quinteto gaúcho Delicatessen.

Numa performance de uma elegância musical impressionante, o Delicatessen apresentou prioritariamente clássicos do "Great American Songbook" em arranjos muito originais, sempre sob o comando da cantora Ana Krieger,

Com eles, uma canção como "My Foolish Heart", por exemplo, que já teve centenas de gravações, ganha uma leitura completamente original. Por um lado, ela mantém toda a doçura de seus versos originais enquanto está sob o comando de Ana. Mas assim que ela termina sua parte, a banda assume embarcando num clima musical denso e turbulento, dando a entender que a descoberta do amor pela protagonista da canção não vai ser algo muito harmonioso, nem deve ter um final feliz. 

São sacadas musicais como essa na hora de elaborar seus arranjos que fazem do Delicatessen algo muito especial na cena musical atual, e que justifica todos os prêmios que o grupo vem colecionando ao longo desses últimos anos.

Depois de pouco mais de 45 minutos de show, a platéia do Santos Jazz Festival estava completamente rendida ao encanto e à delicadeza musical do Delicatessen.

Taí um grupo que merece toda a (boa) fama que tem.


Já eram quase 11 da Noite quando o genial Heraldo do Monte e seu filho Luís do Monte subiram ao palco, cada um empunhando uma guitarra, e começaram uma brincadeira longa e deliciosa com a clássica "Fly Me To The Moon", sem banda nenhuma acompanhando.

Nem precisava. Foi como se eles estivessem em casa, tocando em pé para seus convidados.

Tocaram sem parar durante quase uma hora para uma platéia silenciosa e completamente hipnotizada.

Foi simplesmente magnífico.

Uma aula de guitarra que deixou todos os guitarristas que estavam na platéia com um sorriso permanente dos lábios e todos os demais com a certeza de que haviam acabado de presenciar um momento musical único e inesquecível.



E então, à meia-noite, o palco do Santos Jazz Festival recebeu de braços abertos o ótimo trio do bluesman torcedor fanático do Santos Futebol Clube, o guitarrista paulistano André Christovam

André começou manso, com números instrumentais. Mas depois de um breve aquecimento com clássicos de seu repertório como "Dados Chumbados" e "Genuíno Pedaço do Cristo", André chamou seu mestre Heraldo do Monte para voltar ao palco e acompanhá-lo num dueto de guitarras em "Jumping The Blues", de Duke Ellington -- mas não sem antes chamá-lo de "El Presidente" e ressaltar para todos os presentes que Heraldo é um guitarrista único, um craque absolutamente original de seu instrumento, da mesma grandeza de Charlie Christian e Django Reinhardt.


Depois dessa aula de delicadeza e camaradagem musicais, André, ainda não satisfeito, chamou ao palco seu segundo convidado: o lendário guitarrista paulistano Faísca.

Juntos, os dois passearam com suas guitarras fulminantes por clássicos de Junior Wells ("Early In The Morning"), B B King ("Help The Poor" e "Caldonia"), Albert King "Crosscut Saw"), Freddie King ("Someday After Awhile) e Sonny Boy Williamson ("Eyesight To The Blind"), e só pararam quando a voz de André desapareceu por completo.


Por volta de uma da manhã, completamente afônico, pediu desculpas à platéia por ter que encerrar por aí, mas ainda conseguiu dizer, com muita dificuldade, que foi um grande prazer estar de volta a Santos, e a um palco bem aconchegante como esse, repleto de amigos, e em particular a essa edição inaugural do Santos Jazz Festival.

De quebra, sentenciou: "Tudo bem que os Corinthianos merecem respeito, etc e tal, mas não adianta: quarta feira é dia de comer galinha preta SIM!".

Quem viver, verá.