sexta-feira, maio 13, 2011

CONHEÇAM OS PAIS DE RUFUS WAINWRIGHT E DESCUBRAM PORQUE ELE É DO JEITO QUE É (por Chico Marques)


Todo mundo concorda que Rufus Wainwright é uma das figuras mais vitais da cena musical americana desse início de século.

O estofo do rapaz vem de berço. É bisneto de um Governador de Nova York, neto de um editor da Life Magazine e filho de um casal de cantores-compositores altamente conceituados.

Criado num ambiente familiar extremamente musical, ele se afirmou rapidamente como um compositor de mão cheia, um performer extremamente versátil, e o responsável por 5 Lps excepcionais. Tudo isso somado à vitalidade e ao magnetismo de Rufus no palco, cantando e tocando piano, não deixa a menor dúvida: ele realmente nasceu para o métier. E veio para ficar.

No entanto, a maioria dos admiradores incondicionais de Rufus Wainwright desconhece o trabalho de seus pais. Para muitos deles, basta a informação -- difundida pelo próprio Rufus em várias entrevistas -- que mantinha uma sintonia muito fina com a mãe, falecida no ano passado, e algumas diferenças com o pai, que nunca simpatizou com certos exageros públicos que Rufus comete em suas constantes afirmações como homossexual -- por exemplo, o show que fez travestido de Judy Garland, revivendo sua lendária performance no Carnegie Hall, Nova York, em 1961.

Pois esses admiradores incondicionais de Rufus Wainwright -- no afã de aplaudí-lo por motivos que muitas vezes pouco tem a ver com seu talento -- estão perdendo o melhor da festa: os pais do rapaz.


O pai de Rufus é Loudon Wainwright III, talvez o folk singer urbano mais confessional e mais debochado que a América já conheceu. Nascido em 1946 em Chapel Hill, North Carolina, numa família de intelectuais, Loudon demonstrou desde cedo talento para escrever. Quase virou jornalista, assim como seu pai, mas mudou de idéia quando começou a circular por clubes folk e a ouvir Bob Dylan, Fred Neil e Eric Andersen. Foi quando descobriu que podia compor canções. Canções muito incomuns, diga-se de passagem. Virou cantor e compositor profissional em 1968. Seu primeiro LP, lançado nos primeiros meses de 1970, pela Atlantic, é uma coleção de canções extremamente contundentes, que alternavam ternura e bom humor com observações ácidas e mordazes sobre o "fim do sonho" dos anos 60 . A crítica o saudou logo de cara como a azeitona estragada do Martini do Sonho Americano do pós-guerra. Já o público aos poucos o recebeu como uma espécie de ombudsman que fazia a autocrítica dos anseios e devaneios de sua própria geração. Dois papéis que, somados ao de marido devotado e pai de vários filhos, Loudon Wainwright III vem desempenhando aos olhos do público ao longo dos últimos 40 anos, em mais de 20 LPs que nunca emplacaram nas paradas, mas sempre tiveram público certo, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa.


Já a mãe de Rufus, Kate McGarrigle, era uma mulher linda e talentosa na mesma medida em que era bipolar e de difícil trato. Também nascida em 1946 numa família musical em Montreal, Canada, conseguiu com seu trabalho -- feito em colaboração com sua irmã Anna McGarrigle -- dar projeção internacional ao folk canadense, tanto nos Estados Unidos quanto na Europa, Japão e Oceania, abrindo esses mercados para vários artistas até então conhecidos apenas no Canadá. O primeiro LP da dupla, " Kate & Anna McGarrigle", gravado em 1975, é radiante. Uma pequena obra prima do folk rock, e um dos 3 discos mais importantes do gênero em toda a década de 1970. Como resistir a uma coleção de canções tão contundentes e tão delicadas que soam até hoje perfeitas e irretocáveis. Nos 35 anos de carreira que se seguiram a essa estréia magnífica, Kate e Anna nunca mais gravaram um disco tão bom. Mas bem que tentaram. E, em cada tentativa, nunca deixaram de produzir música de primeira grandeza. Isso, até o ano passado, quando Kate perdeu uma longa batalha contra um cancer.

Então, nesse início de ano, numa dessas estranhas coincidências que só acontecem quando a Indústria Musical está matando cachorro a grito, eis que tanto Loudon Wainwright III quanto Kate & Anna McGarrigle acabam de ter suas carreiras colocadas em perspectiva em duas caixas de cds que estão chegando ao mercado.


“Tell My Sister” é uma homenagem de Anna McGarrigle e do produtor Joe Boyd à memória de Kate McGarrigle, em 3 belíssimos cds focados no início de carreira da dupla. Os dois primeiros são reedições rematrizadas de seus Lps mais emblemáticos: “Kate & Anna McGarrigle” (1975) e “Dancer With The Bruised Knees” (1977), e o terceiro é um apanhado de demos e faixas descartadas nas edições finais desses LPs, que acaba sendo uma viagem sentimental pela formação musical riquíssima das McGarrigles. Não há grandes novidades aqui. Nem precisava. Na verdade, só o prazer de ouvir esses LPs novamente com sua clareza sonora restaurada através de novas tecnologias disponíveis já faz com que esse pacote lançado pela Nonesuch Records valha a pena. A grandeza musical das Irmãs McGarrigle merecia uma homenagem emocionante como essa.


Já a caixa de Loudon, “40 Odd Years”, é uma superprodução. São 3 cds retrospectivos de 40 anos de carreira, um cd adicional com raridades e faixas inéditas de interesse para colecionadores, e ainda um dvd com um documentário de 3 horas de duração. É impressionante como a música de Loudon foi ficando menos venenosa e mais delicada e familiar com o passar do tempo. Seu bom humor, no entanto, permaneceu constante ao longo de todos esses anos. Tarefa nada fácil reunir material licenciado das muitas gravadoras por onde Loudon passou. Mas que prazer poder ouvir essas belas canções agora de forma cronológica, como nenhuma outra antologia de seu trabalho havia feito antes. Fico imaginando o espanto dos fãs de Rufus ao perceber que, sempre que deixa de cantar como Marlene Dietrich, sua voz lembra muito a de seu pai, principalmente nos discos gravados nos anos 1980 na Inglaterra.


Tanto “Tell My Sister” quando “40 Odd Years” são excelentes introduções ao trabalho desse casal de artistas muito especiais. Se são extensas, é porque o legado musical dos dois não cabia em pacotes menores. E também porque o interesse na obra deles reacendeu de uns anos para cá, em parte devido à popularidade das carreiras solo de seus filhos. Loudon e Kate podem não ter tido um casamento feliz, mas que produziram dois filhos tão especiais quanto eles, isso eles produziram.

Já o mérito de conseguir desenvolver uma personalidade musical tão forte convivendo sob o mesmo teto com artistas extremamente valorosos, mas difíceis, como seus pais... bem, esse mérito é todo seu, Rufus Wainwright. E seu também, Martha Wainwright.



HIGHLIGHTS
KATE AND ANNA MCGARRIGLE







HIGHLIGHTS
LOUDON WAINWRIGHT