quarta-feira, maio 25, 2011

AS SEMPRE INCESSANTES AVENTURAS MUSICAIS DE BEN HARPER E JOSEPH ARTHUR (por Chico Marques)


Sempre que alguém usa o termo “superbanda”, logo se imagina músicos que passaram por bandas importantes no passado associados em projetos caça-níqueis altamente rentáveis, mas pouco recomendáveis artisticamente.

O conceito de “superbanda” surgiu nos anos 1970, quando qualquer pequeno arranhão no ego de qualquer membro de qualquer banda de rock já era o suficiente para desencadear uma carreira solo -- 90% das vezes duvidosa e, conseqüentemente, desastrosa.

Para que estrelas pop perdulárias conseguissem arcar com as dívidas decorrentes dessas aventuras solo, o jeito era embarcar em uma dessas “superbandas” promovidas pelas próprias gravadoras, e que tinham lá suas vantagens: não chegavam a ser comprometedoras, já que duravam pouco, rentabilizavam rápido e eram rapidamente esquecidas pelo grande público.

Foram tantas “superbandas” naquela época – Beck Bogert & Appice, West Bruce & Laing, Asia, KGB, The Firm, etc. etc. etc. – que, aos poucos, o público cansou e desistiu delas. O oportunismo delas ficou acintoso demais. Ninguém mais conseguia se impressionar com projetos oportunistas desse tipo.

E então, quando tudo parecia perdido, surgiram duas superbandas realmente autênticas, fruto de camaradagem verdadeira entre músicos muito talentosos. Uma era o Little Village -- de John Hiatt, Nick Lowe, Ry Cooder e Jim Keltner. E a outra, The Traveling Wilburys -- de George Harrison, Bob Dylan, Roy Orbison, Tom Petty, Jeff Lynne e (novamente) Jim Keltner.

Pois foi nesse mesmo espírito do Little Village e dos Traveling Wilburys que surgiu ano passado a superbanda folk Fistful Of Mercy, muito festejada pela crítica, que reunia os veteranos Ben Harper e Joseph Arthur com o jovem Dhani Harrison, filho de George Harrison. Os três se internaram por 3 dias num estúdio em Los Angeles, onde finalizaram em grupo várias canções que haviam sido esboçadas individualmente, e partiram numa tournée pela Europa para promover o disco -- que, diga-se de passagem, marcou presença em 9 de cada 10 listas de melhores do ano passado.

Agora, oito meses mais tarde, enquanto Dhani Harrison prepara aos poucos seu primeiro trabalho solo, Ben Harper e Joseph Arthur já estão de volta ao expediente normal com suas bandas, e acabam de lançar discos solo no mínimo interessantes.


Ben Harper convocou pela segunda vez o grupo Relentless7 para seu décimo primeiro LP de estúdio, “Give Till It´s Gone”, uma coleção de canções bem urgentes que aparentemente não puderam esperar por um “álbum de conceito”. Não é uma ironia, e sim um fato: são poucos os discos de estúdio de Harper que não seguem uma orientação temática e um planejamento extremamente cuidadoso. E nesse planejamento está incluída sua persona enigmática e múltipla, sempre flexível a ponto de permitir que ele se comporte às vezes como guitar hero, outras vezes como cantor e compositor, e quase sempre como o carismático band leader de uma jam band. Aos 42 anos de idade, já velho conhecido do público brasileiro, é um dos artistas mais intensos da cena musical americana e um compositor de talento raro, que a cada nova investida se revela ainda mais interessante.

“Give Till It´s Gone”, gravado inteiramente na “garagem estúdio” da casa do amigo Jackson Browne, é um disco bem diferente dos outros que Harper lançou de 1994 para cá -- quase sempre à frente dos Innocent Criminals --, apesar de seguir fielmente a cartilha de nunca se assumir como artista de um ou outro gênero musical. Números não muito acelerados como “Rock & Roll Is Free” fazem contraponto a baladas belíssimas como “I Will Not Be Broken” e “Pray That Our Love Sees The Dawn”, num conjunto de canções bem consistente, Além disso, conta com participações inspiradas de Jackson Browne, o anfitrião, e também de Ringo Starr, que se convidou para a brincadeira por indicação do “sobrinho” Dhani Harrison.


Nesse novo trabalho, Ben Harper optou novamente por simplificar a produção e gravar todas as faixas ao vivo no estúdio. Brinca com sonoridades dissonantes, deixa a banda tocar solta, e foge de todas as armadilhas de produção que sufocaram “Diamonds On The Inside” -- uma de suas melhores coleções de canções até hoje, mas também um de seus discos mais datados em termos sonoros. Harper aprendeu que, para sobreviver gravando discos com material inédito no mercado atual, o ideal é seguir os ensinamentos de quem é da cena independente e está habituado a fazer milagres com verbas menores. Todo mundo ganha com isso: as canções brilham mais, a gravadora pressiona menos e tudo fica muito mais fácil de tocar ao vivo nas tournées. Harper trocou muitas figurinhas com Joseph Arthur -- um especialista em produções rápidas, rasteiras e bem realizadas -- durante as sessões de gravação do disco do Fistful Of Mercy ano passado, e já saiu aplicando as lições aqui. Ele, definivamente, não perde tempo.


Joseph Arthur é bem menos conhecido que Ben Harper, apesar de estar na estrada há quase tanto tempo quanto ele. Nascido em Akron, Ohio, 39 anos atrás, ele foi tentar a sorte no circuito folk da Califórnia, e em 1997 deu a sorte, e também o azar, de ser descoberto por Peter Gabriel, que o contratou para seu selo New World, voltado prioritariamente para artistas de world music. Seu primeiro disco para o selo, “Big City Secrets”, serviu para tirá-lo do ghetto folk e projetá-lo para o público de Peter Gabriel. No entanto, as dificuldades financeiras da New World impediram que ele recebesse a promoção que merecia, e acabou perdido num limbo artístico por quase três anos. Só no terceiro trabalho, “Come To Where I'm From” (2000), com produção de T-Bone Burnett e uma levada mais country rock, Joseph Arthur conseguiu atingir um público mais amplo. Devidamente amparado pela Virgin Records, ele começou a desenvolver projetos mais ambiciosos, sempre influenciado por Gabriel e seguindo conselhos de amigos como Joe Henry e T-Bone Burnett. Levou alguns anos até a Virgin finalmente se desinteressar dele. Mas quando isso aconteceu, Joseph Arthur já era uma força emergente na cena independente. De lá para cá, gravou uma série de Lps e EPs impacáveis com sua banda The Lonely Astronauts para seu selo próprio, mesclando folk com pop em contextos sonoros no mínimo inusitados e firmando-se como um dos compositores mais solicitados da cena atual.


Seu novo LP, “The Graduation Ceremony”, vem nessa mesma trilha de excelência, e é, desde já, um sério candidato a melhor disco deste ano. Repleto de canções intensas e serenas, nele a delicadeza musical de Joseph Arthur se expressa em diversos formatos. Desde o folk-pop de “Out On A Limb” e “Almost Blue”, cujo vigor lembra Jeff Buckley, até baladas pungentes como “Watch Our Shadows Run” e “Face In The Crowd”, com falsetes que lembram um pouco Neil Young no início dos anos 1970. Apesar dessas referências, não se engane: é um trabalho completamente original, de um artista muito pouco conhecido aqui no Brasil, e que merece ser devidamente descoberto. Detalhe: Joseph Arthur é também pintor, e suas aquarelas são muito expressivas. A linda capa de “The Graduation Ceremony” é mais um belo exemplo de seus múltiplos talentos.


Tanto Ben Harper quanto Joseph Arthur são de uma geração de artistas que aboliu rótulos para poder passear por diversos gêneros musicais sem virar vítimas das famigeradas classificações de mercado -- que os coleguinhas da Billboard Magazine tanto defendem.

Suas contínuas aventuras musicais vão longe. Podem ter certeza de que, antes mesmo do final deste ano, tanto um quanto outro já estará flertando com algum novo projeto para o ano que vem. Os dois são incansáveis.

É graças à iniciativa de artistas incansáveis e inclassificáveis como Ben Harper e Joseph Arthur que a cena musical americana não cansa de se reinventar, mesmo durante a maior crise de história da Indústria Fonográfica.


BEN HARPER
DISCOGRAFIA, FOTOS E ENTREVISTAS
http://altoeclaro.blogspot.com/2011/05/senhoras-e-senhoresben-harper.html


JOSEPH ARTHUR
DISCOGRAFIA, FOTOS E ENTREVISTAS

http://altoeclaro.blogspot.com/2011/05/senhoras-e-senhores-joseph-arthur.html


HIGHLIGHTS: BEN HARPER

"GIVE IT TILL IT´S GONE"







HIGHLIGHTS: JOSEPH ARTHUR

"THE GRADUATION CEREMONY"



Um comentário:

preto32 disse...

dupla bem boa...legal chico valeu pela dica.abraço.